A aprovação de uma lei vem sempre acompanhada de grande responsabilidade.
A 31 de Dezembro de 2021, vi com espanto (confesso!) e alegria, Portugal aprovar a Lei de Bases do Clima (Lei nº 98/2021). Foi aprovada em votação final global pelo PS, PSD, CDS-PP, Verdes, PAN, Chega, deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues, abstenção do PCP e voto contra da Iniciativa Liberal.
Dita esta lei que Portugal deve reduzir as emissões de CO2 em 55% até 2030, entre 65% e 75% até 2040 e pelo menos 90% até 2050.
Com esta lei, todos os cidadãos portugueses e toda a sociedade civil poderão monitorizar e participar ativamente na ação climática através de uma plataforma de ação climática. Além disso, todos os municípios e regiões terão até final de 2023 para aprovar planos municipais/ regionais de ação climática.
Serão definidas as bases da política do clima e reconhecida a situação de emergência climática, sendo de todos o direito ao equilíbrio climático.
Está prevista a criação do Conselho para a Ação Climática (CAC), composto por especialistas e personalidades de reconhecido mérito, com conhecimento e experiência nos diferentes domínios afetados pelas alterações climáticas, atuando com isenção e objetividade.
Ao Governo caberá elaborar e apresentar à Assembleia da República os seguintes instrumentos de planeamento: a) Estratégia de longo prazo (objetivos e processos da política climática a 30 anos); b) Orçamentos de carbono (estabelecem um plafond total de cinco anos de emissões de gases de efeito de estufa em alinhamento com os restantes instrumentos de política climática e as orientações internacionais); e o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) (que adota a estratégia nacional de política climática para o período de dez anos subsequente à sua aprovação), todos com parecer prévio do Conselho para a Ação Climática.
O QUE A LEI PREVÊ
• A adoção de uma meta de pelo menos 13 megatoneladas de dióxido de carbono a absorver pelo coberto florestal entre 2045 e 2050. Pela nossa localização geográfica e consequente zona costeira, Portugal tem um papel relevante na mitigação das alterações climáticas, sendo também particularmente vulnerável aos riscos e impactos causados pelas mesmas. O coberto florestal é sem dúvida importante, com a promoção do cultivo de espécies autóctones, promoção da agrofloresta ou agricultura regenerativa, mas, poder dar ao mar essa função é também de grande importância. O oceano consegue absorver cinco vezes mais carbono do que uma floresta tropical. A promoção e a proteção dos ecossistemas marinhos (como é o caso da Ria Formosa, que sozinha é responsável pelo sequestro de 30% do volume de carbono azul), salinas ou cultivo de macroalgas pode ser um complemento de extrema importância e com resultados com impacto positivo. Os ecossistemas marinhos ocupam 0,2% da superfície do oceano, mas contribuem com um sequestro anual de CO2 que é de cerca de 40 vezes superior ao das florestas tropicais, boreais ou temperadas. As selvas submarinas de algas e macroalgas de crescimento rápido são altamente eficazes a armazenar carbono. As algas marinhas ajudam a mitigar a acidificação e a desoxigenação, que ameaçam a biodiversidade dos mares, a fonte de alimentação e os meios de subsistência de centenas de milhões de pessoas. Contudo, hoje em dia, cultivar algas marinhas apenas para absorver carbono não é um negócio viável porque não existe um mercado de carbono disposto a aceitar créditos de compensação pelo carbono das algas marinhas;
• A eliminação progressiva dos “subsídios fixados em legislação nacional, diretos ou através de benefícios fiscais, dos combustíveis fósseis ou da sua utilização” até 2030. Os combustíveis fósseis deverão ser progressivamente substituídos por biocombustíveis. Os produtos petrolíferos e energéticos estarão sujeitos a um preço de carbono, a determinar segundo as “boas práticas internacionais”, estabelecendo-se o ano de 2035 como termo do prazo para o fim da comercialização, em Portugal, de novos veículos ligeiros movidos exclusivamente a combustíveis fósseis. O grande desafio aqui é tornar os veículos elétricos mais acessíveis, porque mesmo na minha rede de amigos já são muitos a pensar em trocar o seu carro a combustão por um carro elétrico, mas a não conseguir fazê-lo pelos preços ainda elevados. Manter os benefícios a empresas, e poder estendê-los aos particulares poderá ser uma forma de tornar este processo mais ágil;
• A promoção dos modos ativos de deslocação. A pé, de bicicleta ou de transportes públicos, vejo isto a acontecer apenas nos maiores centros urbanos. Em Lisboa foi finalmente aprovada a gratuitidade dos jovens e idosos na utilização de transportes públicos, mas infelizmente custa-me a crer que seja replicável noutras zonas do país, onde a rede de transportes públicos continua incipiente em termos de rede e de horários que se ajustem às necessidades dos seus residentes;
• No que respeita ao investimento sustentável, os agentes e instituições públicas e privadas deverão considerar, nas suas decisões de financiamento, o risco climático - definido como as consequências previsíveis das alterações climáticas nos investimentos de cada agente económico - e o impacto climático - isto é, o impacto dos investimentos de cada agente económico sobre as alterações climáticas. Parece-me a mim o ponto mais complexo de colocar em prática, se não existir uma regulação seguida por todas estas entidades, facilmente se cairá nas exceções ou nas livres interpretações. Estou, por isso, curiosa para perceber como será feita esta regulação;
• A criação e implementação de uma categoria de deduções fiscais – IRS Verde – que beneficie em termos fiscais os sujeitos passivos que adquiram, consumam ou utilizem bens e serviços ambientalmente sustentáveis, tendo em vista a promoção de comportamentos individuais que promovam a defesa do ambiente e a redução da pegada ecológica. Vejo caber aqui a aquisição de veículos elétricos, e vejo também o setor da construção poder aproximar-se sem medo de materiais mais sustentáveis. A produção de cânhamo com fins industriais deveria começar a ter um muito maior destaque em Portugal. Fomos em tempos um dos maiores fabricantes de cordas de cânhamo na fábrica de Torres Novas, mas que com as novas legislações, regulamentações e “medos” do cânhamo criaram um obstáculo agora difícil de superar. Ainda assim, temos um ótimo clima para o cultivo desta planta (que tem um comportamento excecional no sequestro de carbono) e deveríamos apostar na sua utilização na construção. Temos já o hempcrete, um “tijolo” à base desta planta, que pode sem dúvida revolucionar este setor;
• A criação de programas de descarbonização da Administração Pública;
• A descarbonização do sistema electroprodutor, prevendo a proibição do carvão para a produção de energia elétrica, a partir de 2021 (o que sucedeu com o encerramento da central termoelétrica de Sines e do Pego, em Abrantes). Deixa de se utilizar em Portugal o combustível mais poluidor em termos de emissões de gases com efeito de estufa causadoras das alterações climáticas. A central a carvão do Pego era responsável por 4% das emissões de dióxido de carbono do país, “e apenas” isso terá um peso enorme nas metas aqui estabelecidas;
• Adequar a legislação nacional à legislação europeia, prevendo que a informação sobre a relação entre investimentos e alterações climáticas deve respeitar a taxonomia sobre atividades ambientalmente sustentáveis da União Europeia, i.e., o sistema unificado de classificação europeia que estabeleceu uma lista de atividades económicas consideradas ambientalmente sustentáveis (EU Taxonomy). Entra aqui a questão ainda controversa do Nuclear, mas que a meu ver pode ter um impacto significativo nas metas que queremos alcançar. Apostar na Fusão Nuclear é algo que devemos fazer.
É uma lei importante para o clima e, sem dúvida, um marco para a nossa história, garantindo que o Estado assegura uma transição justa para uma economia neutra em carbono. Espero sinceramente que sejam objetivos que se possam materializar em realidade, porque a nossa vida, tal como a conhecemos, está em risco.
Há 13 anos que trabalho na área da sustentabilidade e sinto, pela primeira vez, que existe uma mobilização conjunta da população e dos governos, o que, por si só, é ótimo sinal. Ainda há muito a fazer, sem dúvida, mas acredito que juntos e com exigência chegamos lá.
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