Madalena Rugeroni é a Country Manager da Too Good To Go Portugal e Espanha, uma aplicação onde podemos adquirir comida que iria ser desperdiçada em vários estabelecimentos por todo o país. Falámos com ela sobre o desperdício alimentar, as dificuldades de implementar um projeto destes no nosso país e o que podemos fazer para mudar o atual modelo de consumo dos portugueses.
Como surgiu a oportunidade de trazer a aplicação Too Good To Go (TGTG) para Portugal?
Após a implementação do projecto em Espanha, fazia todo o sentido estarmos presentes também em Portugal e sermos uma solução disponível a toda a Península Ibérica. Portugal torna-se assim, no final de 2019, o 13º país Too Good To Go. Além disso, o facto de um milhão de toneladas de alimentos serem desperdiçados todos os anos em Portugal e de 50 mil refeições serem desperdiçadas todos os dias, justifica a necessidade de levarmos a cabo a missão de combater o desperdício e procurar optimizar o consumo dos portugueses, para que este seja cada vez mais consciente e sustentável.
Actualmente a nossa plataforma já está presente em 15 países, e, em Portugal, já contamos com mais de 670 mil utilizadores e mais de 2800 parceiros que juntos salvaram mais de 495 mil refeições do desperdício.
Quais foram as maiores dificuldades de implementar esta plataforma?
Na realidade, temos tido uma adesão incrível e somos sempre muito bem recebidos, tanto por utilizadores como parceiros. Dia após dia vemos novos utilizadores e novos estabelecimentos a quererem juntar-se à TGTG. O nosso principal desafio é o de estarmos a trabalhar com alterações de comportamento de consumo, e, por isso, sabemos que o nosso papel é também o de educar, esclarecer e ajudar nesse entendimento e, até agora, os resultados têm sido positivos. Cada vez mais, as pessoas percebem que se trata de uma solução em que todos saem a ganhar: os parceiros aderentes, os utilizadores da app e, principalmente, o planeta.
Se pudesse voltar a 2019, à criação da plataforma em Portugal, faria alguma coisa de forma diferente?
Pode parecer um pouco cliché, mas creio que não mudava muita coisa, pois mesmo os desafios pelos quais tivemos que passar ajudaram-nos a crescer e a ser aquilo que somos hoje. Bom, saber que estávamos prestes a entrar num cenário de pandemia teria ajudado a antecipar algumas coisas.
De que forma é que chegam até a novos locais do país e novos restaurantes/cafés para aderirem à plataforma?
Um dos nossos focos estratégicos é a expansão da nossa plataforma, estarmos disponíveis no maior número de cidades possível. Para isso damos passos ponderados e cada região é trabalhada pela nossa equipa comercial, diariamente, no sentido de ajudar as lojas e os consumidores com qualquer dúvida ou necessidade. Já estamos em Lisboa, Almada, Porto, Coimbra, Braga, Guimarães, Viseu, Aveiro, Leiria, Setúbal, região do Algarve, Açores e Madeira.
Qualquer estabelecimento que tenha interesse em contribuir para a missão de um mundo com desperdício alimentar zero, pode ser parceiro da Too Good To Go. O pedido de adesão pode ser feito directamente no nosso site*, sendo que todos os pedidos são depois avaliados pela nossa equipa. Como tal, desde que os estabelecimentos estejam regularizados e cumpram as normas de segurança alimentar, podem ser parceiros da TGTG. Tanto pequenas lojas, produtores, distribuidores, hotéis, hipermercados, mercearias, pastelarias, restaurantes, todos podem comprometer-se e envolver-se activamente no combate ao desperdício alimentar através da nossa app.
Um terço de todos os alimentos do mundo são desperdiçados. Muitos de nós temos pais, avós, bisavós que sempre se preocuparam muito em reaproveitar a comida e utilizar as “sobras” para fazer novos pratos. Como é que se foi perdendo este hábito?
Acredito que este hábito se foi perdendo muito devido ao facto da sociedade se ter tornado gradualmente mais consumista. No tempo dos nossos avós e bisavós, havia um maior respeito pela comida e pela origem dos alimentos, e por tudo o que a produção dos mesmos implica - desde a mão de obra, solo, energia, consumo de água. Fomos perdendo essa proximidade e esse entendimento, e acabamos por nos esquecer das consequências das nossas escolhas e deste desperdício alimentar e de agir de forma inconsequente. Por um lado, a pandemia talvez tenha recuperado parte desse respeito e entendimento sobre a necessidade de termos cada vez mais um consumo ponderado, equilibrado e sustentável. Para o bem de todos nós e do planeta.
É suficiente “desperdiçar menos”, ou é imperativo que haja uma redução também na produção alimentar?
Muitas pessoas não sabem que o desperdício alimentar é também um problema ambiental, responsável por aproximadamente 8% das emissões mundiais de gases com efeito estufa. A redução da perda e do desperdício de alimentos atenuaria as emissões de gases de efeito estufa e contribuiria para uma melhoria na segurança alimentar. O desperdício alimentar é responsável por uma emissão de gases de efeito estufa equivalente à emitida pela rede global de transportes terrestres. E sim, nós não só desperdiçamos em excesso como também produzimos em excesso. Ao que tudo indicam os dados apurados pela FAO, se o Desperdício Alimentar Mundial fosse um país, seria o terceiro maior emissor destes gases, logo a seguir à China e aos Estados Unidos. Já para não falar que 28% da terra agrícola é utilizada para produzir alimentos que não chegam sequer a ser consumidos. Está na altura de agirmos, colectiva e individualmente e de repensarmos o nosso consumo de forma mais sustentável e consciente. Este é, portanto, um desafio que é de todos, desde o produtor ao consumidor, e é um desafio que a Too Good To Go se propôs a ajudar a combater. Por isso é incrível quando vemos, em primeira mão, o impacto positivo do nosso trabalho colectivo - utilizadores e parceiros.
Em relação aos projetos que vão aderindo à vossa plataforma, existe uma preocupação da parte dos restaurantes/cafés em confecionarem uma alimentação que seja também mais equilibrada em termos ambientais e de saúde, ou o foco é apenas na redução do desperdício alimentar?
Na Too Good To Go disponibilizamos uma grande variedade de comida, desde chinesa, a japonesa, a tipicamente portuguesa, vegetariana, vegan, entre outras, pois o desperdício alimentar é transversal a todos os tipos e variedades de estabelecimentos. O nosso foco é essencialmente o da redução do desperdício alimentar pois é um tema que necessita de muita atenção; é necessário educar, sensibilizar e acompanhar todos os envolvidos. Para muitos estabelecimentos este já é um passo muito importante no sentido de práticas mais responsáveis e sustentáveis minimizando o impacto negativo do seu negócio. Contudo, tentamos sensibilizar tanto os nossos parceiros como os utilizadores para adoptarem outras soluções e outros hábitos cada vez mais sustentáveis.
Quais são as maiores preocupações que sentem por parte dos negócios que aderem à plataforma Too Good To Go?
Regra geral, os estabelecimentos assim que percebem o nosso conceito, e que os podemos ajudar num problema real e diário, elogiam-nos pela iniciativa e rapidamente abraçam esta missão, aderindo à nossa plataforma digital. Os nossos parceiros percebem que ao aderirem à nossa app podem optimizar o seu negócio, reduzir custos e, acima de tudo, ajudar a contribuir para um planeta mais sustentável, reduzindo a sua pegada ecológica.
E quais são as maiores preocupações do público que adere à vossa plataforma para adquirir as refeições?
A maioria das pessoas percebe que se trata de uma solução em que todos saem a ganhar. Ainda assim, o nosso maior desafio é o de estarmos a lidar com excedente alimentar, que ainda não é percepcionado de forma correcta por todas as pessoas. O nosso papel é também educar, esclarecer e ajudar nesse entendimento e fazemo-lo em toda a nossa comunicação. Inclusive, a nossa equipa de atendimento ao cliente é sempre muito dedicada e trabalha diariamente no sentido de ajudar tanto as lojas como os utilizadores com qualquer dúvida ou necessidade que tenham.
Quais são os mentores da Madalena no que toca à luta contra o desperdício alimentar?
Tenho muita admiração pela CEO da Too Good To Go, a Mette Lykke, por ser uma mulher inteligente, atenta, empreendedora e com uma enorme capacidade empática.
Qual é a principal motivação para levantar todas as manhãs?
A minha principal motivação é, sem dúvida, o facto de trabalhar numa empresa com propósito. Estamos a travar uma luta contra o desperdício alimentar e estamos a ter um impacto real na redução de emissões de CO2 emitidas para a atmosfera. Actualmente, a nossa app, a nível global, já conta com mais de 34 milhões de seguidores que já salvaram mais de 65 milhões de refeições que iriam ser desperdiçadas. Por cada quilograma de comida desperdiçada, são emitidos 2.5kg de CO2e para a atmosfera. Só em Portugal já evitámos mais de 1 Milhão de Toneladas de CO2e. Esta é a minha motivação.
Ser responsável por uma plataforma como a Too Good To Go exige uma dedicação 24 sobre 24 horas? Quando precisa de se desligar, em que tipo de atividades se foca?
Quem corre por gosto não cansa, e a verdade é que existe uma dedicação 24 sobre 24 mesmo quando esta não é necessária, exactamente por gostar tanto daquilo que faço, o que faz com que me seja difícil desligar. Algo que a Too Good To Go valoriza e incentiva bastante é o balanço entre trabalho e vida pessoal, pelo que enquanto cultura e política de empresa só posso elogiar. Quando desligo, adoro ter grandes almoços e jantares entre amigos e família (algo mais complicado durante o confinamento), fazer programas diferentes com o meu marido, ler, apanhar sol e conhecer novos lugares (estou deslumbrada com a quantidade de turismos rurais espectaculares que tenho vindo a descobrir que temos no nosso país!).
O que podemos esperar da Too Good To Go no futuro?
Podemos esperar um crescimento exponencial, uma comunidade cada dia mais forte, um impacto cada vez maior e um movimento cada vez mais visível. No futuro, a Too Good To Go quer estar lado a lado com cada vez mais marcas e cadeias nacionais a combater o problema do desperdício alimentar, assim como expandir para todos os distritos do país de maneira a poder salvar mais 1 milhão de refeições em Portugal ainda este ano.
A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em...
- Too Good To Go? Propósito
- A maior paixão? Aprender
- O maior receio? Unfulfilled potential (potencial não aproveitado)
- O que me move? Desafios
- A minha inspiração? O meu pai
- Um sentimento? Optimismo
- Um livro? Blue Ocean Strategy
- Um filme? Não tenho um específico, mas gosto de todos os que remetem para guerra, e melhor se forem baseados em histórias verídicas.
- Uma viagem? Brasil
- 2020? Mudança
- 2021? Francisca - A minha filha :)
- Futuro? Oportunidades
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