Joana Faria é a Executive Director do FSC Portugal. Estivemos à conversa com ela e falámos sobre a história do FSC em Portugal, o processo de certificação que levam a cabo e as vantagens do mesmo, o futuro do papel no mundo digital e muito mais.
A história do FSC começa há muitos anos, nomeadamente na década de 90. Quando e como é que chegou a Portugal e como tem sido a sua evolução ao longo do tempo?
O Forest Stewardship Council® (FSC®) é uma organização sem fins lucrativos, de âmbito internacional, criada em 1993, com o objetivo de dar resposta às preocupações crescentes associadas à desflorestação, degradação ambiental e exclusão social.
Em Portugal, o FSC é representado pela Associação para uma Gestão Florestal Responsável (AGFR), que integra os principais agentes do sector florestal nacional e importantes players de outras áreas de atuação, mas que têm em comum o compromisso de promoção e implementação de políticas de sustentabilidade e responsabilidade corporativa.
Tudo começou por se acreditar que o setor florestal em Portugal necessitava da adaptação da norma internacional do FSC ao contexto nacional e que o seu reconhecimento iria facilitar os processos de implementação de práticas florestais responsáveis. Assim, a WWF (World Wide Fund For Nature), à semelhança do que aconteceu noutros países, assumiu o papel de entidade facilitadora e, em meados de 2006, no âmbito do Programa Florestal em curso na altura, assumiu como a sua principal linha de atuação em Portugal, a Certificação Florestal FSC.
Em 2007, foi criado o FSC Portugal, com o propósito de melhorar a gestão florestal, procurando incentivar proprietários e gestores florestais a seguirem as melhores práticas sociais e ambientais. O Fórum contou ainda com uma Comissão de Honra, estrutura simbólica de comunicação, que reuniu diversas personalidades portuguesas, como António Amorim, Presidente da Corticeira Amorim; Armando Sevinate Pinto, à data, Consultor da Casa Civil da Presidência da República; Eugénio Sequeira, à data, Presidente da LPN (Liga para a Proteção da Natureza); Fernando Oliveira Baptista, Professor Catedrático do ISA (Instituto Superior de Agronomia); Francisco Rego, à data, Diretor Geral dos Recursos Florestais; José Honório, à data, Presidente do grupo Portucel Soporcel; Luísa Schmidt, jornalista e investigadora do Instituto de Ciências Sociais e o escritor e Prémio Nobel, José Saramago.
Hoje, o FSC Portugal conta com 15 anos de existência e notáveis conquistas, bem como desafios e também ainda muitas oportunidades para continuar a desenvolver o seu trabalho em prol de uma gestão florestal responsável.
A Certificação Florestal FSC corresponde à principal linha de atuação do FSC em Portugal. Como funciona o processo de certificação e como o obter?
A certificação FSC é um processo voluntário e independente, que promove uma gestão ambientalmente adequada, socialmente benéfica e economicamente viável, das florestas no mundo inteiro.
Através da certificação da gestão florestal, os proprietários ou gestores florestais implementam uma série de requisitos associados a boas práticas, quer sejam relacionados com a valorização dos recursos e sua conservação, salvaguarda dos direitos dos trabalhadores e comunidades locais ou uma exploração sustentada das suas áreas. Através do cumprimento destes requisitos, a certificação florestal contribui para uma gestão profissional da floresta, para a salvaguarda do bem-estar socioeconómico das populações no Mundo Rural, para a valorização dos produtos florestais e para a proteção da biodiversidade, condições que estão associadas aos três pilares da sustentabilidade – o ambiente, a economia e a sociedade – permitindo uma visão abrangente dos benefícios da floresta.
Ao longo da cadeia de valor de produtos de origem florestal, é necessário também garantir uma rastreabilidade do produto, num processo a que chamamos de certificação de cadeia de custódia, e que é aplicável a todos os agentes que transformem, processem ou comercializem produtos florestais certificados, assegurando assim a rastreabilidade da matéria-prima ao produto final.
A certificação florestal responsável, na sua vertente de gestão e de cadeia, assegura assim que os produtos são provenientes de florestas, e outras origens, bem geridas (por exemplo, material reciclado), tornando possível que empresas e consumidores façam escolhas esclarecidas sobre os produtos florestais que compram, contribuindo para uma mudança positiva através do poder da dinâmica de mercado.
Ao escolher produtos certificados, o consumidor reconhece e recompensa o trabalho de todos os que investiram tempo e recursos numa gestão florestal responsável, e no fabrico ou processamento de produtos florestais.
Os Princípios e Critérios do FSC estabelecem as melhores práticas de gestão florestal e, apesar de ser um sistema internacional, as Normas são desenvolvidas por grupos de trabalho locais, adaptando os requisitos do FSC às condições e contextos socioeconómicos e ecológicos de cada país ou região.
A Certificação da Gestão Florestal é aplicável a entidades individuais ou coletivas, com responsabilidade na gestão de áreas florestais. Consoante as características e dimensão dessas entidades, podem ser adotados os seguintes tipos de certificação florestal:
- Individual, para uma única floresta ou plantação;
- Grupo, no caso de áreas de pequena dimensão ou gestão comunitária, baixa intensidade de gestão ou que produzam apenas produtos florestais não lenhosos, uma solução que permite simplificar alguns procedimentos e reduzir custos.
Em ambos os casos, uma Entidade Certificadora independente e acreditada para trabalhar no sistema, irá verificar se a organização cumpre com todos os requisitos relevantes do FSC, e caso isso se verifique, é emitido um Certificado que é válido por cinco anos, e monitorizado anualmente.
Se o proprietário ou gestor florestal pretender vender produtos certificados FSC, necessitará também de uma Certificação de Cadeia de Custódia, onde se verificam os produtos vendidos com a marca FSC ao longo de toda a sua cadeia produtiva. Em cada fase da cadeia de processamento e transformação, é necessária esta certificação, para garantir que os produtos florestais certificados pelo FSC são mantidos separados dos produtos não certificados, ou misturados de forma autorizada.
A certificação FSC dá assim a garantia de que os produtos são provenientes de fontes responsáveis, que apoiam a conservação dos espaços florestais, e permitem que o mercado possa ser um incentivo para uma melhor gestão florestal. Um consumidor que escolha produtos com a certificação FSC, está a contribuir diretamente para a preservação e melhor gestão da floresta.
Atualmente, Portugal conta com mais de 540 mil hectares de floresta certificada, 34 Titulares de Certificado em Gestão Florestal, 516 Certificações de Cadeia de Custódia, 2 Certificações de Projeto e 3 Projetos de Serviços de Ecossistemas. Acreditamos que estes números terão uma evolução positiva no futuro, dado o potencial de crescimento que ainda se verifica no nosso país, o crescente reconhecimento do valor da floresta e a consciencialização da sociedade civil sobre esta matéria.
Quais os critérios de avaliação no processo de certificação?
Os diferentes tipos de certificado refletem as várias fases da produção e de processamento dos produtos florestais ao longo da cadeia de valor, assegurando que os materiais e produtos com marca FSC são provenientes de florestas geridas de forma responsável.
Quando falamos em Certificação FSC de Gestão Florestal, esta é dirigida a proprietários ou gestores florestais, cujas práticas de gestão terão de cumprir os requisitos dos Princípios e Critérios FSC, como por exemplo: possuir autorizações para as atividades específicas, demonstrar os direitos de posse e uso da terra, assegurar as condições de trabalho dos funcionários e subcontratados, promover igualdade de género, garantir que as pessoas que possam ser afetadas pelas atividades de gestão são tidas em consideração, potenciar o uso múltiplo da área em questão, proteger espécies raras e ameaçadas e os seus habitats, manter pelo menos 10% de área para efeitos de conservação, definir políticas, visão, valores e objetivos para a sua gestão, monitorizar o impacto da sua gestão, limitar o uso de pesticidas, etc.
Mais recentemente, o FSC desenvolveu um Procedimento para a verificação do impacto da gestão florestal de excelência ao nível dos Serviços dos Ecossistemas, permitindo a criação de incentivos aos proprietários florestais que gerem a sua floresta de uma forma responsável. Os Serviços de Ecossistemas estão associados à conservação da biodiversidade, ao sequestro e armazenamento de carbono, à conservação do solo, à qualidade dos recursos hídricos e serviços de recreio e lazer. De uma forma mais simples, podemos, por exemplo, dizer que o ar que respiramos ou a qualidade da água que bebemos são Serviços de Ecossistemas que provêm das florestas. Assim sendo, todos nós dependemos destes Serviços e, por isso, torna-se cada vez mais importante criar incentivos para que os proprietários florestais protejam estes bens valiosos, para benefício de todos.
No caso da Certificação FSC de Cadeia de Custódia, esta dirige-se a fabricantes, transformadores e comerciantes de produtos florestais certificados pelo FSC. Entre a floresta e o consumidor final, os produtos florestais podem passar por várias fases de processamento, transformação e distribuição e, através da certificação de cadeia de custódia, assegura-se a rastreabilidade do material ao longo da cadeia produtiva, permitindo às empresas rotular os seus produtos certificados FSC.
A certificação de Cadeia de Custódia é essencial para as empresas que procuram ter acesso a mercados conscientes em termos ambientais e sociais, ou para demonstrar o cumprimento com políticas de compras públicas e privadas, que especificam materiais ambientalmente responsáveis. Esta certificação permite ainda ao consumidor, identificar e escolher os produtos que apoiam uma gestão florestal responsável.
A Certificação FSC de Projeto surge pelo aumento na procura de madeira, cortiça e outros produtos florestais com certificação FSC, e pelo do facto do setor da construção ter sentido a necessidade de poder ver reconhecidos projetos que integrem estes materiais.
Projetos de construção ou renovação, projetos de engenharia civil ou eventos como exposições e festivais, podem tornar-se mais apelativos para investidores e consumidores quando se demonstra o seu apoio a práticas ambientalmente corretas.
Um arquiteto, designer ou projetista pode desempenhar um papel fundamental na promoção do uso de madeira e outros produtos de origem florestal certificados FSC, desde a correta integração dos requisitos nas especificações do projeto, quer na monitorização e controlo do uso efetivo de produtos certificados FSC.
O conceito de Madeira Controlada foi desenvolvido para garantir que as organizações e/ou empresas não incluem categorias de madeira consideradas inaceitáveis em produtos com a certificação FSC, nomeadamente:
- Madeira explorada ilegalmente;
- Madeira explorada em violação de direitos civis e tradicionais;
- Madeira explorada em florestas nas quais os Altos Valores de Conservação são ameaçados pelas atividades de gestão;
- Madeira explorada em florestas em processo de conversão para plantações ou para usos não florestal;
- Madeira proveniente de florestas nas quais são plantadas árvores geneticamente modificadas.
De facto, apenas os materiais provenientes de fontes aceitáveis pelo FSC podem ser utilizados como controlados, e um dos objetivos do sistema é reduzir o risco de que materiais não certificados usados no fabrico de produtos FSC Misto, estejam associados a práticas que criem danos a florestas e pessoas.
Após a definição dos critérios de certificação, como é que o FSC garante o cumprimento dos mesmos? Quais as estratégias que levam a cabo para o controlo da certificação?
Os vários tipos de certificações FSC têm regras muito específicas, baseadas nos Princípios e Critérios anteriormente referidos, que são espelhados nas Normas que têm de ser cumpridas pelas pessoas, organizações e/ou empresas que pretendem obter a certificação FSC.
A verificação do cumprimento destes requisitos é depois efetuada por uma Entidade Certificadora, como já referido, uma entidade externa e independente do sistema, que atesta em sede de auditoria, que se fazem cumprir os requisitos necessários.
O sistema FSC prevê ainda as chamadas “Verificações de Transação”, um processo que pretende garantir que as declarações de saída feitas pelos Titulares de Certificado, sejam precisas e correspondam às declarações de entrada do FSC, realizadas pelos seus parceiros comerciais.
Desta forma, há uma verificação sistemática de tipos de produtos, espécies e regiões, com o objetivo de limitar declarações imprecisas nas cadeias de abastecimento certificadas pelo sistema.
Porque a integridade é um valor fundamental para o FSC, está também em curso um projeto de tecnologia blockchain, projetada para verificar a conformidade das transações ao longo do processo de certificação FSC, em tempo real.
Que impactos e benefícios é que a Certificação FSC tem trazido?
A avaliação dos impactos e benefícios da Certificação Florestal FSC nas suas vertentes ambiental, económica e social, permite sensibilizar para a importância deste processo, por exemplo, na conservação da biodiversidade, proteção dos serviços de ecossistemas e promoção da segurança no trabalho florestal. Através de estudos realizados sobre vários requisitos associadas à certificação florestal, é possível potenciar mecanismos de adaptação e resposta às alterações climáticas, fomentando o aumento da resiliência dos espaços florestais.
Nos últimos anos, o FSC tem colaborado com várias Universidades e Centros de Investigação, por forma a obter resultados validados e independentes, sobre o impacto que a certificação está a ter no terreno. No entanto, os benefícios da certificação também podem ser identificados através dos dados gerados internamente, já que cada floresta certificada pelo FSC tem uma avaliação anual realizada pela Entidade Certificadora e esses relatórios são públicos. Ou seja, qualquer pessoa tem acesso às informações das avaliações de certificação. Esta informação pode ser encontrada aqui.
A nível nacional, tentamos acompanhar esse trabalho e dispomos também de alguns estudos realizados em áreas certificadas, que nos comprovam os benefícios da certificação. “A Certificação Florestal FSC Como Ferramenta De Conservação Em Portugal - Impactos E Potencialidades”, “Zonas De Conservação Promovem Regeneração De Carvalho E A Diversidade De Arbustos Em Bosques De Carvalho Mediterrâneo Certificados”, e “Efeitos Da Certificação Florestal Na Condição Ecológica Dos Ribeiros Do Mediterrâneo”, são alguns dos exemplos desses estudos, que nos permitem, por exemplo, referir que cerca de 48% dos certificados não têm outra ferramenta de conservação (Rede Natura 2000, RNAP, etc..) a proteger os seus Altos Valores de Conservação, além dos requisitos de certificação do FSC, o que significa que esses valores provavelmente não estariam a ser protegidos sem a certificação florestal em vigor. Este e outros resultados, podem ser consultados aqui.
Na era do digital que vivemos atualmente, qual o impacto do papel?
Apesar de vivermos na era digital, o papel não deixa de ser um produto fulcral na vida das pessoas. Desde o simples livro ou caderno, ao papel higiénico e guardanapos que utilizamos em nossas casas, o papel é um dos bens essenciais nas nossas vidas.
O uso de produtos de origem florestal para satisfazer necessidades do nosso dia-a-dia é altamente recomendável, mas implica uma responsabilidade acrescida de assegurar que a gestão dos espaços florestais de origem desses produtos é feita de forma adequada. Assim, é importante garantir a aplicação de práticas quotidianas sustentáveis e uma gestão da floresta de forma responsável, por forma a evitar que produtos associados a desflorestação ou abates ilegais, pondo em causa habitats, animais e até as comunidades que vivem na e da floresta, cheguem às nossas casas.
Temos, em primeiro lugar, de consumir produtos florestais, como o papel, de forma consciente, ou seja, usar o que realmente é necessário, tendo sempre em atenção a origem desse mesmo produto, e temos também de conhecer a sua proveniência.
Tendo em conta o afastamento do plástico e uma maior procura de opções em papel, será que conseguimos alcançar a sustentabilidade no setor do papel quando há um aumento na procura?
Como referido anteriormente, qualquer produto - incluindo o papel - requer o consumo de recursos, pelo que deve ser utilizado de uma forma consciente. Depois, também é preciso assegurar que a gestão das florestas de onde esse papel é oriundo é feita de forma responsável, tendo em consideração a proteção dos valores naturais, dos direitos sociais, mas também adicionando valor e criando um acesso equitativo aos benefícios da certificação. Caso contrário, poderemos estar a criar um problema adicional.
No FSC, acreditamos que uma gestão florestal responsável permite-nos satisfazer os direitos sociais, ecológicos e económicos e as necessidades da presente geração, sem comprometer as gerações futuras. Isto significa que o esforço deverá ser feito de forma conjunta, sempre em prol da preservação das florestas, promovendo os três pilares da sustentabilidade através de uma gestão ambientalmente adequada, socialmente benéfica e economicamente viável, que está na base da nossa missão em ter “Florestas para Todos para Sempre”.
A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em...
- FSC? Florestas para Todos para Sempre
- A maior paixão? A Natureza
- O maior receio? Que futuro terá o nosso planeta
- O que a move? A paixão… pelo que faço e pelos outros
- A sua inspiração? Pessoas do bem
- Um sentimento? Amor
- Um livro? O Sol cai no Tibete
- Um filme? Música no Coração
- Uma viagem? Que fiz… à Austrália, que quero fazer… Nova Zelândia!
- 2021? Um ano desafiante
- 2022? O pior “recomeço”
- Futuro? Esperança
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