Foi precisamente neste mês de Novembro que a Sociedade Ponto Verde celebrou os seus 25 anos de existência. Como tal, aproveitámos para estar à conversa com Ana Isabel Trigo Morais, CEO/Administradora Delegada da SPV. Falámos sobre as conquistas e dificuldades sentidas ao longo destes 25 anos, os mitos da reciclagem e, claro, do Gervásio.
A Sociedade Ponto Verde tem a missão de promover a recolha seletiva, a retoma e a reciclagem de embalagens em Portugal. A forma de conseguir alcançar estes objetivos tem mudado ao longo destes vossos 25 anos de existência?
Desde a criação da SPV que a missão é muito clara: colocar a reciclagem nas rotinas diárias das portuguesas e dos portugueses. Se há 25 anos foi necessário explicar o que era a reciclagem, um termo particamente desconhecido à data, através campanhas de comunicação disruptivas, como foi o caso do Gervásio, atualmente, apesar já ter entrado no vocabulário quotidiano, continua a ser necessário sensibilizar para mobilizar a sociedade a fazer da reciclagem um hábito diário. Essa mobilização continua a passar quer pela disrupção na comunicação – veja-se o regresso do Gervásio em versão “digital” -, quer pela inovação ao nível da embalagem, que tem vindo a ter uma evolução imparável para responder aos atuais desafios que se colocam com a transição para uma economia descarbonizada. A SPV já investiu mais de 11,5 milhões de euros na área da inovação, tendo mesmo criado o Ponto Verde Lab, e tem estimulado o aparecimento de novas soluções de embalagens mais sustentáveis e em linha com as exigências da economia circular, tendo estado ligada a mais de 40 projetos inovadores. Outra das áreas que a SPV privilegia é a das escolas, onde se destaca o trabalho da Academia Ponto Verde. Se há 25 anos termos como economia circular ainda eram do domínio do quase desconhecido, hoje fazem já parte das preocupações diárias de consumidores e empresas, tendo-se até acrescentado outras expressões como, por exemplo, a bioeconomia.
Segundo um inquérito realizado pela Marktest em colaboração com a Sociedade Ponto Verde, “9 em cada 10 inquiridos reciclam embalagens”. Apesar de estes resultados parecerem positivos, porque é que há ainda portugueses a não reciclar?
Há várias explicações para este comportamento e algumas delas até constam de um outro estudo que realizámos sobre esta e outras matérias em parceria com o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa intitulado “Práticas e Representações sobre Resíduos e Reciclagem”. Além das questões mais logísticas, como, por exemplo, a distância dos ecopontos, o perfil dos que menos reciclam tem também a ver com os locais onde residem e a idade. Tudo isto são estímulos para a SPV continuar a apostar na comunicação e sensibilização da população portuguesa para a necessidade de reciclagem. São também dados importantes para desenharmos novas soluções que promovam mais e melhor reciclagem, a digitalização de toda a “cadeia de valor” do sector e testar conceitos inovadores como a recolha porta-a-porta ou o sistema de depósito de embalagens com incentivo.
No geral, os portugueses sabem reciclar, ou ainda cometem muitos erros na hora da separação?
Os dados estatísticos revelam que, no domínio das embalagens, Portugal está a cumprir os metas europeias. Os de 2021 mostram-nos que dois terços dos portugueses afirmam fazer separação de embalagens e veem neste comportamento o seu maior contributo para a proteção ambiental. E estes dados revelam ainda que os comportamentos de reciclagem continuam a fazer parte do dia-a-dia dos portugueses, mesmo num ano em que os seus estilos de vida foram inevitavelmente alterados. Aliás, a recolha seletiva de embalagens em Portugal, em 2020, aumentou 13% face a 2019. Diria que ao nível das embalagens há cada mais pessoas envolvidas neste compromisso. Quanto a outro tipo de resíduos ainda estamos longe de se atingir as metas europeias, mas isso, tal como em outras situações, é uma oportunidade para reforçar as ações de sensibilização e comunicação especialmente focadas nas melhores práticas de reciclagem.
O que é que acontece ao lixo que é colocado no ecoponto e que está contaminado, ou seja, não é reciclável (por exemplo, embalagens de papel com gordura)?
Se na estação de tratamento forem identificadas estas embalagens contaminadas, elas são retiradas do restante lote de material e são “refugo” que seguirá para aterro ou incineração.
Se não forem detectadas no tratamento e triagem e seguirem no processo, darão origem a uma não conformidade, significando que o material reciclado obtido a partir destas embalagens terá alguns problemas, como menor qualidade.
Há muitos portugueses que decidem não reciclar porque, por exemplo, “o camião do lixo junta todas as embalagens que separámos em casa quando faz a sua recolha”. Este é só um dos muitos mitos que parece persistir. Que outros mitos da reciclagem continuam por resolver? E como acha que os podemos ultrapassar?
A ideia de que o camião do lixo junta todas as embalagens sem ter em atenção a sua separação é um dos muito mitos que são divulgados sobre a reciclagem de embalagens. As pessoas desconhecem que os camiões têm vários compartimentos no seu interior para colocar cada um dos materiais. Portanto, o mesmo camião pode estar a fazer a recolha dos vários ecopontos, mas no seu interior eles vão separados. A ideia de que reciclar dá muito trabalho é outro grande mito, quando na verdade estamos a poupar o nosso tempo e a contribuir para a melhoria da qualidade de vida comunitária. Estes mitos podem ser ultrapassados com uma comunicação cada vez mais próxima e que envolva, por exemplo, as Câmaras e as Juntas de Freguesia.
Quais são as maiores dúvidas que as pessoas têm sobre a reciclagem?
As dúvidas estão muito associadas aos mitos. Por exemplo, os consumidores continuam a perguntar-se se devem colocar uma garrafa de óleo ou de azeite no ecoponto ou não, por ter gordura. O estudo feito pela SPV em parceria com o ICS refere que, uma forma geral, são poucos os indivíduos que admitem ter dúvidas na hora de separar os resíduos nos ecopontos, embora existam diferenças de comportamento que têm a ver com a idade, o perfil de separação e a escolaridade. Mas se estivermos a falar de resíduos urbanos que suscitam mais dúvidas, surgem em primeiro lugar as lâmpadas, seguidas das cápsulas de café. Os resultados dos inquéritos demonstram que são justamente as pessoas que indicam separar esses resíduos que também referem em maior número ter dúvidas na hora de os separar. A pandemia não parece ter influenciado os hábitos de separação de resíduos da população portuguesa: os dados do estudo revelam que impacto foi quase nulo, com praticamente a totalidade dos inquiridos a afirmar que continuou a separar e a depositar os resíduos da mesma maneira.
Atualmente há cerca de 60 mil ecopontos em todo o país, o que dá uma média de um ecoponto para 240 pessoas. Considerando que a recolha dos resíduos não é feita diariamente, e tendo sempre o objetivo de levar o maior número possível de pessoas a reciclar, porque é que não existiu ainda um esforço para aumentar o número de ecopontos pelo país?
O esforço de melhorar a eficácia do SIGRE (Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens) está presente no trabalho diário da Sociedade Ponto Verde junto de todos os seus stakeholders e entidades parceiras. A rede de ecopontos cobre já a totalidade do território nacional, está associada à concentração populacional e corresponde ao triplo das caixas de multibanco. A aposta tem de ser numa eficiência cada vez maior do sistema e onde a digitalização tem um papel relevante a desempenhar.
Em Portugal há dois sistemas diferentes para os cidadãos poderem reciclar: o sistema de recolha porta a porta ou ecopontos na rua. Qual o critério para definir que zonas do país têm determinado sistema? E qual o método mais eficaz?
A escolha tem muito a ver com fatores como a concentração populacional, as facilidades de acesso e circulação e a capacidade de investimento. O sistema porta a porta é o mais conveniente para as pessoas, mas nem sempre existem condições técnicas e financeiras para o desenvolver. Tão ou mais importante do que o método é a forma como pode ser otimizada a recolha de resíduos. Por exemplo, a utilização da sensorização nas rotas de recolha é uma mais-valia para o sistema. Apesar de já estar a ser utilizada por algumas câmaras do país, há ainda muito a desenvolver num projeto que, aplicado às cidades, contribuiria para desenvolver ainda mais o conceito de smart city.
Atualmente, as regras de reciclagem variam de país para país. Em alguns países da Europa existe uma grande restrição aos tipos de plástico recicláveis, mas em Portugal, desde que seja embalagem, pode ser reciclado. Porque é que existem estas diferenças de reciclagem, se as tecnologias disponíveis mundialmente são as mesmas?
A ver forma como as técnicas e regras de reciclagem foram evoluindo de país para país. Com o Pacto Ecológico Europeu e todas as medidas já divulgadas pela Comissão Europeia para a transição digital e verde, estas diferenças tenderão a esbater-se. No caso português, quando o SIGRE foi implementado, a indústria de reciclagem organizou-se de forma a reciclar a maior quantidade de embalagens possível, incluindo materiais que necessitam de um incentivo financeiro para que a reciclagem aconteça. A SPV, enquanto entidade gestora do SIGRE, organizou-se de forma a tornar esta realidade possível, o que não aconteceu em todos os países da Europa. Podemos ainda acrescentar, e citando as conclusões do estudo feito em parceria com o ICS, que na opinião da maioria dos portugueses o plástico é a expressão máxima do poluente entre os resíduos urbanos. Quanto à disponibilidade para usar cada vez mais materiais reciclados no plástico, verifica-se que oito em cada dez inquiridos afirmam estar dispostos a isso, sendo que mais de dois terços afirmam mesmo estar dispostos a usar estes materiais em todas as embalagens.
Em Portugal, existem materiais que são recicláveis, mas cujas infraestruturas indicadas para esse processo ainda não foram criadas?
Atualmente, existem vários fluxos de gestão de diferentes resíduos: embalagens, eléctricos e eléctrónicos, medicamentos, pneus, etc. Para serem considerados recicláveis, os resíduos têm de ser passíveis de ser recolhidos e triados através de um fluxo de gestão específico e de ser posteriormente encaminhados para um reciclador que proceda à sua reciclagem efetiva.
Para implementação de fluxos adicionais é relevante a quantidade de material que é colocada no mercado para que a sua viabilidade seja eficaz e eficiente quer do ponto de vista ambiental, quer económico.
2020 e 2021 são dois anos marcados pela pandemia. Sentem que, ao ficarem mais por casa, houve alterações nos hábitos de reciclagem dos portugueses?
A recolha seletiva de embalagens em 2020, em Portugal, aumentou 13%, face a 2019, tendo sido encaminhadas para reciclagem mais de 409 mil toneladas de embalagens. É a prova de que Portugal não se desmobilizou e a sua população revelou, uma vez mais, que está comprometida com a reciclagem.
A reciclagem tem um papel importantíssimo hoje em dia. Mas é suficiente para colmatar os problemas ambientais, ou o foco deve estar noutras alterações de comportamento?
A reciclagem é um dos pontos de um “triângulo estratégico” que conta com outros dois R: reduzir e reutilizar. A diminuição da pegada ambiental faz-se pela ação destas três componentes. A sociedade tem de reduzir o consumo de embalagens e adotar comportamentos que levem à sua reutilização. A SPV intervém no final do ciclo de vida da embalagem, encaminhando-a para a reciclagem. As medidas anunciadas pela União Europeia vão levar ao aprofundamento de políticas e comportamentos que resultarão numa sociedade baseada nos princípios da economia circular, mais do que numa economia assente na exploração e utilização dos combustíveis fósseis.
“É só desta vez”, “Chimpanzé Gervásio” e “Pedinchões” são só alguns exemplos das muitas campanhas que têm desenvolvido. Qual o papel que o marketing e comunicação têm tido para o sucesso da Sociedade Ponto Verde até hoje?
A comunicação é essencial no papel de sensibilização que temos na Sociedade Ponto Verde. No fim de vida do produto, as embalagens estão com os consumidores, são eles que têm em mãos o destino que é dado aos resíduos que geram. Passar esta mensagem, tornando os consumidores conscientes da sua responsabilidade, consegue-se com as ações de sensibilização e de educação. A comunicação e o marketing são verdadeiros aliados para levar esta mensagem transversalmente a toda a sociedade, dos mais velhos aos mais novos. A SPV tem tido uma preocupação muito especial com as escolas, que são importantes aliadas na alteração de hábitos e comportamentos. No ano letivo 2020/2021 foi lançada uma nova edição do Concurso da Academia Ponto Verde, o desafio da Sociedade Ponto Verde que procura incentivar a adoção de boas práticas de reciclagem nas escolas de todo o país. Mobilizou mais de 200 escolas, 490 professores e mais de 100 000 alunos de norte a sul e ilhas. Entre todas as escolas participantes, o Concurso resultou ainda na separação para reciclagem de mais de 12 toneladas de embalagens.
Para assinalar os 25 anos de atividade da Sociedade Ponto Verde, a vossa mais recente campanha “reciclou” uma das vossas personagens mais icónicas, o chimpanzé Gervásio. Qual o objetivo por trás desta campanha?
O chimpanzé Gervásio marcou a história da reciclagem em Portugal, ensinou o país a reciclar e demonstrou que qualquer pessoa pode fazê-lo. Passados 25 anos volta para relembrar que é preciso continuar a reciclar. Apostamos no regresso desta personagem icónica pelo símbolo único que é, pela sua capacidade de gerar empatia e ligação emocional à reciclagem, ao evocar uma memória comum às gerações mais velhas e despertar o carinho dos mais novos. Reciclado pelas mãos da geração do futuro, um grupo de crianças a quem desafiámos para dar asas à sua imaginação para criar uma nova versão desta personagem, o Gervásio volta para passar uma mensagem muito importante a todos: é preciso continuar a reciclar mais e melhor.
A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em...
- Sociedade Ponto Verde? Conhecimento, talento, experiência
- A maior paixão? Pessoas
- O maior receio? Ignorância
- O que me move? Causas
- A minha inspiração? Família
- Um sentimento? Lealdade
- Um livro? As Vinhas da Ira
- Um filme? Cinema Paraíso
- Uma viagem? Nova Iorque
- 2020? Sobrevivência
- 2021? Resiliência
- Futuro? (Con)viver melhor com o Planeta
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