"No dia em que ninguém comprar, não há salários para pagar"

"No dia em que ninguém comprar, não há salários para pagar"

 

Luís Amado é Diretor Executivo do B Lab Portugal, uma organização sem fins lucrativos, que serve um movimento global de pessoas, que usam os negócios como uma força para o bem. Como surge o movimento B Corp e como tem evoluído, como é que as empresas obtêm a certificação, o consumidor o valoriza este movimento e quais as perspectivas futuras do movimento em Portugal? Estes foram apenas alguns dos temas abordados nesta entrevista.

 

B Corp (Benefit Corporations) é um movimento global que visa criar um sistema económico inclusivo, equitativo e regenerativo para todas as pessoas e para o planeta. Como é que empresas B Corp criam este impacto positivo e se tornam melhores PARA o mundo (e não apenas nas melhores do mundo)?

Conseguem de várias maneiras e o que nós tentamos é criar um ecossistema, ferramentas, companhia, troca de experiências, que permitam a cada uma perceber qual é a melhor maneira de como podem fazer isso. Dependendo da tipologia das empresas, elas podem melhorar e criar um mundo melhor de maneiras diferentes. Às vezes, há empresas que nascem já com o objetivo de resolver um problema social, que é uma coisa interessante de vermos hoje em dia. Há coisas que achávamos que eram as ONG’s que iam fazer, mas às vezes há empresas a fazê-lo. Nós temos uma empresa no movimento B Corp que apareceu para resolver o problema da escravatura nas plantações de cacau, e montou todo o seu modelo de negócio a partir daí. Tenho também pessoas que vieram ter comigo e disseram que iam criar uma empresa e usaram o B Impact Assessment - que é a nossa ferramenta - para fazer o seu modelo de negócio. O que é que este B Impact Assessment ajuda as empresas a fazer? Ajuda-as a perceber onde é que estão - em termos do impacto que estão a criar - e também onde é que podem chegar.

Agora, este impacto tem várias vertentes e as empresas podem contribuir para um mundo melhor de formas diversas, sendo que algumas são comuns a todo o tipo de empresas: todas as empresas criam trabalho, todas as empresas têm colaboradores e, se tratarem bem os seus colaboradores e se criarem postos de trabalho locais, mais duradouros, têm um contributo positivo para a sociedade. Esta medição do impacto é o pilar mais forte desta ferramenta e de tudo o que gira à volta dela, em que se tenta que as empresas percebam o que é que podem implementar, não só para que dentro da sua empresa, nas operações normais que têm, possam criar impacto positivo, mas também na maneira como têm montada a sua estrutura de governance, se nela participam de todos os stakeholders ou se são só os acionistas.

O mesmo no que diz respeito à comunidade: se as empresas estão a comprar localmente, se estão a promover o desenvolvimento de estruturas locais ou, se por outro lado, não têm nada disso em conta.

E também nos clientes, que acabamos por ser todos, porque às vezes esquecemo-nos que quem paga os salários das empresas são os clientes. No dia em que ninguém comprar, não há salários para pagar. E, portanto, como é que os clientes são tratados, se são ouvidos, se há a preocupação de saber se eles estão satisfeitos ou não, se há garantias que são dadas daquilo que se vende, se aquilo que se vende é medido em termos do bem-estar que causa nos clientes, que é uma coisa que começa a ser um desafio. Isto porque as empresas normalmente não vão medir tão longe. Se perguntarmos à maior parte das empresas “O que é que o seu produto impacta nas pessoas a quem o vende?”, não têm uma resposta na ponta da língua. Sabem muito bem dizer quanto é que venderam, mas não quanto é que impactaram as suas vendas. Portanto, é por aqui, promovendo este tipo de posicionamento, que tentamos que as empresas tenham cada vez mais impacto.

Isto, numa forma geral. Depois, em cada uma das áreas do B Impact Assessment - que são um bocadinho estas que percorri - pode também haver um impacto relevante, dependendo dos negócios que estamos a falar.

Imaginemos uma empresa que cria oportunidades de trabalho para pessoas que normalmente não as têm, e nós temos exemplos extraordinários disso. Existe o caso de empresas que têm emprego para pessoas com doenças no Espectro do Autismo e Asperger, que têm uma capacidade enorme de se focar, sendo perfeitas para fazer revisão de software, por exemplo. Essas pessoas normalmente têm dificuldade em encontrar postos de trabalho. Mas não estamos aqui a falar de postos de trabalho menores; pelo contrário, às vezes até são mais valiosos! Ou de uma empresa, como existe em Espanha, um atelier de design, que diz que prefere empregar pessoas com Síndrome de Down ou com doenças no Espectro do Autismo, porque pensam mais fora da caixa do que os outros. Portanto, é por isso que as empregam, porque acham que elas são mais competentes do que os outros em determinadas coisas.

Essas empresas, quanto mais empregarem, mais vão impactar na sociedade e, portanto, têm esta capacidade do que nós chamamos de ter um o modelo de negócio de impacto. Como será também o caso de uma empresa que venda painéis solares, ou qualquer outra coisa que tenha a ver com eficiência energética, que quanto mais vender, mais vai impactar na área ambiental. Isto são coisas que são valorizadas e que nós tentamos que as empresas façam cada vez mais. Algumas até, ao usar a ferramenta (B Impact Assessment) e com as perguntas que lhes são feitas, acabam por descobrir em qual destas áreas é que o seu modelo de negócio vai poder ser relevante.

 

A certificação B Corp está relacionada não só com a sustentabilidade, mas também com o impacto dos serviços na comunidade, direitos dos trabalhadores, entre outros. Isto significa um reconhecimento de que, de facto, não existe sustentabilidade sem haver uma preocupação social?

Eu diria que sim. Nós às vezes esquecemo-nos de que a Economia é uma Ciência Social e, portanto, a boa gestão ou a economia de um país deveria ser aquela que permite um melhor uso dos recursos para todos! Não é só para alguns, enquanto os outros ficam a perder. Se isto não acontecer, nós estamos numa sociedade suicida! Se as empresas, no cômputo geral, criarem menos valor para a sociedade do que aquilo que retiram – e o que retiram vai só para alguns – isto leva ao nosso desaparecimento, o que não faz muito sentido.

No movimento B Corp, acho que sim, mas não é uma regra, porque nós não temos, nestas diferentes áreas, uma pontuação mínima. Portanto, as empresas podem ser menos boas nessa área dos trabalhadores e melhor nas outras. Claro que vão ser expostas a uma série destes exemplos, que as vai picar no sentido de virem a ser melhores.

A nossa ferramenta chama-se B Impact Assessment, e eu tento sempre fugir da Sustentabilidade para o Impacto, porque é difícil para mim perceber se, quando estou a falar de sustentabilidade, o que está na minha cabeça e o que está a sua são a mesma coisa.

Para mim, a sustentabilidade e o que me atraiu para esta área da sustentabilidade, é o facto de ser preciso fazermos mais com menos, porque senão não vai dar para todos. Portanto, é muito um tema de eficiência e, dada a minha formação científica, esta possibilidade de medir.

Permite objetivar mais as coisas e não só. Permite criar uma linguagem comum, que permite uma melhor comunicação, mas também criar ferramentas de gestão para as empresas, que são baseadas em medições objetivas.

Ao que assistimos, mais do que a certificação – que obviamente é interessante e nos ajuda a promover o movimento B Corp - é que as empresas ganham competitividade com o processo, comunicam-se melhor e relacionam-se melhor umas com as outras. Podem perceber qual é o caminho que podem fazer, que objetivos é que podem marcar e o que podem ir medindo ao longo do ano, o que podem dar à pessoa responsável pela área do ambiente numa determinada tarefa, para aumentar os objetivos nesta área, o que posso dar aos Recursos Humanos no que diz respeito à parte dos trabalhadores, o que podem dar à pessoa responsável pela parte legal dizer-lhe para melhorar na governance, o que precisam de inputs de mais stakeholders que não estão a ter, etc. E é a isso que nós assistimos no movimento com as empresas. Quando se certificam, ano após anos, cada vez têm mais pontos porque percebem que está aqui um caminho e que está aqui uma ferramenta que as ajuda a caminhar.

Temos também na outra ponta do espectro aquelas que se calhar não são certificadas, mas que usam a ferramenta (e que são muitas, são centenas de milhares pelo mundo) e que ainda não chegaram ao nível que nós achamos o mínimo para poder pedir a certificação, mas que, provavelmente, nesse caminho, estão a criar imenso impacto. Se calhar, muito mais até do que as mais de 4500 que temos certificadas neste momento! E, portanto, neste sentido de conseguir que as empresas pensem como uma entidade social e não como uma máquina de fazer dinheiro, a minha resposta à sua pergunta é sim.

Será não, se me perguntar se há um conjunto de regras sociais a que as empresas têm que obedecer para serem elegíveis para a certificação. Há uma postura e, obviamente, se essa postura for muito má, também não vai dar para passar, mas não existem requisitos mínimos nessa área. Até porque, como o movimento B Corp é global, nós sabemos que não podemos exigir a alguém que está num país em desenvolvimento o mesmo do que no país desenvolvido. A ferramenta tem também isso em conta. Quando é feito o registo, é perguntada a localização geográfica e as perguntas não são exatamente as mesmas.

 

Para obter a certificação B Corp, é necessário realizar o B Impact Assessment (BIA). Como funciona esta ferramenta de gestão e quais as questões e parâmetros avaliados? O BIA é mundialmente uniforme ou há alterações consoante os países?

O B Impact Assessment é uma ferramenta de utilização livre, isto é, não tem qualquer custo, pelo que quem quiser regista-se e usa, e tem três inputs necessários para a modelação. Às vezes, as pessoas pedem-me para enviar o B Impact Assessment tipo, mas não há. É sempre o B Impact Assessment da sua empresa. Claro que haverá empresas que têm igual, ou muito semelhante, mas a definição do B Impact Assessment resulta da introdução da localização geográfica, do número de colaboradores e da área de negócios. Com isto, nós abrangemos sempre as mesmas cinco áreas, mas de uma forma ligeiramente diferente, por estas razões que estávamos a falar: em termos de localização geográfica, pela tipologia de perguntas em relação à área de operações (não faz sentido perguntar muitas coisas de ambiente a alguém que trabalha num espaço de cowork numa empresa de serviços, mas, ao contrário, se for uma empresa industrial, se calhar há muito mais impacto ambiental que vale a pena escrutinar), mas também pela dimensão (com o aumento da complexidade das estruturas, a exigência aumenta também. Não se vai pedir o mesmo a uma empresa de 10.000 trabalhadores ou a uma empresa de 10 trabalhadores).

O que é engraçado perceber é que, mesmo nas empresas pequeninas até às grandes, o exercício de interagir com esta ferramenta leva-os a repensar e a revisitar áreas que, às vezes, ficam para trás e que são vistas, não como um fardo, mas como uma fonte de competitividade. Isto acontece porque pensam: “Ao ser melhor aqui, vou comunicar-me melhor, atrair melhor talento, ser mais eficiente”. E é isso que também faz as empresas continuarem a certificar-se. A certificação é renovada de 3 em 3 anos e muitas das empresas renovam-na encontrando na certificação áreas novas para melhorar. Isto para mim faz-me sentido e mostra-me que isto realmente está a ser uma ajuda neste caminho para a sustentabilidade, no seu sentido mais global.

 

As empresas em Portugal costumam renovar a certificação B Corp ao fim dos 3 anos? Qual a taxa de sucesso? 

Os números que eu tenho de cabeça é que nós temos uma quebra de 10%, que acaba por ser uma coisa normal, tendo em conta que há empresas que são compradas, há empresas que mudam de acionistas, há empresas que se fundem, e há também pequenas empresas que também deixam de existir (embora sejam poucas).

Nós até fizemos, durante a COVID-19, esses números e, apesar dos números terríveis de empresas a desaparecer, notámos que as B Corp quase não desapareceram. Isto porque, uma das coisas que se fomentava era o trabalho remoto, a boa relação com os fornecedores, e tudo isso ajudou a que, nestas fases difíceis, as empresas se mantivessem. Mas sim, a certificação normalmente acontece e acontece com melhorias na pontuação, porque as empresas estão a fazer esse caminho.

 

Atualmente, o movimento B Corp está presente em mais de 4.500 empresas em todo o mundo e em 77 países diferentes. Qual tem sido a taxa de crescimento à escala global? E em Portugal?

O crescimento tem sido muito grande e esse tem sido um dos grandes desafios, porque a estrutura que depois está por trás, para podermos manter a credibilidade da certificação e responder ao aumento do crescimento, tem sido um dos grandes desafios que temos vivido atualmente. Até não temos crescido mais depressa, em termos destes números de empresas certificadas, também por limitação nossa, quer de não preterirmos a qualidade, quer – para correspondermos a isto – porque temos de, às vezes, avançar mais lentamente do que o que nós queremos e do que as empresas querem. Isto porque as empresas, depois de lá chegarem, também rapidamente querem poder dizer o que fizeram e, portanto, temos que gerir isso com algum bom senso e cuidado.

Mas sim, estamos a crescer e Portugal também tem vindo quase a duplicar todos os anos, só não duplica mesmo porque temos este constrangimento.

Agora no princípio do ano ainda vão aparecer mais novidades dos que estão em pipeline e que estão quase a acabar. Eu acho que até ao fim do ano ainda há mais uma ou duas que vão aparecer como concluído o processo de certificação, porque o que nós sentimos é que isto acaba por ser um caminho ou uma jornada contínua. Mesmo depois de certificadas, as empresas continuam a aumentar a sua pontuação, a interagir umas com as outras, etc. Foi muito interessante ver, no encontro de Natal que tivemos, a vontade de partilhar e de fazer coisas em conjunto que havia entre as empresas, e que já tínhamos sentido no B Corp Month, que nós costumamos organizar em março. É um mês em que tentamos fazer barulho em conjunto sobre o que é que é ser B Corp. Fizemos o desafio de cada empresa escolher um dia e, nesse dia, as outras empresas falarem dela. Foi engraçado ver a recetividade a isso e até empresas que organizaram eventos durante esses mês para que os seus colaboradores soubessem o que é que era ser B Corp (porque às vezes há esta dificuldade de comunicação interna) e convidaram outras empresas para ir falar. Uma delas resultou numa sessão de yoga em Zoom, em conjunto, porque estávamos confinados uns dias depois. Portanto, eu acho que isto mostra bem como é que esta comunidade se relaciona e como é que aprende uns com os outros, pedindo ajuda e criando impacto juntos.

 

Qual a posição e a dimensão de Portugal no âmbito do B Corp à escala mundial?

Neste momento, temos em Portugal 18 empresas certificadas e mais de uma centena de multinacionais certificadas, com presença em Portugal. Portanto, estas 18 são as que têm sede em Portugal. E temos mais 5 ou 6 como pending B Corp, que são as empresas com menos de um ano, que estão a fazer também o seu caminho. Isto à escala mundial é uma gota de água, mas nós como país somos sempre. Isto é um desafio para nós como portugueses. Eu tenho sentido isto quando me cruzo com negócios de empresas B Corp de que gosto muito e quero trazer para Portugal e, normalmente, são negócios que estão a crescer muito e eu não consigo convencê-los a vir para Portugal, porque a prioridade de Portugal é a última. Nós somos um mercado pequenino e, portanto, em termos de decisões, às vezes, não é muito fácil conseguir fazer isso. Mas, à nossa dimensão, acho que estamos a ir muito bem e com uma curiosidade, que é os nossos setores mais tradicionais a aderirem muito.

 

Fazendo um panorama geral das empresas B Corp em Portugal, qual a área de atividade económica predominante? E a dimensão das empresas? Quanto à localização das mesmas, diria que estão maioritariamente localizadas em Lisboa?

Vinhos, Turismo, o interesse tem vindo a ser crescente ultimamente. E é muito engraçado perceber isso, que também nestas áreas que nós podemos achar que são mais tradicionais e, portanto, a ferramenta se calhar não entra (porque nos outros países não é tão importante), isso não é bem assim. Uma coisa engraçada de ver é isso, por um lado, e a diversidade das empresas presentes, por outro. Temos desde empresas muito pequeninas, a empresas com uma dimensão significativa para o nosso país, como a Hovione, a Abreu Advogados, a Critical, a Symington. Umas de Consultoria, outras de produto e, portanto, perceber que todas têm este caminho comum, que funcionam e que até a diversidade é muito valorizada por todos, no sentido de depois poder haver esta aprendizagem cruzada, esta prestação de serviços acaba por ser valiosa para todos.

Temos uma Impactrip, que começou por ser um operador turístico que fazia pacotes, em que as pessoas tinham uma experiência de trabalho numa instituição social e que, neste momento, já se desenvolveu para criar um hostel, onde as pessoas ficam, programas de team-building com eles, que é uma âncora extraordinária para uma série de instituições com quem colabora.  Por exemplo, uma associação de cegos que vai dar massagens ao hostel e usar o espaço, até outras colaborações semelhantes. Com o poder de rentabilizar o espaço que criaram, começa-se a ser criar este ecossistema, que depois acaba por ser exponencial em termos do impacto que vai causando.

E esta diversidade é também um desafio, porque às vezes é difícil gerir uma comunidade tão diversa. Temos de encontrar aqui temas comuns, mas que felizmente existem. Nós normalmente temos um tema em cada um dos encontros e conseguimos encontrar temas comuns, desde “Como é que nos vamos comunicar melhor, para que as pessoas percebam o que é que o B Corp é?” a coisas mais práticas: “Como é que trabalharam a diversidade na vossa empresa?” ou “Qual é que é a melhor maneira de o fazer?”. Portanto, há temas que são sempre comuns a todos e que preocupam todos. Mas sim, a comunidade é muito diversa.

Em termos de localização, temos a representatividade do nosso país, como de costume: mais concentradas em Lisboa, mas também já no Porto, em Coimbra, no Alentejo, no Algarve ainda não está fechado, mas já começa a estar presente, nas Beiras também já há e ilhas também já começamos a ter. Portanto, já temos quase todo o país, ou melhor, quase um bocadinho em cada uma das zonas do país.

 

Há sectores que estão mais aptos para obter a certificação B Corp, ou qualquer empresa pode ter esta certificação?

Qualquer empresa pode fazê-lo e é muito bem-vinda. Como estávamos a falar há pouco, a ferramenta (B Impact Assessment) está preparada para que não existam, nem sejam exigidas, pontuações mínimas em cada uma das áreas. Portanto, se há setores que terão facilmente mais pontos numas áreas do que noutras, isso também é cruzado noutros sectores, que terão outras áreas onde é mais fácil ter pontuação. Estávamos a falar nas empresas mais industriais que, se calhar, na parte do ambiente têm muito mais capacidade de pontuar – porque impactam – do que aquelas que são serviços.

Um exemplo engraçado disto tem a ver com esta “plasticidade” da ferramenta. O que eu costumo dizer para animar as empresas de cá é: “Vão fazer a parte dos trabalhadores”. Isto porque, se cumprirem com os requisitos legais em Portugal, a nossa lei laboral é muito melhor do que nos Estados Unidos, por exemplo, onde não há 22 dias de férias, onde não há segurança social, onde não há uma série dessas coisas. Portanto, logo aí, o impacto que é criado é valorizado.

Isto, em termos de geografia, também se verifica em termos dos setores. Às vezes, as pessoas perguntam “Quantos pontos tem aquela empresa?” ou “Qual é a que tem mais pontos?” e eu nunca sei muito bem isso, porque não é relevante. Nós quando sentimos as empresas chegar, quer elas tenham chegado com um bocadinho menos pontos, quer com mais, são sempre muito bem-vindas. Sabemos que já têm um impacto positivo e que vão ajudar a criar impacto positivo e, provavelmente, vão crescer. E aí é que têm aparecido sempre os pontos como comunicação, onde é possível verificar e afirmar: “Nos últimos 3 anos aumentei X pontos” e “Vejam como eu estou comprometido com este meu caminho que me propus a fazer”.

Até lá não, até porque não é muito justo. Isto porque realmente há áreas onde pode ser mais fácil conseguir pontos do que outras. Como estávamos a falar há bocado, uma empresa que trabalhe ligada à área ambiental e que venda produtos com impacto ambiental, se calhar tem mais facilidade em ter uma pontuação mais alta, do que uma que não tenha nenhum modelo de negócio que possa impactar diretamente numa das áreas que seja mais fácil de medir. Porque depois entramos neste desafio de medir. E, se calhar, há muitas empresas que criam impacto, mas que precisam de 2 ou 3 anos para fazer este processo que estávamos a falar, que implica perceber “Onde é que o meu negócio está a impactar e conseguir medir?”. Como falado anteriormente, as empresas não costumam analisar esta vertente, sendo necessário questionar os seus clientes.

 

O que tem levado as empresas a tentar obter a certificação B Corp em Portugal? Há verdadeiramente preocupações com o meio ambiente e os restantes parâmetros, ou há apenas um interesse nas vantagens competitivas criadas ao aderir ao movimento?

Eu acho que isto tem de ser misturado. Estas vantagens competitivas são cada vez mais e pressionadas por muitos lados. Como tal, as empresas, para serem competitivas, são empurradas a ser positivas no impacto que criam. Isto acontece por várias frentes: quer pela frente regulamentar, que começa a aparecer (temos tido imensas consultas públicas da União Europeia, no sentido de criar a obrigação de reporte de dados, não só os financeiros, mas também os outros), quer pela frente dos consumidores, que cada vez mais valorizam não só saber de onde é que vem aquilo que compram, mas também saber quem é que está por trás, como é que faz, qual é o objetivo que tem com a venda, etc.

Noutro dia, vi um vídeo no YouTube, em que havia um rapaz que explicava porque é que comprava um casaco da Patagonia e não comprava um casaco da Tommy Hilfiger. Basicamente, aquilo era a maneira que tinha de afirmar os seus valores.

O valor social das marcas está a ser cada vez mais tido em conta e, portanto, essa pergunta que me está a fazer acaba por ser quase circular. O facto de as empresas serem boas vai fazer com que elas sejam mais competitivas. Eu costumo dizer isto na brincadeira, mas nós queremos que as empresas sejam não só as melhores do mundo, mas as melhores para o mundo, porque achamos que as que forem melhores para o mundo, vão ser as melhores do mundo no futuro. Portanto, isto responde assim de uma forma global à sua pergunta.

Em factos mais concretos, recolhemos aquilo que as empresas nos dizem que são as suas motivações para se juntar a nós, e as respostas são:

 Atração de talento: cada vez mais as pessoas querem trabalhar e querem saber para o que é que vão contribuir, tendo interesse nas empresas B Corp. Nas relações que temos com as universidades, as pessoas querem muito saber o que é que isto é e querem conhecer melhor as empresas B Corp, porque querem explorar hipóteses de colaborar com elas;

• Consumidor: os consumidores cada vez mais valorizam uma empresa ser B Corp. A Symington tem já nos rótulos dos seus vinhos o B e eu tenho tido o feedback: “Sinto-me muito melhor agora a beber o meu vinho porque, além de o estar a saborear, vejo que está ali um B e vejo que estou a fazer qualquer coisa de bem”. Abriu uma loja nas Amoreiras há algumas semanas, que tem o B na montra, assim como atrás da caixa de pagamentos, a explicar exatamente quais são os compromissos que tem pelo facto de ser B. Nós temos uma plataforma interna, tipo Facebook, onde se vão partilhando estas coisas que estávamos a falar internacionalmente, e uma das coisas que vi recentemente era alguém dizer: “Vamos mudar o nosso B da parte de trás da embalagem para a parte da frente. Alguém já o fez? Qual é a experiência?”.  Há supermercados no Reino Unido que têm prateleiras só com produtos B e há supermercados em Espanha que têm o B logo à entrada. Portanto, começa-se a sentir que isto é valorizado pelo consumidor, porque senão não haveria esta atitude;

• Esfera financeira: depois temos também a parte da esfera financeira. Para mim, curiosamente, esta ferramenta entrou muito mais rápido e com muito mais força do que eu estava à espera. Eu cruzei-me com a ferramenta antes de ser responsável pelo movimento e depois, quando a voltei a agarrar, percebi que a esfera financeira tinha entrado muito no uso da ferramenta, no sentido de medir os projetos em que está a investir com estes critérios. Às vezes, pode até nem ser necessariamente a empresa certificada, e até há quem a use para medir os projetos e não necessariamente para ver se a empresa é certificada ou não, mas claramente as certificadas têm vantagens no acesso a dinheiro e, nomeadamente, a investidores alinhados com aquilo que querem fazer. Temos já em Portugal dois fundos de investimento, que são certificados como B Corp, portanto, até aí também já temos essa tipologia de empresa e, naturalmente, que esses fundos investem mais facilmente nesse tipo de empresas;

• Visibilidade: o facto de haver alguma visibilidade como grupo, uma visibilidade positiva, que é criada com oportunidades que vão aparecendo, como é o B Corp Month, como são os programas de televisão onde estivemos presentes, e onde depois as empresas têm espaço para mostrar aquilo que fazem, com este chapéu do B Corp. Portanto, cria-se aqui uma comunidade que comunica positivamente uma série de coisas e que dá alguma visibilidade às empresas;

• Fazer parte: deixei para o fim o que, às vezes, é aquilo que é uma motivação inicial, que é fazer parte deste movimento, que está a mudar as coisas para o sítio que achamos que está certo, e não só. As pessoas quando vão à procura de emprego querem isso, mas também os gestores, na sua esfera, precisam de sentir isso e, portanto, muitas vezes é isso que também os motiva a vir atrás desta ferramenta. E, mais recentemente, como isto começa a ser muito falado, sentirem que há aqui uma ajuda para fazer este caminho que a maioria das empresas não conhece, que é uma coisa nova, e que tem aqui alguém que já o fez, que tem ferramentas e que pode ajudar. Eu tenho tido ultimamente essa sensação, não só de eventos ou de cursos em que estou, onde acho que vou ter 10 ou 15 minutos no máximo para falar, mas já me aconteceu chegar a estar 1 hora, com as pessoas a fazerem-me perguntas, porque existe muita vontade de perceber como é que realmente podemos fazer este caminho. No evento da InSustentável, uma das coisas que reparei quando abri a revista, é que havia uma empresa de vinhos que dizia “Eu quero imenso fazer este caminho, mas não sei como hei-de fazer” e a minha resposta para eles seria “Já há empresas de vinhos que começaram a fazer uso desta ferramenta e não se importam nada de partilhar”. De facto, há muitas empresas que aparecem como B Corp por força de outras empresas, que são os nossos melhores embaixadores. E é isto que também tem feito este crescimento exponencial, porque é isto que nos faz ter quase um esquema de pirâmide de promoção.

 

Existem muitas empresas a fazer esta avaliação e a não conseguir a certificação? Quais são normalmente as áreas em que as empresas têm uma maior dificuldade em atingir os objetivos necessários para a certificação?

Eu acho que não há área, eu acho que há posturas e fases de maturidade das empresas que levam a isso.

Quando estava a dizer que as empresas são os nossos melhores embaixadores e o facto de estarmos a falar desta área ser uma área nova, estava a recordar-me de que já tive conversas difíceis com várias empresas (algumas delas com uma dimensão relevante para o nosso país). A pessoa que me tinha pedido para reunir chama a pessoa responsável pela área da sustentabilidade, que me vem dizer que estiveram com a Consultora XPTO a fazer a sua estratégia de sustentabilidade, questionando para que é que isto (B Corp) serve. Posto isto, eu lá fui dizendo que isto é uma ferramenta, que pode até dar para medir essa estratégia que está a ser implementada, que dá para partir a estratégia em objetivos e dar a cada uma das pessoas das áreas para ir medindo... No final, acrescentei ainda que teriam de ter mais de 80 pontos para poderem ser elegíveis para a certificação e o processo decorre assim desta maneira. Percebi que as pessoas achavam “Nós temos imensos pontos, temos de certeza 150 pontos” e, passadas umas semanas, recebi um telefonema a pedir para mostrar o B Impact Assessment que fizeram e viram que tiveram 60 e tal pontos. Estou-lhe a dar este exemplo, mas vou-lhe contar outra coisa. Num programa de televisão, em que convidei a Symington para estar, perguntaram-lhes: “Quanto é que uma empresa, que fosse cumpridora, teria se fizesse o B Impact Assessment?”. A resposta foi: “Se não tiver grandes preocupações de contribuir para a sociedade ou para outra coisa, vai ter 50 ou 60 pontos”, o que bate certo com este meu exemplo. Isto para lhe responder àquilo que me estava a perguntar, que não é uma questão de áreas ou tipologia de empresa, é uma questão de posicionamento e de maturidade neste caminho.

Eu tenho também feito algum trabalho de fazer as empresas pensar onde é que estão e onde querem chegar e, com a ferramenta, fazer essas melhorias, que lhes vão permitir, pelo menos, medir algumas coisas que não mediam, para poderem dizer o que é que fazem e, por outro lado, pensar naquelas que não pensaram, para saber como é que as querem montar, para poderem criar esse impacto. Portanto, está muito mais a esse nível de perceber como é que eu me vou organizar, como é que eu me vou posicionar, para poder criar impacto, independentemente da área. Obviamente que há áreas que nós, à partida, não conseguimos imaginar como tendo impacto positivo, e essas, à partida, não são elegíveis. Se for uma empresa de armas, se for uma empresa de negócio de droga, essas à partida não são elegíveis, e há um disclaimer, que faz parte do B Impact Assessment, que faz essa pergunta. Não queremos, de todo, deixar de fora a possibilidade de haver empresas que, não sendo à partida as mais boazinhas, possam vir a ser muito boas, pela reconversão que lhes possamos ajudar a fazer, com todas as ferramentas e toda a informação que possamos disponibilizar.

Eu costumo sempre dizer, e até dentro do movimento fui dizendo isso (e estou a sentir agora essa adaptação), que vamos tendo cada vez mais áreas que, às vezes, não eram elegíveis e que, agora, já passam a ser, mas com determinadas condicionantes. Por exemplo, as empresas na área das petrolíferas, que não eram elegíveis, começa-se a abrir uma porta. Eu sempre disse que, para mim, faria sentido, porque são empresas que estão em mudar muito. Eu conheço a história de uma empresa nórdica, que passou de uma empresa de petróleos, para 100% renovável. Eu dizia sempre que gostava imenso que pudéssemos dizer que fomos nós que andámos a fazer isso. Se tivermos casos desses, será sempre muito forte. Portanto, estamos a abrir muito essas áreas, sempre com uma preocupação grande: quanto mais problemáticas são as áreas em que estamos a entrar, mais transparentes temos de ser. Cada empresa que se certifica tem uma ficha pública com a pontuação que teve nas várias áreas, e isto está aberto ao escrutínio público. Já houve casos em que vieram dizer ao B Lab que “essa empresa não está já a fazer aquilo que dizia que fazia e, portanto, vão ver como é que é”. E há casos em que a coisa não corre mesmo bem, e há outros em que se clarifica e é feito o anúncio público. Por exemplo, empresas que têm águas engarrafadas em plástico, se for ver ao diretório que está disponível, têm de ter, para além da pontuação, um documento em que explicam o que é que estão a fazer em relação aos plásticos que estão a usar, quais são os planos que têm, qual é o tipo de plásticos que usam, como é que os vão reduzir no futuro, etc. Cá tivemos, por exemplo, a Critical Software, que trabalha com a defesa no desenvolvimento de software, uma área que é vista como cinzenta. Como tal, tivemos que fazer esse trabalho de “expliquem exatamente o que é que vocês fazem com a defesa”, para percebermos que não estamos a contribuir para haver mais guerras do mundo, mas sim para outro tipo de coisas. Portanto, nesse aspeto, falamos sempre de uma aproximação transparente e de caminho, que vai permitir que todas possam chegar lá, e a dificuldade, maior ou menor, terá a ver com a maturidade, o posicionamento e, muitas vezes, como eu costumo dizer, a vontade de mudar. Há muitas coisas que são fáceis de mudar, mas é preciso que haja vontade. Quando me perguntam “Eu consigo chegar lá?”, eu respondo sempre: depende da vontade de mudar.

 

Tendo em conta que uma empresa B Corp deve trabalhar várias áreas de impacto, quais as áreas que as empresas portuguesas trabalham mais? 

Eu diria que varia bastante de negócio para negócio. Claro que aquela área dos colaboradores é sempre uma área muito querida às empresas nacionais. A área do ambiente depende um bocadinho das tipologias, sendo a área que é mais assimétrica. A área dos colaboradores é aquela em que temos mais pontos, a área de ambiente é aquela em que temos maiores assimetrias.

Temos, por exemplo, a Symington, que está a fazer um trabalho enorme em termos da parte ambiental, mas que também tem um contributo para as populações do Douro que é brutal. Ou seja, a vertente social também está sempre muito presente.

Na Hovione, uma empresa mais industrial, a componente ambiental tem um peso forte e é aí que eu sinto também que há necessidade de fazer um caminho. Isto porque, às vezes, perguntam se já medem emissões e as pessoas não medem, se já medem consumos de energia, e não medem, ao que eu respondo: “Se fores às faturas, podes perceber quanto é que consomes e podes começar a ter um baseline para criar objetivos futuros”. Por aí, sinto que estamos a evoluir bem.

Depois, diria também em termos da comunidade e da aproximação à comunidade. Do perceber que eu posso, com uma política de fornecedores, influenciar, não só, quem está dentro de casa, mas os que estão à minha volta. Se eu criar uma política de fornecedores hoje, posso passar a minha mensagem e estender a minha mensagem a terceiros e, com isso, criar impacto positivo à volta. Portanto, aí começa-se também a perceber o desejo de as empresas impactarem por aí, e de criarem cada vez mais projetos a pensar no local e como é que vão desenvolver o local.

Vou-lhe dar dois exemplos de sapatos, outra área típica do nosso setor, e que, neste caso, são dois pending, porque são duas empresas que estão a começar. Uma, que agarra em plásticos do mar, e que, com aquilo que apanha, cria os seus produtos. Com isto, vai motivando os pescadores a retirar as redes de plástico, mas não só. Organizámos no ano passado uma sessão conjunta de limpeza de praias, em que depois demos a essa empresa o produto da recolha para fazerem ténis, que é a Skizo, estando muito focada na área ambiental. Outra, que apareceu recentemente e que vende sapatos que são todos produzidos na área do grande Porto, ou seja, nenhum dos componentes vem de fora da área do grande Porto. Portanto, o objetivo é criar um sustento para a sua comunidade mais local.

E há uma que é incontornável, que é a parte do governance. Eu estava a dizer que não temos pontuação mínima, e não temos, mas há uma coisa que é requisito para que as empresas sejam certificadas: que incluam nos seus documentos legais, nos seus estatutos, etc., o facto de a gestão ser feita em prol de todos os stakeholders, e não só dos acionistas, e que os diretores tomem as decisões tendo em conta esse princípio. Portanto, isso obriga a que, na área de governance, todas tenham de cumprir este requisito mais cedo ou mais tarde, para poderem vir a ser certificadas. Isto pode parecer um bocadinho uma coisa burocrática que está aqui, que faz parte do processo para que tudo fique alinhado, mas é importante para que o processo funcione bem e que seja oleado. E eu tive outra experiência engraçada porque estava a apresentar isto, por acaso até a uma pessoa de uma empresa de investimento, que me disse: “Volte lá atrás no slide”. Eu voltei atrás e o slide era esse, ao que a pessoa refere: “Ah, mas isso é mesmo a sério?”. Com isto, eu respondi que era a sério (assim como todo o nosso processo), até porque é uma cola que ajuda a que tudo funcione, que haja este compromisso e que, no fundo, seja uma coisa mais perene, que não acaba de um dia para o outro.

 

O Luís disse numa partilha à Impact Team que “A comunidade B Corp acredita que os problemas mais desafiantes da sociedade não podem ser resolvidos apenas pelo governo e pelas organizações sem fins lucrativos.”

Porque é que acham isto?

A comunidade B Corp acha isto, olhando à volta e vendo o que é que se passa no mundo. Vemos artigos todos os dias a sair, a dizer que as cinco maiores economias do mundo, ou três das cinco, são empresas, portanto, as empresas mandam mais no mundo. Tivemos agora os governos a reagir, para tentar que as grandes empresas não fugissem aos impostos, criando normas internacionais, porque elas, no fundo, mandavam mais do que os países e não pagavam impostos. Portanto, isso não tem a ver com o universo B Corp, tem a ver com a nossa realidade, da força que as empresas têm. Assumindo que as empresas têm força, elas vão ser precisas para a mudança. É quase aqui um raciocínio lógico de, olhando para os dados do nosso planeta e de como ele é gerido neste momento, de que, se formos por aí, se calhar conseguimos fazer as coisas mais rápido, e que temos de ir por aí, para conseguir mudá-las o rápido suficiente.

Obviamente que estava a falar há bocado também das questões legais, que são relevantes e que até nisto que estávamos a falar da parte do governance, nós também utilizamos um bocadinho como ferramenta para a mudança. Esta parte de governance de que estávamos a falar, e das alterações legais, é quase a interface destas duas coisas de que estamos a falar: como é que o governo ou a parte mais legal pode influenciar nessa alteração. Mas a sensação que temos é que as empresas são uma força muito dinâmica em termos da alteração que vemos no mundo, para o bem e para o mal. Portanto, se as conseguirmos pôr a alterar para o bem, elas se calhar até vão conseguir reagir mais rápido do que os governos que, às vezes, são um bocadinho lentos a conseguir implementar as alterações que queremos. É nessa perspetiva que sentimos que não podemos estar à espera.

Eu lembro-me de há uns anos, quando se falava da área do ambiente, de haver muitas empresas e pessoas, com alguma responsabilidade, a dizerem-me: “Enquanto as multas forem essas, eu vou pagando a multa e não mudo nada”. Portanto, isto mostra bem que, se não forem as empresas a querer, por muito que os governos queiram, às vezes a coisa não funciona. Por isso, temos de trazer as empresas com esta vontade de serem elas a força motriz.

 

O poder de mudar o mundo está nas marcas/empresas, que fazem alterações nas suas políticas de forma a serem mais sustentáveis, ou está nos indivíduos/clientes que optam por uma marca em detrimento de outra?

Eu acho que está nas duas, que era aquilo que falávamos há bocado: quando os clientes deixarem de comprar, deixa de haver salários e deixa de haver empresas, e os clientes têm de ter essa noção. O consumidor tem de ter cada vez mais essa noção de que pode matar empresas, e hoje em dia, com as redes sociais, muito mais facilmente o faz. E as empresas têm cada vez mais a noção disso, é por isso que o valor social da marca começa a ser tão relevante.

Uma das campanhas que temos a nível internacional é “Vote with your wallet”, ou seja, “Vote com a sua carteira”, e ter esta noção que, cada vez que eu compro, é uma decisão importante que eu estou a tomar, é uma mensagem que eu estou a dar. É uma evolução que acho que temos de ter como sociedade, porque este consumismo quase irracional e desenfreado tem custos grandes, que todos depois acabamos por pagar e, às vezes, nós não temos essa noção.

Uma vez tive uma entrevista numa publicação com alguma responsabilidade na área em termos de impacto ambiental, que me dizia: “Está-me a dizer que eu devia comprar só uma t-shirt e saber de onde é que ela vem, em vez de comprar uma de cada cor na Zara?”. Ao que eu respondi: “Estou, até porque ao comprar t-shirts a 1,00€ na Zara, alguém há-de estar a sofrer com isso algures no planeta”. A resposta foi: “Tem razão, mas eu não sei se estou preparada para isso”. É um bocadinho esta mudança de paradigma que estamos a viver. Como eu, nas muitas decisões que tomo no dia-a-dia. Eu tenho uma família grande e precisava de um carro. Quando pensei no carro, pensei “Eu precisava de um carro elétrico”, mas depois às vezes não chego lá, porque depois o poder económico também marca. Às vezes, ainda não temos as coisas niveladas porque temos aqui um grande desafio, em termos de consumo, e que tem a ver com o posicionamento das empresas: é que as empresas estão a comprar à borla e a repercutir no consumidor externalidades negativas que estão a usar, como o ambiente dos anos futuros dos que ficarem cá, que podem não ter as coisas que era suposto terem, e de uma série de impactos que estão a criar, e que não estão a pagar por eles e, portanto, não estão a refletir no preço. Quando eles passam a estar refletidos, as pessoas dizem que é caro. A questão é que temos de passar do caro ao justo, no sentido de incorporar todos os custos que vão ser relevantes para nós como uma comunidade global e de futuro. Nós temos muitas empresas no universo B Corp a focar aí, a usar essa comunicação, a atrair as pessoas para fazerem esse tipo de consumo e a criar esta relação empresa-cliente, que permite que a sustentabilidade aconteça.

Temos a Patagonia, de que estávamos a falar há pouco. Ainda esta semana vi uma publicação de um professor universitário a dizer: “Eu rasguei o meu casaco da Patagonia a andar de bicicleta na floresta e fui consertá-lo. E eles consertaram! Não era por estar na garantia, porque eu já o tinha comprado há mais de três anos, e também não era porque eles tinham a obrigação. Era porque eles queriam mesmo consertar”. E claro que isto fez com que ele fosse escrever isto para o LinkedIn. Isto responde um bocadinho àquilo que me estava a perguntar, se são as marcas ou se são os clientes. São os clientes que fazem viver as marcas e, cada vez mais hoje em dia, nós temos os influencers e cada um de nós pode ser um mini influencer e fazer viver ou fazer morrer as marcas.

Vamos jogar muito aqui com estas duas forças, sendo que eu acho que o caminho está a ser feito em paralelo. Se calhar as marcas, como é normal, estão-se a antecipar e a querer empurrar o consumidor a dizer: “Olhem que somos diferentes”. E o consumidor começa a perceber e começa a valorizar isso. Aqueles exemplos que estava a dar a pouco de haver lojas que já querem pôr o B na montra e de empresas que querem pôr o B na embalagem, mostra exatamente isso, que do lado do consumidor também há esse desejo e, às vezes, há esta falta de informação, que é: “Eu quero escolher, mas como é que eu escolho?”; e de falta de confiança, de haver tanta certificação e tanta coisa, que as pessoas já ficam baralhadas. Aí nós sentimos que o facto de o B ser uma coisa muito englobante, que não é da cadeia de fornecimento, mas é da empresa como um todo, isso ajuda. De facto, a partir do momento em que uma entidade é B, pode-se dizer que os produtos também são B. É essa a regra que nós temos. Claro que somos exigentes e aquela entidade vai ter de ser escrutinada e, se houver partes que só têm um bocadinho dela, essas não podem usar o B. Mas a partir do momento em que a avaliação foi feita, a entidade pode-se comunicar como B em todas as suas vertentes, incluindo nos seus produtos. E isso temos sentido que as pessoas valorizam, porque percebem que estão a ver algo que foi escrutinado em termos do seu impacto global, portanto não é difícil de perceber.

Este equilíbrio entre a exigência e o global, que tem permitido a esta marca vir a ser cada vez ser mais conhecida, tem vindo a criar alguma confiança, algum capital de confiança nos consumidores, que começam a valorizar esse tipo de escolhas, e que justificam o aparecimento das prateleiras B nos supermercados, essa valorização, e o consumidor estar disposto a pagar mais, por saber que está a pagar o que é justo. Há evoluções muito engraçadas, de aparecer faturas que dizem exatamente o porquê de estarmos a pagar aquele valor, quer de emissões, quer de transporte, etc. Há essa maneira de comunicar e de educar o consumidor, que é um grande desafio e que é também uma das coisas que vamos tentando fazer movimento, com estas ações de votar com a carteira, de explicar como é que as pessoas podem ter influência naquilo que vai sendo criado à nossa volta.

 

Quais as suas perspetivas futuras para as empresas B Corp em Portugal?

A perspetiva futura é que a comunidade continue a crescer e a ser cada vez mais dinâmica, a ter uma vida por si, como começa a ser, e nomeadamente a nível de poder influenciar determinadas decisões e determinadas posturas diárias, de como temos um compromisso de ser Net Zero até 2030 de várias empresas B Corp, de poder ter uma legislação portuguesa que reflita estes requisitos legais de que estávamos a falar, e de haver uma figura jurídica que possa consolidar isso (como temos as Benefit Corporations nos EUA) e que possa haver uma coisa semelhante em Portugal. Portanto, poder começar a haver cada vez mais, com esta massa crítica, uma capacidade de agir, de uma forma integrada e social, para mudar as empresas, mudar um bocadinho o mundo e pressionar também os governos a fazer as suas coisas.

Depois é que, na parte do consumidor, como aconteceu na loja das Amoreiras que passou a ter um B, possa começar a ser cada vez mais uma linguagem comum. Nós estamos a caminhar num sentido em que outros estão mais à frente. No outro dia tive uns vizinhos ingleses que foram embora mais a correr e deixaram-nos uma série de produtos. Quando fomos ver, uma série dos produtos que nos tinham deixado tinham o rótulo B. Portanto, é importante que cada vez mais isto também seja um critério de escolha do consumidor.

Depois, de termos uma comunidade B que não é só de empresas, mas é também de pessoas, que trabalham nessas empresas e as suas esferas de influência.

 

A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em...

- B Corp? Mundo melhor

- A maior paixão? Família

- O maior receio? Desiludir a minha família

- O que o move? A vontade de ter um mundo melhor para as gerações futuras.

- A sua inspiração? O meu pai

- Um sentimento? Amor

- Um livro? “Prosperity”, de Colin Mayer

- Um filme? Braveheart

- Uma viagem? Estou aqui dividido entre duas. Uma porque, infelizmente, se calhar tem de ser rápida, que é Maldivas. Mas seria Chile e Patagónia.

- 2021? Carrossel de emoções

- 2022? Grande desafio

- Futuro? Agora o que me ia sair era “A Deus pertence”. Mas para além dessa parte, e aquilo que nos compete a nós, o futuro para mim é desafio.