A escassez de água potável e a seca em Portugal

A escassez de água potável e a seca em Portugal

 

O início de 2022 em Portugal tem sido marcado por notícias constantes sobre a seca que tem assombrado o país. Um pouco por todos os meios de comunicação encontramos agricultores desesperados com falta de água para alimentar os seus cultivos, criadores de gado com falta de água para fazer crescer alimento para os seus animais e vários especialistas que tecem cenários muito pouco positivos: a seca irá afetar gravemente o país a longo prazo, dores que se farão sentir particularmente quando chegar o verão.

Ainda não há muito tempo, alguém numa conversa sobre a falta de água em Portugal disse: “mas se o planeta tem tanta água no mar, como é que pode haver seca?”. Pode parecer curioso ouvir algo do género para quem está mais ligado ao mundo da sustentabilidade – mas, na verdade, a distribuição de água no planeta não é assim tão clara para a maioria das pessoas.

Por isso, para falar sobre a seca extrema que passamos, é imperativo falar sobre a água que temos disponível no planeta.

 

A DISPONIBILIDADE DE ÁGUA POTÁVEL

Sabemos que cerca de 70% da superfície da Terra é composta por água. Assim, é fácil perceber porque é que muitas pessoas ficam confusas quando se fala em seca – se há mais água do que terra, o que é que estamos a fazer mal? Para começar, de toda a água existente no planeta, cerca de 97,5% é água salgada e apenas 2,5% é água doce.[1]

Infelizmente, a água salgada não pode ser usada nem para consumo humano, nem para consumo animal ou para agricultura. Na forma como é encontrada nos oceanos, a água salgada contém níveis elevados de cloreto de sódio (o mesmo sal que utilizamos na cozinha); para consumo humano, esse excesso de sal iria fazer com que as células perdessem água por osmose, o que provocaria desidratação. Pela mesma razão, não pode ser utilizada para consumo animal. Em agricultura, o cloreto de sódio mata qualquer tipo de planta com que esteja em contacto e não permite sequer que as plantas germinem.

A única forma de podermos consumir água dos oceanos seria através da dessalinização da água – ou seja, remover o sal da água.

Voltamos à água doce, e aos seus 2,5%. Parece-te incrivelmente pouco? Então prepara-te, pois temos números ainda mais pequenos para te apresentar.

 De toda a água doce, 68,9% corresponde a glaciares e calotas polares situados em regiões montanhosas;
 29,9% são águas subterrâneas;
 0,9% corresponde à humidade do solo e pântanos;
 Apenas 0,3% corresponde à água doce armazenada nos rios e lagos, efetivamente disponível para uso.

Chegando ao final de todas estas contas, apercebemo-nos do inevitável: a água doce disponível para consumo é apenas uma ínfima parte de toda a água disponível no planeta, e isso coloca-nos numa situação muito delicada.

 

A ÁGUA É, OU NÃO, UM RECURSO RENOVÁVEL?

Esta questão é quase mais antiga do que “o que veio primeiro – a galinha ou o ovo?”. Mas, na verdade, tem uma resposta bastante mais simples.

A água é considerada um recurso renovável se tivermos em conta que está constantemente a repor-se na natureza (ciclo da água) e que os recursos hídricos são considerados recursos renováveis. Regra geral, um recurso é considerado renovável se puder ser reabastecido após consumo, nunca havendo a possibilidade de se esgotar.

Mas sabemos que a água se esgota, mesmo sendo um recurso renovável. Como é que isso acontece? O esgotamento das águas acontece principalmente no que toca às águas subterrâneas, e é geralmente resultado de um bombeamento excessivo das águas subterrâneas para a superfície. É fundamental garantir que o bombeamento não é feito a uma velocidade mais rápida do que a velocidade de reabastecimento da água.

O esgotamento das águas subterrâneas pode levar à redução de água em poços, lagos e rios.

Atualmente, uma pessoa gasta cerca de 152 litros de água por dia. Se esse consumo fosse aplicável aos 7 mil milhões de pessoas no planeta Terra, teríamos água potável suficiente para 360 anos.[2] E aqui, temos em conta apenas a água necessária para o nosso consumo rotineiro, que é composto pela higiene pessoal, limpeza da casa, etc. Mas, e toda a água que despendemos para a agricultura e consumo animal?

 

FIGURA 1. Utilização da água potável no mundo, anualmente.

 

Atualmente, apenas 7% do consumo de água mundial são correspondentes ao consumo humano. A agricultura compõe 70% do consumo de água mundial, sendo necessários aproximadamente 2 triliões de litros de água anualmente para cobrir todas as necessidades desta indústria.[3] Com a população a crescer cada vez mais, e a estimar-se que chegue aos 10 mil milhões até 2050[4], prevê-se que essa percentagem vá aumentar ainda mais nos próximos anos.

Com tantos números, é possível que comeces a ficar confuso, mas nós deixamos-te a mensagem geral: a imagem do nosso futuro não é muito positiva.

 

PORQUE É QUE A CHUVA É TÃO IMPORTANTE PARA O FORNECIMENTO DE ÁGUA?

64% da água potável que consumimos nos sistemas de água públicos é fornecida pela água da superfície, e 36% vem de água subterrânea. Mas qualquer que seja a origem, toda esta água vem de um só local: da neve e da chuva.

A chuva enche os lagos e rios, recarrega os aquíferos subterrâneos e fornece bebidas para plantas e animais; é, por isso, necessária como principal fonte de água doce, essencial para a nossa sobrevivência. Também elimina a necessidade de transporte de água para zonas do interior (zonas que não têm acesso a água de forma direta) e evita atividades de dessalinização. Uma vez que o processo de evaporação esgota as fontes de água doce, é necessária a chuva para repor toda a água perdida.

Quando não há chuva, os solos começam a secar, o fluxo dos rios diminui, os níveis de água nos lagos e reservatórios descem e a profundidade da água nos poços aumenta.

 

SECA EM PORTUGAL

Atualmente, mais de 90% do território nacional está em seca severa ou extrema, segundo dados do IPMA de 15 de fevereiro de 2022.[5]

52,2% do território está em seca severa e 38,6% do território está em seca extrema. 9,2% do território está em seca moderada, não havendo qualquer zona do território nacional abaixo dessa classe PDSI (índice de seca de Palmer).

FIGURA 2. Distribuição espacial do índice de seca meteorológica
a 15 de fevereiro de 2022. (FONTE: IPMA)

 

Esta seca, que teve início em novembro de 2021, tem vindo a agravar-se significativamente nos últimos dois meses, e sem sinais de melhorias, uma vez que não se prevê a ocorrência de precipitação significativa até ao final de fevereiro.

 

FIGURA 3. Distribuição espacial do índice de seca meteorológica
a 31 de outubro de 2021, 30 de novembro de 2021, 31 de dezembro de 2021
e a 31 janeiro de 2022. (FONTE: IPMA)

 

Muitos são aqueles que comparam já 2022 com o ano de 2005, que ficou conhecido para a história como a pior seca de sempre em Portugal. Em janeiro de 2005, 75% do país estava já em seca extrema; já janeiro de 2022 foi o segundo janeiro mais seco desde 2000 (sendo apenas ultrapassado pelo mês de janeiro de 2005) e o sexto janeiro mais seco desde 1931[6].

Vendo estes dados, é fácil perceber o desespero que ouvimos diariamente nas notícias. Os níveis de água nas barragens já fazem sentir a gravidade da situação, tendo sido já parada a produção elétrica em quatro barragens do país (Alto Lindoso, Touvedo, Vilar-Tabuaço e Gerês)[7]. Na barragem da Bravura, no Algarve, já não é possível utilizar a água para fins agrícolas.

 

O QUE PODEMOS FAZER?

Infelizmente, nenhum de nós tem o poder de “fazer chover”. Algumas comunidades optam por fazer rituais de “dança da chuva”, com a finalidade de pedir chuvas para as suas colheitas.

Na minha casa, lembro-me desde pequena de ouvir os meus familiares dizerem que não se deve pedir chuva – porque, eventualmente, ela virá em quantidades causadoras de grandes estragos (como as cheias que também assolam cada vez mais algumas zonas do planeta).

Independentemente das superstições de cada um, a verdade é que há pouco que possamos fazer nestes casos. Mas podemos sempre ter em especial atenção a água que utilizamos no nosso dia a dia – e evitar desperdiçar água nas nossas rotinas mais simples. Existem mil e uma formas de poupar água, mas nós deixamos-te algumas das dicas principais:

1. Toma duches mais rápidos: um duche de 10 minutos implica um gasto de cerca de 200 litros de água. Por isso, não te esqueças de desligar a água sempre que não a estiveres a utilizar (momentos em que estás a esfregar o cabelo, a espalhar o gel de banho pelo corpo). Não te esqueças também de reaproveitar a água que é desperdiçada enquanto esperas que ela aqueça; basta usar um garrafão ou um balde para apanhar essa água, e depois podes usar em plantas, para lavar a loiça...;

2. Descongela os alimentos com antecedência: evita usar água da torneira, e descongela utilizando o frigorífico ou colocando a comida à temperatura ambiente. Ainda na cozinha, não te esqueças de ter cuidado ao lavar os alimentos e de encher um recipiente com a água para evitar desperdícios;

3. Rega as plantas nas horas de menor sol: a água evapora-se mais nas horas de sol intenso. Por isso, opta por regar as plantas de manhã cedo ou ao final da tarde;

4. Repara as torneiras e autoclismos a pingar: uma torneira a pingar de 5 em 5 segundos pode gastar cerca de 30 litros de água por dia. Por isso, tem em atenção as torneiras, autoclismos e canos da tua casa, e repara os que estiverem a pingar.

 

Ainda podes ler mais dicas sobre poupança de água no nosso artigo sobre o Reaproveitamento deste Recurso Limitado.

Por agora, é importante continuarmos a fazer o nosso papel na poupança de água, e aguardar que cheguem tempos de mais chuva no nosso país.

 

[1] Fonte: https://www.alice.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/159648/1/OPB1514.pdf

[2] Este número foi calculado tendo como referência 14 mil quilómetros cúbicos de água (14000 km3), a quantidade aproximada de água potável disponível no planeta atualmente.

[3] Fonte: https://htt.io/water-usage-in-the-agricultural-industry/

[4] Fonte: https://www.worldbank.org/en/topic/water-in-agriculture

[5] Fonte: https://www.ipma.pt/pt/media/noticias/documentos/2022/Boletim_seca_IPMA_15fev2022.pdf

[6] Fonte: https://www.publico.pt/2022/02/02/ciencia/noticia/vivemos-sexto-janeiro-seco-desde-1931-1994067

[7] Fonte: https://www.jn.pt/nacional/seca-governo-manda-parar-producao-eletrica-em-quatro-barragens-14548525.html

 

Outras fontes:

https://greencoast.org/is-water-renewable/

https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/26066/1/ulfc120740_tm_Susana_Gaio.pdf

https://unric.org/pt/agua/

https://www.preparaenem.com/geografia/agua-potavel-no-mundo.htm

https://www.preparaenem.com/geografia/distribuicao-agua-pelo-mundo.htm

https://socratic.org/questions/what-amount-of-water-on-earth-is-drinkable

https://www.worldatlas.com/articles/what-percentage-of-the-earth-s-water-is-drinkable.html

https://worldwaterreserve.com/percentage-of-drinkable-water-on-earth/

https://www.nationalgeographic.com/environment/article/freshwater-crisis
https://www.usbr.gov/mp/arwec/water-facts-ww-water-sup.html

https://www.alice.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/159648/1/OPB1514.pdf