A vida debaixo de água

A vida debaixo de água

 

Seja para ir a banhos, para surfar, para meditar ou apenas contemplar, o mar faz parte das nossas vidas.

Faz muito parte da minha, que toda a vida vivi junto dele. E por isso me sinto grata, por poder sentir o cheiro da maresia, os salpicos de água no rosto, sentir a areia nos pés descalços, revitalizar-me nas suas águas, inspirar-me na sua profundidade.

Os oceanos ocupam 2/3 do planeta Terra, e são o maior ecossistema do nosso planeta, mas que se degrada a cada dia que passa.

Por isso mesmo, recebemos no mês passado a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, em Lisboa.

Na teoria, as conclusões a que se chegaram foram muito positivas, com todos os países a assumirem as suas responsabilidades e compromissos na defesa dos oceanos, mas mais do que palavras são necessárias ações urgentes. O que ficou mais uma vez demonstrado é que o futuro passa obrigatoriamente pela circularidade, neutra em carbono e de base biológica.

Portugal tinha o objetivo de proteger 10% das suas zonas marinhas até 2020, mas falhou. E isso preocupa-me muito, porque os portugueses têm efetivamente uma conexão emocional com o mar, porque vivemos tão perto dele. E ainda assim não conseguimos cumprir esta meta.

Sendo que, neste momento, o objetivo da UE é proteger cerca de 30% dos oceanos até 2030, são menos de 10 anos para o fazer.

Bem sabemos que as alterações climáticas afetam a vida marinha, e estamos todos a torcer para que a Declaração de Lisboa, resultado desta conferência, tenha o significado e simbolismos suficientes para mobilizar os diferentes intervenientes neste propósito comum que é cuidar dos nossos oceanos, ao invés de ter um comportamento de saque e destruição.

O mar é fonte de recursos, de energia, de inspiração.

É vital na luta contra as alterações climáticas, sozinhos são responsáveis por absorver 25% das emissões de dióxido de carbono. Segundo as Nações Unidas, mais de 3,5 mil milhões de pessoas dependem do oceano para a sua sobrevivência alimentar, e cerca de 120 milhões de pessoas trabalham e estão dependentes do mar (pesca ou atividades de aquacultura).

Em 2100 mais de metade das espécies marinhas poderá estar extinta, se esta tendência alarmante de crescente poluição marinha continuar. Segundo a Organização Mundial de Meteorologia, em 2021 registaram-se os valores mais elevados de aumento do nível do mar, de aquecimento e acidificação das águas, assim como de concentração de gases de efeito de estufa.

Penso muitas vezes na humanidade como uma espécie invasora, devastadora, e com comportamentos de doença autoimune. Nós somos, na maior parte dos casos, o nosso pior inimigo. E como vamos reverter isso? Como vamos envolver as pessoas? Sabemos quais os caminhos para proteger os oceanos, mas o maior desafio, na minha opinião, é levar as pessoas a comprometerem-se com ações específicas neste sentido.

 

OS PRINCIPAIS DESAFIOS

 

Para mim existem 3 grandes áreas que têm de ser reguladas e controladas:

• A agricultura: pelas descargas de químicos fertilizantes no mar, que continuam a acontecer;

• O transporte marítimo: pelos combustíveis utilizados e pelas tintas utlizadas nos navios, as quais são altamente tóxicas;

• A pesca: limitando a sobrepesca e promovendo dietas alimentares alternativas à proteína animal.

 

ONDE NOS DEVEMOS CONCENTRAR

 

Achei muito interessante, na Conferência dos Oceanos, falar-se da importância dos povos/tribos tradicionais como forma de acesso aos saberes locais. Esta sabedoria ancestral é fundamental para nos guiar rumo a um maior conhecimento científico e ajudar-nos a definir formas de atuação. Os antigos sabem sempre tudo, mesmo não tendo as ferramentas ou a tecnologia à sua disposição. Vamos aproveitar essa aprendizagem que fizeram pela observação.

• Literacia do Oceano: envolver as crianças desde tenra idade, no conhecimento e na proteção dos oceanos; inicialmente pela educação não formal pela família, mas que se estende à escola no seu currículo académico. O projeto Escola Azul, criado em 2017/2018, é já um passo importante para a promoção da literacia do oceano junto da comunidade escolar.

• Projetos de Biotecnologia Marinha: as algas são seres vivos incríveis, e à medida que as vou conhecendo melhor, fico sempre mais encantada com as suas caraterísticas. Contêm uma grande quantidade de proteínas e ácidos gordos, sendo por isso muito apropriadas para a alimentação humana e para suplementos alimentares, para rações de animais, cosméticos e fertilizantes. Não necessitam de muita água para a sua produção, fornecem mais proteína do que a soja, por exemplo, e absorvem uma grande quantidade de CO2 no seu crescimento. As microalgas, na presença de água e luz, libertam oxigénio. Implementar estas culturas de algas junto de cimenteiras ou unidades químicas, poderá ajudar a absorver o CO2 necessário ao seu crescimento, limpando em simultâneo o ar em seu redor.

• Aquicultura ou Agricultura Marinha Regenerativas: a produção de marisco juntamente com algas, tem demonstrado resultados muito positivos na produção de alimentos, ao mesmo tempo que se criam habitats para outras espécies, melhora a qualidade da água e remove o excesso de nutrientes.

• Regulação dos descartáveis em todos os países do mundo: anualmente, 10 milhões de toneladas acabam nos oceanos, sendo as garrafas e os sacos descartáveis os resíduos mais frequentes. Se estas partículas de plástico são ingeridas pelos peixes, então a saúde pública está também em risco, porque acabam no nosso prato e consequentemente no nosso organismo.

• Desenvolvimento de projetos de Economia Azul em cada país, desenhando a sua própria estratégia local, mas integrada na estratégia global.

• Ciência e Inovação têm de andar de mão dada: vão ser alocados elevados investimentos provenientes de diferentes entidades, mas é importante perceber como vai ser utilizado este dinheiro, e que retorno irá trazer.

 

Neste momento, e resultante da Conferência dos Oceanos, é urgente colocar em prática o Acordo de Paris de 2015 e o Pacto Climático de Glasgow de 2021. São já muitos compromissos, que juntos temos de assumir como nossos para os levar avante.  Com isto, temos a oportunidade de criar novos empregos; quer seja pela educação, quer seja pelo ativismo, temos o poder de influenciar decisões políticas, exigindo melhores e mais ágeis políticas públicas.

Água é vida e é uma bênção que devemos apreciar e agradecer todos os dias. Talvez esta necessidade que muitos de nós partilhamos de ter de estar perto do mar nos remeta ao nosso crescimento ainda nos úteros das nossas mães. Todos nascemos da água e água é sinal de vida.

Temos o dever de cuidar todos os dias e preservar.

 

Fonte:

https://news.un.org/en/story/2022/07/1121802?utm_source=UN+News+-+Newsletter&utm_campaign=551b9c37ce-EMAIL_CAMPAIGN_2022_06_30_07_40&utm_medium=email&utm_term=0_fdbf1af606-551b9c37ce-108059006

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https://bcsdportugal.org/noticias/biotecnologia-marinha-descarbonizacao/