"Os impactos ambientais também podem ser positivos"

"Os impactos ambientais também podem ser positivos"

 

Amândio Rodrigues é o Diretor Agrícola do Esporão. Estivemos à conversa com ele e falámos sobre os 750 anos de história do Esporão e de quando surgiu a sustentabilidade como missão da empresa, o papel dos morcegos e o seu impacto positivo na produção de vinho, a necessidade de viver Mais.Devagar, a gestão de um recurso escasso como a água e muito mais.

 

O Esporão é uma marca já com mais de 750 anos de história. A sustentabilidade está presente na vossa missão desde o início? De onde veio essa veia tão ligada às preocupações ambientais? 

O Esporão nasceu no Alentejo da vontade incondicional de fazer os melhores vinhos. É essa a motivação que permanece na base de tudo o que fazemos nos nossos territórios no Alentejo, Douro e na região dos Vinhos Verdes.

O nosso objetivo foi, desde o início, fazer os melhores produtos, mas acima de tudo respeitar a natureza e as suas regras. Esta missão continuou ao longo dos anos e, em 2006, João Roquette lançou o desafio de “fazermos os melhores produtos que a natureza nos proporciona, de um modo responsável e inspirador”. Houve vários fatores que nos levaram a mudar a forma como fazíamos agricultura, sobretudo fatores ambientais e estratégicos/sociais. Nos fatores ambientais, destaco a baixa fertilidade dos nossos solos, a crescente incidência de ataque de pragas, o impacto causado pela atividade agrícola nos ecossistemas e a preocupação com a gestão/qualidade da água utilizada para rega. No que diz respeito aos fatores estratégicos /sociais, saliento a mudança na estratégia de gestão (missão e valores) da empresa e a preocupação com a qualidade do produto final.

 

“Fazer os melhores produtos que a natureza proporciona, de modo responsável e inspirador” é a vossa razão de existir. Como o fazem?

Aceitando que a natureza tem o seu ritmo e as suas regras. Temos a responsabilidade de promover a diversidade da fauna e flora nos nossos ecossistemas, de produzir uvas e azeitonas de qualidade superior, livres de quaisquer resíduos e, consequentemente, melhores vinhos e melhores azeites.

 

O Esporão tem um grande cuidado também com o equilíbrio dos habitats e ecossistemas. Têm morcegos que comem os insetos causadores de pragas, ovelhas e vacas que se alimentam da vegetação, fazendo assim um controlo da mesma.... Conseguem perceber os impactos positivos que estas atividades têm no ambiente e na vossa produção?

Os impactos dos morcegos e ovelhas têm sido bastante positivos. Os morcegos consomem diariamente cerca de 1/3 do seu peso em insetos. A recolha e análise do guano dos “nossos” morcegos permitiu verificar que as principais pragas das nossas culturas, como a traça-oliveira, constituem a base da sua dieta. Assim, os morcegos têm contribuído para a redução das populações de pragas, o que diminui os estragos e as perdas de qualidade e produção associadas.

Utilizamos as ovelhas no pastoreio da vinha e olival, obtendo uma série de benefícios com esta prática. Para além da poupança direta na sua alimentação, poupamos também em fertilizantes, já que os excrementos deixados no solo funcionam como adubo, poupando-nos horas de trabalho mecânico e manual no controlo de plantas infestantes. Os bovinos pastoreiam as zonas de montado tendo um papel importante na redução do risco de incêndio.

 

As únicas pegadas que querem deixar são as que ficam temporariamente marcadas na terra, por entre as vinhas e os olivais. Como procuram reduzir o vosso impacto ambiental?

Quando se ouve falar em impacto ambiental temos tendência em pensar em impactos ambientais negativos como a poluição, a extinção de espécies ou a destruição de habitats naturais. No entanto os impactos ambientais também podem ser positivos. A maioria das nossas atividades têm algum tipo de impacto ambiental. Aquilo que pretendemos é minimizar ou eliminar os impactos negativos e potenciar ou criar impactos positivos no ambiente. Esta preocupação existe desde o momento em que planeamos plantar uma vinha ou olival, até ao momento em que uma das nossas garrafas de vinho ou azeite chega aos nossos consumidores, passando pelas tarefas do dia a dia dos nossos colaboradores.

Procuramos diminuir os resíduos gerados, reaproveitar, reciclar ou valorizar os nossos subprodutos, diminuir o desperdício de água, consumir água de forma mais eficiente, melhorar a qualidade da água, diminuir o consumo de energia, consumir energia de forma mais eficiente, atingir a autossuficiência energética a partir de fontes renováveis, proteger e potenciar a biodiversidade, aumentar a capacidade de sequestro de carbono nas nossas propriedades, recuperar e melhorar os nossos solos, utilizar materiais e produzir produtos mais sustentáveis, diminuir as emissões associadas à produção e distribuição dos nossos produtos.

Com a conversão para a agricultura biológica, deixámos de aplicar pesticidas de síntese química e menos seletivos, contribuindo para a manutenção da biodiversidade e da qualidade da água e do ar. Utilizamos fertilizantes orgânicos em quantidades adequadas, diminuindo assim a contaminação de águas subterrâneas e solos, consequentemente diminuindo o risco de eutrofização de outras massas de água. Fazemos a compostagem de parte dos nossos subprodutos (como os engaços das uvas ou o bagaço da azeitona) e aplicamos o composto nas nossas culturas, diminuindo em parte as necessidades de fertilização.

Temos um sistema de rega eficiente que é monitorizado para detetar e reparar roturas, evitando perdas de água. Regamos apenas quando é estritamente necessário. Possuímos uma ETAR que nos permite tratar a água usada no complexo industrial, para voltar a ser introduzida na nossa barragem e novamente reaproveitada.

Procuramos reduzir os nossos resíduos quando compramos produtos, dando preferência a produtos com menos materiais de embalamento ou fabricados com materiais reciclados. Apostamos no eco-design, tentando usar materiais mais sustentáveis no engarrafamento e embalamento dos nossos produtos e reduzindo o peso dos materiais. Com esta aposta, para além de diminuirmos os resíduos dos nossos produtos, otimizamos a utilização do espaço para transporte, reduzindo o número de transportes e as emissões de dióxido de carbono associadas.

Temos algumas áreas destinadas à conservação da biodiversidade, restaurámos linhas de água e galerias ripícolas que têm um papel importante na filtração e qualidade da água. Também plantámos sebes nas áreas produtivas que promovem a biodiversidade e a fixação da fauna auxiliar, funcionando como corredores ecológicos.

Minimizamos ao máximo as movimentações do solo, realizando-as o mais à superfície possível, apenas na instalação das culturas ou, em casos excecionais, quando há uma compactação elevada do solo. Procuramos aumentar a capacidade de retenção de água e de sequestro do carbono dos solos através de práticas que promovem um aumento da matéria orgânica nos solos, como a sideração ou a manutenção de cobertos vegetais que tanto podem ser naturais como semeados. Estas práticas também favorecem a biodiversidade, diminuem a erosão do solo e as necessidades de fertilização.

 

Em Maio de 2019, o Esporão criou o manifesto Mais Devagar, no qual assumem que gostam de avançar ao ritmo da natureza. Como é que aplicam esta filosofia no dia-a-dia?

Em 2019 e com o objetivo de promover o debate na sociedade sobre a necessidade de abrandar o ritmo frenético dos dias de hoje, o Esporão desafiou a Universidade Católica Portuguesa para o desenvolvimento de um estudo sobre um estilo de vida mais tranquilo em Portugal.  A principal conclusão indica que quem abranda tende a ser mais feliz.

A Campanha e o respetivo manifesto Mais.Devagar vieram cimentar o percurso que o Esporão tem feito para construir uma empresa melhor e mais sustentável. Foi e continua a ser igualmente uma reflexão sobre o propósito da empresa e uma contribuição para mitigar os problemas que afetam o mundo, cada vez mais apressado e menos humano.

No Esporão e no nosso dia a dia, procuramos o ritmo certo, com respeito e vagar necessário para fazer melhor. Acreditamos que o mais importante é a forma como vivemos o tempo, que podemos fazer mais e melhor se o fizermos de forma correta, e planeada.

 

Ainda no seguimento do manifesto Mais.Devagar, sentem que as pessoas procuram realmente, cada vez mais, Viver Devagar, mas a sociedade não lhes dá essa permissão? Ou já estamos empenhados em abrandar?

Penso que, o que temos vivido nos últimos dois anos, fez as pessoas perceberem que temos de abrandar. A pandemia causada pela Covid-19 veio alterar o dia-a-dia das pessoas, o teletrabalho também ajudou a viver a vida a um ritmo diferente e com grandes benefícios para o meio ambiente.

 

Nos Green Project Awards de 2013, o Esporão foi vencedor na categoria “Agricultura, Mar e Turismo”. Têm recebido outras distinções pelas vossas práticas de produção agrícola sustentável? Se sim, o que vos têm trazido estas premiações?

Sim, também temos outras distinções! Em 2017, recebemos o troféu “Viticultura” da revista Grandes Escolhas, em 2018, fomos galardoados como “Empresa Agrícola” na categoria Sustentabilidade pela revista Vida Rural e, em 2020, fomos reconhecidos com o prémio “Produção” atribuído pela iniciativa Mais Alqueva, Mais Valor.

No final de 2021 foi atribuído ao Restaurante da Herdade do Esporão uma estrela Michelin e uma estrela Michelin Verde, que é atribuída a restaurantes com práticas sustentáveis e que destaca o trabalho do restaurante com fornecedores locais, as suas práticas de desperdício zero e a eliminação do plástico e outros materiais não recicláveis.

É muito gratificante ver o nosso trabalho reconhecido. Estes prémios dão-nos motivação para continuar esta caminhada, mas também nos trazem a responsabilidade de ser um exemplo e de procurar fazer melhor.

 

Em 2016, indicavam no vosso site que alguns dos vinhos tinham rolhas com certificação FSC (gestão florestal sustentável) e que passaram a usar garrafas mais leves (420 g) em 70% da vossa produção. Conseguiram passar para 100% nestas questões de eco-design, ou aumentar o valor, desde essa data?

Deixamos de utilizar rolhas *FSC, no entanto, passámos a utilizar garrafas de vidro mais leves (≤420gr) em 80% dos nossos vinhos.

 

Nos últimos anos, têm vindo a desenvolver uma estratégia de eficiência energética na Herdade do Esporão. Já conseguem garantir 100% de autossuficiência através de fontes renováveis, por exemplo? Que outras questões têm conseguido mudar em termos de aquecimento e aproveitamento de energia?

Estamos cientes dos crescentes desafios relacionados com a disponibilidade, geração e consumo de energia e, nos últimos anos, temos vindo a desenvolver uma estratégia de eficiência energética.

As nossas adegas (Herdade do Esporão e Quinta dos Murças) foram construídas em diferentes níveis, permitindo transportar a uvas apenas pela gravidade, sem recurso a energia.

As caves de estágio da Herdade do Esporão são subterrâneas, sem necessidade de utilizar energia para manter a temperatura e humidade ideais. As caves da Quinta dos Murças aproveitam a água das minas para aquecer e arrefecer o solo radiante, controlando a temperatura e humidade com grande eficiência energética.

Ainda não somos 100% autossuficientes em termos energéticos, mas esse é um dos caminhos que procuramos seguir, apostando, claro, em fontes de energia renováveis. Para já, temos instalados dois parques solares que nos possibilitam uma poupança nos custos de energia.

Já na Quinta do Ameal, no ano passado transformamos a antiga vacaria na nova adega, mantendo o sistema de ventilação original. Em todo o edifício existem aberturas superiores, que permitem a renovação natural do ar e consequente arrefecimento da Adega nos períodos mais quentes do ano. Para além disto, se tudo correr como planeado, iremos instalar painéis solares ainda este ano.

 

A água, este recurso tão precioso e tão escasso, é essencial para o cultivo das vossas vinhas e olival. Como conseguem garantir uma gestão sustentável deste recurso?

Sem dúvida que a escassez de água é um grave problema para a agricultura, principalmente nas regiões do sul do país. No Esporão, sempre foi um tema ao qual dedicámos muita atenção e investimento. A água é um bem escasso e, como tal, todas as medidas desenvolvidas que conduzam a uma redução do seu consumo e à preservação da sua qualidade são fundamentais. Assim sendo, fazemos uma supervisão rigorosa do sistema de bombagem, manutenção do sistema de filtração, ajuste de pressões e instalação de caudalímetros nas estações de bombagem e estações de filtragem.

A estratégia de rega utilizada nas nossas vinhas prevê um consumo moderado de água, de forma a promover algum stress hídrico nas plantas que resulta numa maior qualidade das uvas produzidas.

Para nos ajudar na gestão de rega, temos diversos equipamentos de monitorização: estação meteorológica, sondas de capacitância (enviroscans e diviners) para monitorização da humidade do solo, e câmara de pressão para medir a água na planta.

 

O que acham que impede outros produtores de seguirem este mesmo caminho de agricultura biológica, numa época em que os consumidores estão cada vez mais exigentes?

Talvez seja uma conjugação de fatores. Algum receio de arriscar, a exigência do processo de conversão, a burocracia associada ao processo de certificação, a rentabilidade económica a curto prazo e, por vezes, a falta de sensibilidade ambiental.  A conversão para um modo de produção biológico é um processo duro e pode exigir alguns investimentos. As plantas têm de se adaptar, é comum haver alguma perda de produtividade inicial, e por isso, a curto prazo, é menos rentável. Para fazer agricultura biológica é preciso acreditar que se podem produzir produtos de melhor qualidade, preservando o ambiente.

O foco nesta filosofia tem de estar no ADN de quem gere a terra, caso contrário, às primeiras dificuldades desiste-se. Na ausência de benefícios económicos imediatos, dificilmente alguém sem a consciência da importância de uma gestão sustentável dos recursos está disposto a fazer sacrifícios pelo interesse comum. Só o consumidor consegue alterar essas mentalidades, optando sempre por adquirir e valorizar produtos biológicos.

 

Quais são os objetivos de sustentabilidade do Esporão a longo prazo, e para onde pretendem caminhar?

Em 2019, completámos uma transição de 14 anos de todas as nossas vinhas no Alentejo e no Douro para modo de produção biológico. Com isto, assistimos a uma notável melhoria da nossa terra, nos vinhos e azeites. Na Quinta do Ameal, que se situa na região dos Vinhos Verdes, seguimos práticas sustentáveis e temos a vinha certificada com produção integrada, o que nos permite produzir uvas excecionais.

O nosso caminho é continuar a produzir vinhos e azeites de qualidade e que, acima de tudo, respeitem os fatores ambientais e sociais referidos nas questões anteriores.

 

A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em...

- Esporão? Inconformismo

- A maior paixão? Família

- O maior receio? Perder as pessoas que amo

- O que o move? A Fé

- A sua inspiração? Dr. José Roquette

- Um sentimento?  Amor

- Um livro? As Vinhas da Ira de John Steinbeck

- Um filme? Joker

- Uma viagem? Rias Baixas, Galiza

- 2021? Covid-19

- 2022? Guerra

- Futuro? Inovação