"O setor dos resíduos é muito opaco e necessita de ser mais transparente e inovador"

"O setor dos resíduos é muito opaco e necessita de ser mais transparente e inovador"

 

Como é a atual capacidade de reciclagem em Portugal (seja em termos de infraestruturas, máquinas existentes, possibilidades financeiras, etc.) comparativamente, por exemplo, com outros países da Europa?

Temos assistido, em Portugal a um quadro preocupante no que respeita ao cumprimento das metas de preparação para reutilização e reciclagem definidas para os próximos anos, assim como à meta de deposição em aterro, fruto também da pandemia da Covid-19 com impacto nos sistemas de gestão de resíduos urbanos.  

Na Valorsul, somos responsáveis pelo tratamento e valorização de cerca de 850 mil toneladas de resíduos urbanos produzidos por ano, tratados em 16 infraestruturas distribuídas pelos 19 Municípios da zona de Lisboa e região Oeste, servindo 1,6 milhões de habitantes. Toneladas de material que transformamos em energia e composto ou que separamos e tratamos para ser encaminhado para a indústria recicladora.

Temos trabalhado ativamente com o propósito de aumentar esta taxa, tendo alcançado resultados bastante positivos, e de forma consistente, ao longo dos 28 anos de existência da empresa. Desde 2016, crescemos 10% na recolha seletiva e investimos mais de 60 M€, com a ambição de melhorar e crescer.

Temos feito também um investimento contínuo na introdução de novas tecnologias, nomeadamente de Inteligência Artificial e de processos de deep learning, que nos tem permitido desenvolver soluções mais inovadoras no tratamento de resíduos urbanos, garantindo mais agilidade nos processos e eficiência da utilização dos recursos, tais como a sensorização do nível de enchimento dos nossos ecopontos, que permitirá uma otimização dos contentores, assim como tornar as rotas mais eficientes. A digitalização dos processos de triagem, recorrendo a leitores óticos que permitem a identificação do material e uma separação mais rápida e eficaz, também tem sido alvo de investimento na empresa.

Temos ainda muito para fazer, porque as futuras metas são muito ambiciosas. Recentemente, a Agência Portuguesa do Ambiente publicou o Relatório Anual de Resíduos Urbanos (RARU 2021), onde atualiza o reposicionamento de Portugal face às metas de preparação para a reutilização e reciclagem de resíduos urbanos, que passa a representar, em 2025, um valor mínimo de 55%, em peso, face ao total de resíduos urbanos produzidos. Uma meta ambiciosa, para a qual todos teremos de trabalhar: organismos públicos, privados, empresas e cidadãos. Apenas num esforço coletivo poderemos alcançar estes indicadores e colocar o nosso País na linha da frente entre os 27 Estados Membros com maior taxa na valorização de resíduos e utilização de materiais recicláveis. Lugar que ambicionamos, mas que ainda estamos longe de concretizar.

 

Como tem sido a alteração de hábitos das pessoas no que toca à reciclagem? Notam que há mais pessoas a reciclar ou menos? E as pessoas reciclam melhor agora do que há 20 anos?

Há, sem dúvida, mais pessoas a reciclar hoje do que em 1994, quando arrancámos com a nossa atividade. Os cidadãos estão hoje mais sensibilizados para esta temática, a Sustentabilidade está cada vez mais na ordem do dia, e as metas ambientais exigentes por parte da União Europeia e obrigações de circularidade têm conduzido a mudanças de comportamentos, muito fruto do trabalho que temos vindo a desenvolver ao longo dos anos, em parceria com os Municípios e as restantes concessionárias da EGF.

As campanhas de sensibilização ambiental têm tido um papel extremamente importante, mas temos comprovado que existe a necessidade de continuar esse trabalho, para chegar a mais cidadãos. Destacamos o lançamento da app Recycle Bingo, que está a ter um enorme sucesso, campanhas como “O Futuro do Planeta Não é Reciclável”, ou as ações de sensibilização dinamizadas nos Ecoeventos, ou em programas como o Ecovalor ou as Toneladas de Ajuda, em que premiamos o bom comportamento ambiental.

Para dar resposta às muitas dúvidas para as quais nem sempre temos respostas, implementámos a Linha da Reciclagem, um serviço de atendimento público, gratuito e nacional que foi criado para dar respostas eficazes ao cidadão, nomeadamente para responder a dúvidas, pedidos de informação, sugestões, reclamações, elogios e pedidos de serviço relacionados com a recolha seletiva e tratamento de resíduos urbanos.

Sabemos que a comunicação e a educação ambiental são essenciais para alcançar resultados, mas também sentimos que no futuro terá de existir uma participação mais ativa nesta área, que envolva toda a comunidade, assim como os stakeholders.

 

Porque é que cerca de 33% dos portugueses ainda não recicla?

Como referi, as campanhas de sensibilização que desenvolvemos junto das populações são muito importantes, mas é preciso criar o hábito de reciclar, seja através da proximidade, da facilidade, mas também da visibilidade do lixo que cada um de nós produz e quanto custa tratar. Cada português produz 1,5 kg de lixo por dia e tratar uma tonelada de lixo custou, em 2022, cerce de 120€. Este é um serviço que damos como adquirido, mas que tem um impacto muito negativo em termos ambientais, em termos económicos e financeiros para o Estado e, em especial, para os municípios.

Por outro lado, ainda há alguns mitos em torno da reciclagem que precisamos desmistificar. O setor dos resíduos é muito opaco e necessita de ser mais transparente e inovador.

Temos também de ir ao encontro de outro tipo de entidades, como empresas, que procuram ajuda na implementação de planos estratégicos de prevenção de resíduos, para também elas incentivarem à separação dos resíduos produzidos diariamente, por exemplo, em contexto laboral. Na pandemia foi evidente que as pessoas reciclam em casa, mas depois não o fazem em ambiente laboral.

 

O que acontece realmente aos resíduos que são colocados no ecoponto depois de passarem pela triagem? Quais são os diferentes caminhos que podem seguir?

A Valorsul, a EGF e as empresas concessionárias fizeram um investimento considerável nos últimos anos em infraestruturas e na recolha seletiva, para hoje poderem afirmar-se como uma referência no setor ambiental, com o objetivo de atingir uma economia circular, em que os resíduos que nos entregam sejam transformados num produto, energia, composto ou materiais reutilizáveis.

Todos os materiais que entram nos nossos centros de triagem passam por um processo de separação, mecânica e manual, que permite eliminar os contaminantes e obter um produto final com maior qualidade.

À semelhança das 3 cores dos ecopontos, também os nossos centros de triagem têm 3 fluxos de materiais: papel/cartão, embalagens de vidro e embalagens de plástico/metal. No caso das embalagens de plástico e metal, estas passam ainda por um processo de separação mais refinado e em várias categorias, nomeadamente PET (ex: garrafas de água e de refrigerantes), PEAD (ex: embalagens de detergentes), embalagens cartonadas (ex: embalagens de leite) e outros plásticos rígidos.

Depois de separados, estes materiais são compactados e enfardados, para serem enviados para a indústria da reciclagem.

No caso da Valorsul, os materiais depositados no ecoponto e que chegam aos nossos centros de triagem, mas que não são recicláveis, são considerados refugo e são encaminhados para a nossa Central de Valorização Energética, onde são incinerados e transformados em energia elétrica que é injetada na rede.

 

Quais os mitos mais comuns sobre a reciclagem? Quer aproveitar para desmistificá-los?

Desde logo é importante desmistificar que as embalagens provenientes dos ecopontos são todas misturadas no camião durante a recolha. Não é verdade. Os camiões que efetuam a recolha seletiva na área da intervenção da Valorsul são recolhidos por fluxo separadamente. Cada circuito de recolha destina-se a um tipo de material.

Outro mito muito comum, é que os materiais reciclados são de menor qualidade. Também não é verdade. Inclusive, o mesmo material pode ser reciclado mais do que uma vez sem perder qualidade. Os processos e a tecnologia têm evoluído bastante ao longo dos anos, e há já vários estudos que indicam, por exemplo, que o papel feito a partir de materiais reciclados cumpre padrões de qualidade muito elevados.

Mais um mito é o de que não são bem claros os benefícios da reciclagem para o Planeta. Pelo contrário, a poupança de recursos naturais é muito significativa e a poupança de energia na produção de novos materiais também.

Nesta matéria há, contudo, trabalho a realizar. Um dos principais contaminantes são os ditos resíduos orgânicos, ou seja, restos alimentares, pelo que é importante a sua recolha seletiva. Por outro lado, existem ainda materiais que não são recicláveis ou, pior, são apresentados ao consumidor como “materiais verdes”. Neste aspeto, é importante que o Governo promova, em termos de política setorial, um taxação negativa deste tipo de materiais.

 

Qual o peso efetivo da reciclagem no ambiente? E quais os seus efeitos positivos a longo prazo?

Como todos sabemos “O Futuro do Planeta Não é Reciclável”. Este foi o mote para uma das nossas maiores campanhas de sempre e um dos nossos grandes lemas. Só em Portugal são produzidos anualmente cerca de 6 milhões de toneladas de resíduos. Estamos a chegar a um ponto sem retorno, em que se não tomarmos medidas imediatas e efetivas, podemos comprometer definitivamente o nosso Planeta e a vida como a conhecemos. É tempo de agir, de incorporar comportamentos ambientais adequados, protegendo o planeta, reduzindo, reutilizando e reciclando.

A reciclagem é, de facto, um processo importantíssimo para que esta mudança se concretize. É necessário que os cidadãos compreendam que esta prática é fundamental para a conservação de recursos naturais e matérias-primas, para a proteção e preservação dos ecossistemas, para a redução dos resíduos que são encaminhados para os aterros sanitários e incineradoras, e também na economia de energia e redução dos resíduos.

A reciclagem, além de todos os benefícios ambientais, apresenta também inúmeros benefícios económicos, uma vez que quando valorizamos os materiais que rececionamos de forma adequada, estamos a acrescentar valor, reaproveitando e dando origem a novos produtos.

 

A ligação à sustentabilidade e à reciclagem sempre foi uma preocupação pessoal, ou houve um momento na vida da Marta que a fez tomar mais atenção às questões ambientais?

Quando somos pais e temos consciência que algumas das coisas que damos como garantidas podem não fazer parte da vida dos nossos filhos é difícil não alterarmos comportamentos. Mas não nego que a entrada na área de ambiente trouxe a nu uma realidade assustadora. Ver a quantidade e tipo de resíduos que entram diariamente nas nossas infraestruturas implica um abrir de olhos difícil de transmitir por palavras. A nossa pegada neste planeta não deveria ser tão negativa. Tentamos fazer o melhor nas nossas infraestruturas, mas o trabalho essencial vem de cada um de nós, quando decidimos o que compramos, o que deitamos fora.

Mas também um dos aspetos mais recompensadores de vir trabalhar para esta área foi encontrar pessoas que consideram ser a sua missão de vida melhorar o nosso planeta. E que se dedicam a este propósito, muitos deles há mais de 20 anos. Tenho aprendido muito.

 

Existe também o tratamento de outros resíduos que não são colocados no ecoponto, mas que podem ser reciclados. É o caso, por exemplo, dos Componentes e Utensílios Eletrónicos, Resíduos de Borracha, Sucata Metálica, entre outros. As pessoas procuram-vos para fazer o tratamento destes resíduos? Ou notam que o consumidor ainda não sabe que pode haver este tratamento, em vez de colocarem simplesmente no lixo comum?

Sim, as pessoas procuram a Valorsul em busca de soluções e esclarecimentos sobre os locais adequados para entrega de equipamentos elétricos e eletrónicos, e que são aceites nos ecocentros e pontos de receção.

O mesmo tem sucedido com os resíduos verdes, uma vez que existe uma maior consciência para a valorização deste tipo de resíduos, e têm chegado com maior frequência à nossa Estação de Tratamento e Valorização Orgânica.

No entanto, esta é claramente uma área onde pode haver muita melhoria, aumentando os locais de depósito, uma vez que o que temos aprendido é que os cidadãos reciclam mais e melhor se houver proximidade e facilidade.

 

De que forma o governo e/ou Câmaras Municipais se envolvem no processo de reciclagem? Há um caminho a percorrer em termos de legislação e/ou apoios para facilitar questões relacionadas com a reciclagem?

Como referi, a Valorsul trata e valoriza resíduos urbanos de 19 municípios da zona de Lisboa e região Oeste, representando 20% de todo o lixo doméstico produzido em Portugal, servindo 1,6 milhões de habitantes. Nos municípios da área metropolitana de Lisboa, a recolha seletiva é assegurada pelos próprios municípios, estando, contudo, a Valorsul a começar a assegurar essa recolha em algumas das freguesias dos munícipios da Amadora, de Loures e Odivelas.

As equipas municipais que trabalham nesta área são compostas por técnicos especializados, que estão muitas vezes mais próximas das populações, e procuram ouvir as suas necessidades, criando uma relação de proximidade apresentando soluções e incentivando à reciclagem. As mensagens e a sensibilização para a reciclagem, veiculadas através dos Ecoeventos ou de campanhas municipais, têm sido também determinantes.

A recolha de proximidade e a sensibilização da população são fatores essenciais para que se ambicione alcançar as futuras metas ambientais. Ambos os fatores implicam investimentos significativos que, cada vez mais, recaem maioritariamente nos municípios e, consequentemente, nos munícipes, através das tarifas. O serviço de resíduos é um serviço essencial, altamente regulamentado, que envolve uma miríade de entidades públicas. Há um significativo trabalho de transparência e simplificação a realizar. Por outro lado, Portugal tem um longo caminho a percorrer, sendo essencial que haja consciência do volume de investimento que tem de ser realizado e que será incomportável se apenas suportado pela tarifa. É imperativo que os embaladores assumam a sua quota parte de responsabilidade, base do princípio da responsabilidade alargada do produtor. O tema do financiamento do setor, por princípio deficitário, tem vindo a ser discutido há vários anos, sem que, contudo, haja uma definição clara do que necessita ser investido e quem assume esse custo. As novas metas não permitem que este tema permaneça indefinido, sob pena de estarmos condenados ao insucesso.

 

Quais os principais desafios para a Valorsul?

O mundo crescentemente volátil, incerto, complexo e ambíguo no qual vivemos, resulta de fenómenos tão díspares como alterações climáticas, escassez de recursos naturais, constrangimentos políticos, globalização, avanços tecnológicos e circulação de vírus letais, cujos impactos provocam, entre outros, aumento acelerado da urbanização, fenómenos migratórios permanentes, mudanças geográficas, sociais e demográficas, economias débeis, incremento de doenças do foro mental, instabilidade nos cidadãos e nas famílias.

Capacitar a Valorsul para os desafios do futuro, nas várias vertentes, sejam elas técnica e humana, cumprindo o seu propósito, de uma forma sustentável, é, sem dúvida, a nossa maior ambição.

 

O que podemos esperar da Valorsul no futuro?

No futuro, queremos continuar a crescer em todas as áreas de atividade, com a implementação de novas instalações e o crescimento da recolha seletiva e, consequentemente, do tratamento.

Iremos continuar a apostar em campanhas de sensibilização e comunicação, visando a mobilização dos cidadãos do Sistema para a melhoria do comportamento ambiental e prevenção da produção de resíduos, procurando manter sempre a qualidade e níveis de serviço, cumprimento dos objetivos de serviço público, indo ao encontro do esforço que a Valorsul tem efetuado nos últimos anos de um trabalho cada vez mais próximo e articulado com os nossos municípios e, consequentemente, com os cidadãos.

Procuraremos ainda fomentar uma proximidade elevada com os municípios e um espírito de equipa que nos permita ultrapassar com sucesso os desafios atuais e futuros, nos quais

se inclui a recolha e o tratamento dos biorresíduos, mantendo o elevado profissionalismo, inovação, eficiência e excelência.

 

A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em...

- Valorsul? Referência

- A maior paixão? Família

- O maior receio? Desistir 

- O que a move? Uma permanente insatisfação

- A sua inspiração? Os meus pais 

- Um sentimento? Amor 

- Um livro? Margarita e o Mestre, de Mikail Bulgákov

- Um filme? Great Expectations

- Uma viagem? Quirimbas

- 2021?  A capacidade humana de superar

- 2022?  O ter de explicar aos meus filhos a guerra

- Futuro? Uma oportunidade para melhorar