"É necessário compreender que existe o 'plástico bom' e o 'plástico mau'"

"É necessário compreender que existe o 'plástico bom' e o 'plástico mau'"

 

José Pinto é o CEO da Lemon Jelly. Estivemos à conversa com ele e falámos sobre os impactos negativos da indústria da moda, como reutilizar o plástico e dar-lhe uma nova vida, calçado vegan, a criação de um material inovador, sustentável e único (Sugarform) e muito mais.

 

Como é que nasceu a ideia para criação da Lemon Jelly? Desde o início que o processo de criação teve em conta todas as questões de sustentabilidade que visam nos dias de hoje, ou foi um processo natural de evolução da marca?

A marca Lemon Jelly teve na sua base a sustentabilidade desde o início. A ideia sempre foi fazer produtos em Portugal feitos por nós, localmente, com a melhor qualidade e com preocupações com o ambiente. Mas a necessidade de tornar a marca mais sustentável foi desenvolvida ao longo dos anos. Quando foi criada, não havia a preocupação nem o desenvolvimento de tantas soluções alternativas e mais sustentáveis como há agora.

Todos os dedos apontavam para o plástico e chegava a altura de transformar esse problema numa solução. E é assim que a Lemon Jelly começa a investir em inovação e tecnologia para combater o seu impacto ambiental e tentar de alguma forma neutralizar a sua pegada carbónica. A reciclagem e a circularidade têm vindo a ganhar cada vez mais importância nos consumidores e nós queremos estar na vanguarda das soluções da moda sustentável.

 

Quais os obstáculos com que se têm deparado ao longo do percurso da Lemon Jelly?

Queremos ser pioneiros e inovadores, por isso a pressão é grande. E por outro lado os clientes são cada vez mais informados e exigentes. Temos de ser muito assertivos e equilibrados nas escolhas que fazemos para podermos marcar a diferença. O mundo da moda não vai acabar, por isso sentimos que devemos fazer o nosso papel em minimizar o impacto que temos no planeta e numa indústria que está cada vez mais conotada em ser das mais poluentes. Usamos a nossa matéria-prima de forma mais consciente, responsável e com o máximo de transparência.

 

Os sapatos da Lemon Jelly apresentam um material sustentável e único: SUGARFORM. No que consiste este material e qual caminho percorrido até à sua criação e desenvolvimento?

Munidos de inovação, criatividade e tecnologia e devido ao empenho de todos, decidimos investir no material Sugarform, que surge como a nossa escolha sustentável mais doce, pois é um material renovável de base biológica feito com 55% de cana-de-açúcar. Sendo um produto de origem natural vegetal e renovável, permite reduzir os de base fóssil, e reduzir a emissão de CO2.

Apesar o polímero deste material de base (cana-de-açúcar) ter sido desenvolvido originalmente por um grupo brasileiro, houve necessidade da nossa empresa encontrar um parceiro na europa, que estivesse interessado em desenvolver este material sustentável junto com os nossos técnicos.

Foi sem dúvida um grande desafio e, passado 3 anos desde que decidimos avançar nesta nova solução sustentável, sentimos um enorme orgulho por ter sido a Lemon Jelly a trazer para a Europa um novo produto sustentável, que irá seguramente permitir a muitas marcas, desenvolver e produzir no futuro, novos produtos ainda mais sustentáveis.

 

Desde 2019 que a Lemon Jelly é uma marca vegan, aprovada pela PETA. De onde nasceu esta inspiração para criarem não só uma marca sustentável em termos de produção amiga do ambiente (no sentido de utilização de componentes não-tóxicos), mas também inofensiva para os animais?

Sendo os Lemon Jelly produtos de injeção, na área do plástico, não contemplam o uso de quaisquer materiais de origem animal. Mas aprendemos que isso não basta para termos a certificação de que somos uma marca vegan. Então trabalhamos com todos os nossos fornecedores para que desde a caixa, passando pela cola, até aos pigmentos, todos os nossos produtos e seus componentes correspondam a essa exigência.

Para nós é um selo de garantia, é uma política que marca, e no nosso produto fazia todo o sentido, por compor o nosso leque de ideais ligados ao meio ambiente e à sustentabilidade.

Por outro lado, o facto de não usarmos peles permite-nos um posicionamento diferente face aos nossos concorrentes, sobretudo no mercado internacional de calçado.

 

Já existem algumas marcas (nomeadamente de calçado e malas) que utilizam excedentes de pele resultantes da indústria de carne para consumo humano. (Ou seja, os animais não são criados especificamente para utilização da sua pele/pelo.) E estas marcas acabam por mencionar que é uma indústria que não deixa de ser sustentável pois, enquanto a produção de carne para consumo não parar, vão existir essas ‘sobras’ e é importante que não sejam desperdiçadas. Qual é a vossa visão desta questão?

Somos apologistas do aproveitamento de recursos disponíveis em qualquer indústria, através da qual se deixa de recorrer ao uso exclusivo de matéria-prima nova. Contudo, também sabemos que a indústria pecuária é das mais poluentes e emissoras de CO2 no nosso planeta e que o tentamos minimizar diariamente. Para além disso, somos uma marca vegan, na qual conseguimos idealizar produtos de moda sem envolver o sacrifício animal.

 

Num momento em que toda a questão do plástico é tão falada, e que mesmo os plásticos recicláveis e reutilizáveis nem sempre são vistos com bons olhos pela comunidade mais ligada à sustentabilidade, a Lemon Jelly pegou no problema do plástico e renovou-o em soluções sustentáveis. Como é que o fizeram?

Com todos os olhares voltados para o plástico, sentimos que tinha chegado a altura de desmistificar este pensamento. É necessário compreender que existe o “plástico bom” e o “plástico mau”. O “plástico bom” é um plástico de longa duração, produzido na Europa, sob condições rigorosas de segurança e proteção ambiental e que pode ser reciclado inúmeras vezes.

A tipologia dos materiais utilizados pela Lemon Jelly tem um enorme potencial de reciclabilidade. No entanto, é necessário um grande conhecimento e investimento tecnológico para conseguirmos reciclar estes materiais e voltarmos a incorporar os desperdícios em novos produtos, sem perder as características ou qualidade.

Para a Lemon Jelly o reaproveitamento de todos os nossos desperdícios, produzindo com eles novos produtos é uma missão, mas sobretudo queremos dar um exemplo ao mundo, a partir de Portugal, que é possível produzir excelentes produtos, reduzindo o impacto no planeta.

De reciclado a reciclável, o plástico é visto de uma nova perspetiva, quando a sua vida é um ciclo. Comparativamente aos materiais mais tradicionais utilizados na indústria do calçado, o plástico tem um poder enorme de reciclagem. E assim, acreditamos que não há necessidade de destruir se conseguirmos transformar em algo que possa ser aproveitado e dada uma segunda vida.

 

As coleções ‘Wasteless Act’ e a ‘Closing the Loop’ ajudaram-vos a receber o Prémio Best Carbon Initiative da Drapers. No que consistem estas coleções?

O lançamento de projetos como o 'Wasteless Act' foi uma forma determinante para resolvermos o problema de desperdício sentido na nossa produção. Com este programa procuramos reaproveitar e reutilizar todo o desperdício e criar uma linha exclusiva feita com materiais reciclados - a Recycled Lemons.

Recentemente quisemos alargar este conceito a toda a coleção e agora todos os produtos com componentes de cor preta já são feitos com 50% destes materiais reciclados, provenientes do nosso desperdício.

A iniciativa ‘Closing the Loop’ é o nosso compromisso em contribuir para um sistema de moda circular e a oportunidade de dar passos conscientes num movimento positivo contínuo, um Movimento de Moda Sustentável. Temos a oportunidade de fechar o círculo à nossa produção, dando a opção, a todos os nossos clientes, de poderem devolver os pares que já não usam, para lhes podermos, através de uma tecnologia de reciclagem, triturar e voltar a incorporar numa nova produção, dando uma nova vida a um par que outrora seguiria para um aterro. Esta circularidade é crucial para se conseguir uma indústria mais sustentável.

Desde há algum tempo a Drapers reconhece-nos como uma marca inovadora, nomeando-nos em várias categorias diferentes, mas este prémio distingue todo o nosso o projeto da sustentabilidade, reciclagem e circularidade. Efetivamente, ao produzirmos calçado, nas nossas instalações alimentadas com energia 100% renovável, ao utilizarmos o nosso próprio desperdício de produção para integrar em novos pares e ao promovermos a circularidade dos produtos vendidos, estamos a usar tudo que existe ao nosso alcance conseguindo estar quase numa posição carbon neutral.


A Lemon Jelly já lançou uma gama de sapatos (‘Recycled Lemons’) que é feita de componentes reciclados, desde o plástico exterior, ao forro interno e até às palmilhas, provenientes do vosso desperdício de produção. Esta linha liberta cerca de menos 90% de emissões de CO2 para a atmosfera. Como é que surgiu a ideia para esta linha?

Para conseguirmos entregar um produto de qualidade, há uma quantidade significativa de desperdício gerado. Quisemos encontrar uma solução para gerir o desperdício interno e, ao mesmo tempo, preservar e proteger o planeta, garantindo os mesmos padrões de qualidade e conforto. Dada a nossa matéria-prima principal ser plástico de qualidade, ele é altamente reciclável. Então desenvolvemos uma tecnologia onde conseguimos triturar o material para o voltar a integrar numa nova produção. Todos os desperdícios gerados são imediatamente separados para evitar misturas e contaminações potenciando assim a sua reciclagem e reaproveitamento. Estes desperdícios são temporariamente armazenados em compactadores para redução do volume e otimização de transporte e implementamos um processo de logística inversa, permitindo assim o retorno das embalagens usadas, para reutilização. Neste momento já conseguimos alargar o uso de componentes reciclados, não só na linha Recycled Lemons mas de uma forma geral em toda a coleção onde todos os nossos componentes de cor preta já são feitos com 50% destes materiais reciclados, provenientes do nosso desperdício.

Como toda a nossa produção é feita sob um tecto composto por 900 painéis solares, operamos com 100% de energia elétrica renovável, o que faz com que a produção destes pares reciclados internamente libertem cerca de menos 90% de CO2 que um par convencional, tudo contribuindo para a redução da emissão de 150 Ton CO2/ano.

 

O nascimento desta linha reciclada também foi possível graças à vossa iniciativa ‘Closing the Loop’, em que todos os vossos clientes podem, no fim de vida dos seus sapatos, devolvê-los à Lemon Jelly para que sejam reciclados. Sentem que os vossos clientes têm aderido muito a esta iniciativa?

A iniciativa ‘Closing the Loop’ foi lançada há pouco tempo e como os nossos produtos são duráveis, é expectável que o envio de sapatos em fim de vida ainda não seja muito significativo. Com tempo e maior divulgação esta iniciativa ganhará mais força.

 

A área da moda sempre teve grandes dificuldades em seguir as preocupações ambientais, especialmente porque vive muito da necessidade de criar novas gamas para cada estação, e isso pede um estilo de consumo que nem sempre é compatível com slow fashion e sustentabilidade. Sentem que os consumidores procuram cada vez mais “vestir-se” com marcas sustentáveis e que isso é uma preocupação na mente dos portugueses, ou ainda estamos longe de ter essa preocupação generalizada?

Promovemos o conceito de slow fashion na medida em que produzimos produtos funcionais, intemporais e com uma durabilidade alta devido à composição e nível de qualidade que exigimos. Produzimos coleções pequenas com baixo nível de stock e edições limitadas e reduzidas com o intuito de lançar novidades, mas sempre com a intenção de não nos restar peças de coleções anteriores, que para além de se deteriorarem com o tempo também ocupam espaço desnecessário.

Vemos uma abertura enorme do mercado em procurar materiais fruto de investigação de ponta, com consciência ambiental e que ofereça um produto original e criativo. Contudo, o mercado demora o seu tempo a aceitar e adotar novas formas de trabalhar e os materiais tradicionais ainda têm um peso considerável no mercado. Mas a evolução tem sido extraordinária e o crescimento na procura destes materiais alternativos tem sido muito satisfatório.

Estamos atentos à comunidade global, a públicos cada vez mais exigentes e ligados aos valores ambientais e sociais e reconhecemos também que as pessoas impulsionam a marca a promover a mudança. Vamos continuar a usar a matéria-prima de forma mais consciente, responsável e com o máximo de transparência.

 

A produção da Lemon Jelly é totalmente feita em Portugal, o que não só é um apoio à economia nacional como também impacta muito a questão das emissões produzidas no transporte. Desde a criação da marca, alguma vez houve a possibilidade ou o pensamento de ter o fabrico fora de Portugal, ou o foco sempre foi em ter uma produção nacional de alta qualidade?

Desde a criação da marca Lemon Jelly que se idealizou a produção de tudo em Portugal, feitos por nós, localmente, com a melhor qualidade e com preocupações com o ambiente.

 

Quais são os objetivos de sustentabilidade da Lemon Jelly a longo prazo, e para onde pretendem caminhar?

Queremos ser pioneiros e inovadores, por isso a pressão é grande. E por outro lado os clientes são cada vez mais informados e exigentes. Temos de ser muito assertivos e equilibrados nas escolhas que fazemos para podermos marcar a diferença. O mundo da moda não vai acabar, por isso sentimos que devemos fazer o nosso papel em minimizar o impacto que temos no planeta e numa indústria que está cada vez mais conotada em ser das mais poluentes. Usamos a nossa matéria-prima de forma mais consciente, responsável e com o máximo de transparência.

 

A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em...

- Lemon Jelly? Sustentabilidade

- A maior paixão? A minha família

- O maior receio? Desiludir todos os que trabalham comigo

- O que o move? As pessoas

- A sua inspiração? A arte

- Um sentimento? Liberdade

- Um livro? "12 Regras Para a Vida", de Jordan Peterson

- Um filme? After Life (série da Netflix)

- Uma viagem? Viagem à Índia

- 2021? Ano de superação

- 2022? A guerra

- Futuro? Esperança num mundo melhor