"A generalidade dos consumidores ainda não alterou de forma muito significativa os seus hábitos"

"A generalidade dos consumidores ainda não alterou de forma muito significativa os seus hábitos"

 

A SONAE MC, e por consequência o Continente, é líder do mercado de retalho em Portugal, e, portanto, tem assumido ativamente a responsabilidade de influenciar toda a cadeia de valor nas questões de sustentabilidade. Como apoiam os produtores, e que tipo de trabalho fazem junto deles, no sentido de adotarem práticas mais sustentáveis?

Para nós, na Sonae MC e no Continente, esse é um dos temas fundamentais. O que nós nos temos apercebido é que, se calhar, mais do que o nosso impacto direto, o nosso impacto indireto é que pode ser mesmo exponenciado. E, portanto, do ponto de vista da sustentabilidade em geral, a nossa perspetiva é tentarmos ser exemplares na nossa atuação e influenciar a cadeia de valor. E quando digo influenciar a cadeia de valor é, de facto, influenciar desde a produção até ao consumo. Se pensarmos, por exemplo, em produtos alimentares, em produtos frescos, que são um grande volume e o centro de gravidade do nosso negócio, o que nós fazemos é trabalhar muito com Clube de Produtores Continente ao nível da produção.

Temos muitos produtores nacionais que pertencem ao Clube de Produtores Continente; produtores de dimensões muito variáveis, desde o micro-produtor até ao grande produtor nacional, e temos inúmeras ações de intercâmbio, de capacitação, de formação, de sensibilização e de partilha de boas práticas entre produtores. Temos alguns eventos mais genéricos, newsletters, eventos presenciais (quando eram possíveis), etc. Temos um prémio de inovação instituído, temos um prémio sustentabilidade instituído. Para além disso, por exemplo, antes desta fase de pandemia, organizávamos workshops, organizávamos até visitas, em alguns casos ao estrangeiro.

Além de eventos plenários, temos também eventos setoriais, produtores de frutas e legumes, produtores de queijos. Portanto, temos aqui um enorme trabalho, especificamente com os produtores nacionais, no âmbito do Clube de Produtores Continente. Relativamente ao sourcing em geral, porque nós compramos desde produtos não alimentares na China até à maçã de Alcobaça, nós temos uma espécie de um guião de compras, que nós chamamos de “Compras Sustentáveis” ou “Compras Responsáveis”, com um conjunto de requisitos, alguns genéricos e outros setoriais, que colocamos aos nossos fornecedores.

Coisas mais ou menos óbvias: obviamente, não aceitamos nenhum fornecedor que empregue mão-de-obra infantil ou que não tenha boas práticas do ponto de vista da ética laboral, que não tenha boas práticas do ponto de vista ambiental, que não faça reciclagem, que não trate dos seus resíduos. Depois setor a setor, temos regras específicas. Em alguns casos, exigimos determinados tipos de certificações, seja do fornecedor, seja do produto e, portanto, aí varia de caso para caso. Isto do lado da produção.

Do lado do consumo, o que nós procuramos fazer, enquanto líderes em Portugal, é a procurar influenciar e também sensibilizar o consumidor para a necessidade de mudar alguns hábitos e ter algumas práticas mais responsáveis. Fazemo-lo relativamente aos hábitos, promovendo a reutilização de sacos para as frutas e legumes ou para a padaria, por exemplo, convidando o consumidor a reutilizar, em vez de utilizar o descartável, ajudando o consumidor na reciclagem com a iconografia para a reciclagem que estamos a colocar em todos os produtos de marca própria Continente. Depois temos também o lançamento da marca Continente Eco, com um conjunto de requisitos ambientais. Tudo isto é trabalhar também a sustentabilidade, não numa perspetiva direta da nossa atuação, nas nossas práticas, mas sim na perspetiva de influenciar o consumidor.

 

Sobre o Clube de Produtores Continente: o objetivo é garantir que os produtores sabem produzir de modo sustentável, evitar o desperdício alimentar, promover o aproveitamento dos subprodutos gerados, etc. Como é que tem funcionado? Notam que realmente os produtores têm feito progressos neste sentido?

Os progressos são realmente notáveis. Desde logo, o modelo de negócio que nós temos com os nossos produtores tem uma bondade grande do ponto de vista social e ambiental. Porquê? Nós normalmente trabalhamos com contratos de médio e longo prazo, ou seja, uma das grandes vantagens que os produtores têm em aderir a este clube é uma maior previsibilidade das suas produções, porque encomendamos logo a longo prazo determinados volumes de produção. Esta maior previsibilidade não só os ajuda do ponto de vista da sua eficiência, porque podem planear melhor a sua atividade, como minimiza claramente o desperdício.

Depois nestes eventos e em todo este processo de partilha e de capacitação, naturalmente surgem muitas, muitas oportunidades. Por exemplo, no último evento presencial que houve, nós criámos uma espécie de um marketplace no próprio local do evento para colocar produtores com potenciais clientes de subprodutos da sua produção, no sentido de ver oportunidades de compra e venda desses desperdícios ou desses subprodutos.

Estou a falar, por exemplo, de frutas fora do calibre, ou de produtos com pequenos defeitos que os tornem não atrativos para a grande distribuição e para o consumidor final, mas que tenham todos os requisitos, por exemplo, para serem transformados para um sumo ou para uma salada. Este é um exemplo concreto de algo que fizemos, e que fizemos a pensar na diminuição do desperdício no próprio produtor. Não é um problema direto nosso, mas naturalmente é um problema da cadeia e quanto mais saudáveis, quanto melhor funcionarem os nossos produtores também nós naturalmente ficamos felizes com isso, porque isso interessa a todos.

 

Por falar em desperdício, a Sonae faz atualmente parte do movimento Unidos contra o Desperdício. Quais as principais iniciativas que têm desenvolvido nesse sentido?

O desperdício, nomeadamente o desperdício alimentar, é um dos maiores problemas que nós temos do ponto de vista da nossa sociedade. Estima-se que, no mundo, cerca de 1/3 dos alimentos produzidos sejam desperdiçados. Isto é um número que, obviamente, nos deve envergonhar a todos. É verdade que o retalho representa uma pequena fatia desse desperdício. Na maior parte dos estudos, a percentagem de desperdício no retalho está abaixo dos 5%. No entanto, é também verdade que o retalho pode influenciar o desperdício. Nós temos um enorme track record de iniciativas de combate ao desperdício, desde as doações que fazemos há mais de 20 anos, desde as etiquetas cor-de-rosa, em que fomos pioneiros, e que já introduzimos há mais de 10 anos, que são um ótimo instrumento de combate ao desperdício.

Isto porque grande parte do desperdício (mais de 80% desperdício) verifica-se em produtos frescos, e a uma boa parte desse desperdício tem a ver com o atingimento da validade dos produtos. Assim, as etiquetas cor-de-rosa são nem mais nem menos do que um sinalizar de um produto: está bom, está ótimo, tem todos os critérios de qualidade, mas tem de ser consumido rapidamente. Evitamos que muitos milhões de euros em produtos frescos sejam desperdiçados todos os anos. Para além disso, temos, por exemplo, as caixas zero desperdício, que disponibilizamos sempre que existem produtos nessas circunstâncias. Nessas caixas vendemos frutas e legumes a um preço reduzido, porque são produtos que já estão mais próximos do seu final de vida. Tem tido uma enorme aceitação junto dos nossos clientes, o que mostra também que as pessoas estão dispostas a comprar produtos que não estejam perfeitos, desde que eu faça um preço justo.

Voltando à plataforma Unidos Contra o Desperdício, nós procuramos sempre a associar-nos a outras entidades e discutir estes temas em conjunto, porque algo que para nós é muito claro é que podemos potenciar o impacto do ponto de vista da sustentabilidade se colaborarmos e se partilharmos ideias com outras entidades. Portanto, por um lado, sentimo-nos muito orgulhosos de tudo aquilo que temos feito, mas, por outro lado, temos também a humildade para saber que todos os dias aprendemos com outros e é sempre muito interessante a partilha e a e a troca de pontos de vista, às vezes muito diferentes. E daí surgem muitas vezes boas ideias e boas soluções.

 

80% das compras do Continente são feitas a fornecedores nacionais. Numa época em que é muito importante o apoio à economia nacional, que esforços fazem atualmente para irem adicionando cada vez mais fornecedores nacionais à vossa carteira de clientes?

Nós tentamos sempre privilegiar os fornecedores nacionais. Temos inúmeros casos de fornecedores que, desafiados por nós, instalaram unidades de produção em Portugal, com um impacto indireto na economia muito grande. E só não fazemos em 100% dos casos, porque não existe essa oferta. No contexto da pandemia, a nossa ação foi ainda mais longe. A Sonae MC apoiou inúmeras instituições, desde bombeiros, a Cruz Vermelha, entre outros. Apoiamos sempre, mas reforçámos um conjunto de apoios, nomeadamente ao nível da saúde, com um conjunto de equipamentos e donativos para hospitais, porque naturalmente tivemos de nos associar a este movimento de solidariedade nacional.

A nossa ligação às comunidades é de facto muito grande. Nós temos uma capilaridade grande da nossa operação, temos centenas de lojas espalhadas por todo o território nacional, continente e ilhas, e temos uma proximidade muito grande. As doações foram feitas a mais de 1200 IPSS no ano passado e, portanto, este impacto é muito grande e nunca nos colocamos de fora deste esforço. E já que falamos da pandemia, não posso também deixar de realçar o trabalho enorme que as pessoas das nossas lojas tiveram, porque assegurámos sempre, através das lojas físicas e através do Continente Online, o abastecimento contínuo a toda a população portuguesa, mesmo naquelas alturas mais complicadas. Há uma palavra também a dizer aos nossos fornecedores, porque nós não conseguimos abastecer o consumidor português, se não formos abastecidos pelos nossos fornecedores; portanto, é um mérito que, obviamente, não é só nosso.

 

Atualmente, cerca de 60% do pescado comercializado nas vossas lojas é de origem em pesca sustentável ou aquacultura. O que significa que 40% ainda não é. Isto mostra-nos que ainda há dificuldades a ultrapassar no setor do retalho alimentar. Que barreiras ou dificuldades identifica dentro do setor, que impedem a transição para uma economia circular ou para hábitos mais sustentáveis?

Quando se refere que uma determinada percentagem dos produtos de pescado são de origem sustentável, não quer dizer que a restante percentagem não o seja. O que significa é que nós temos a certeza de que essa percentagem está assegurada porque auditamos, porque verificamos as certificações. Nós aqui temos de ser muito rigorosos e não podemos dizer que a percentagem é “mais ou menos isto”.  Isso é aquilo que está assegurado, mas não quer dizer que o restante não o seja.

Agora a verdade é que isto é um movimento que todos temos de fazer, e eu aqui destaco essencialmente o progresso. Claro que todos gostaríamos que a nossa sociedade já fosse perfeita e que toda a nossa atividade fosse completamente sustentável. Ainda não estamos lá, mas estamos a fazer um movimento de forma muito saudável e com muita ambição. Relativamente ao pescado, eu diria que somos o principal player na democratização do acesso ao consumo em Portugal. Tivemos o primeiro hipermercado que abriu no país, que foi o Continente de Matosinhos em 1985. Já lá vão muitos, muitos anos. Temos uma gama de produtos absolutamente única em Portugal, portanto, para um retalhista tão abrangente como é a Sonae MC e o Continente, nós temos produtos das mais diversas origens, até porque nem todo o peixe existe nas nossas costas e nem todo o peixe nós conseguimos capturar aqui na nossa periferia. Há um movimento a fazer e é normal que ainda não se tenha conseguido assegurar os 100%, mas está-se a trabalhar no sentido de acelerar ao máximo este processo e não tenho dúvidas de que estas percentagens continuarão a subir.

 

O Continente dispõe atualmente de diferentes tipos de sacos e embalagens reutilizáveis que os clientes podem utilizar nas lojas. Nota que os consumidores alteraram os hábitos em relação aos descartáveis, e que há cada vez mais uma procura destas alternativas?

Os consumidores estão a alterar os seus hábitos, mas, em boa verdade, isto está a ser feito de forma muito lenta pela parte do consumidor. Há um nicho de consumidores que verdadeiramente incorpora estas preocupações com sustentabilidade nos seus hábitos de consumo, e é um nicho crescente, mas continua a ser um nicho. Para a esmagadora maioria das pessoas há uma preocupação crescente, mas que se manifesta ainda de forma discreta. Nós verificamos que a reutilização de sacos, por exemplo, nas frutas e legumes e na padaria ainda é reduzido.

De facto, é um número crescente, mas temos de pôr os pés assentes na Terra e ser verdadeiros: a generalidade dos consumidores, apesar de mais sensíveis ao tema, ainda não alterou de forma muito significativa os seus hábitos. Também temos de perceber que nós vimos de umas décadas em que nos habituámos a privilegiar a nossa comunidade, em que se reforçou uma cultura do descartável e, portanto, é normal que os hábitos não se modifiquem de um dia para o outro. Mas eu prefiro pegar nisto pela positiva e dizer que sim, há um movimento crescente de consumidores a alterarem os seus hábitos e a procurarem hábitos cada vez mais sustentáveis.

 

Recentemente criaram também uma linha ecológica (gama Continente Eco), com vários tipos de produtos (detergentes de limpeza da casa, por exemplo). Qual foi o objetivo? E quais foram os desafios de criar esta linha?

O principal objetivo foi, de facto, ter aqui um conjunto de produtos que consideramos o best in class do ponto de vista da sustentabilidade. Na verdade, nós já tínhamos alguns produtos, mas a proposta de valor ainda era um bocadinho difusa e o que fizemos foi definir um conjunto de requisitos muito claros por tipologia de produto, para conseguirmos de uma forma simples passar esta proposta de valor ao consumidor. Quando vê um produto da marca Continente Eco, sabe que dentro daquela categoria é o melhor produto possível do ponto de vista ambiental. Essa foi a grande preocupação e, na sequência daquilo tudo que já temos vindo a fazer, para procurar ter uma oferta cada vez mais sustentável.

Para dar um exemplo que nem tem a ver exatamente com a marca Continente Eco: estamos a trabalhar na reciclabilidade das nossas embalagens todas (de marca própria e marcas exclusivas). Atingiremos os 100% em 2025 e neste momento estamos nos 73%. Estamos a eliminar os micro plásticos em todos os produtos de marca própria; já não temos qualquer produto nas áreas de higiene e beleza com qualquer tipo de micro plástico. Isto faz parte de uma estratégia muito forte do Continente que quer reforçar a sua posição como líder também nos temas da sustentabilidade em Portugal.

 

Quais são os objetivos de sustentabilidade da Sonae MC a longo prazo, e para onde pretendem caminhar?

Nós na Sonae temos cinco temas que consideramos prioritários: as alterações climáticas, os plásticos, a natureza e a biodiversidade, as desigualdades e o desenvolvimento inclusivo e os apoios às comunidades. Estes são os temas prioritários para a Sonae, que se desdobra num conjunto de metas e de objetivos nas diversas empresas do grupo. Temos naturalmente a preocupação da cadeia de valor, mas tudo resulta destes sistemas. Neste momento, para além da definição destes modelos de atuação, estamos a definir um conjunto de objetivos muito concretos para cada uma dessas áreas de atuação. Por exemplo, é sabido que temos o objetivo da neutralidade carbónica em 2040. Temos também um objetivo de rapidamente chegarmos aos 40% de mulheres em posições de liderança na Sonae; neste momento estamos entre os 36 e os 37%. Temos ainda metas para os plásticos, e em outras áreas de atuação ainda estamos a definir metas. Nós somos muito orientados aos resultados e gostamos muito de trabalhar com base em objetivos concretos e perseguirmos esses objetivos nas diversas áreas de atuação.

 

A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em...

- Sonae? Confiança
- A maior paixão? Família
- O maior receio? Alturas
- O que me move? Trabalhar por objetivos, nomeadamente os objetivos que temos neste momento em prol da sustentabilidade
- A minha inspiração? Há muitas pessoas que me inspiram, mas se tiver de escolher só uma, Nelson Mandela
- Um sentimento? O amor é sempre o sentimento mais importante
- Um livro: um que estou a ler neste momento, o “The Responsible Company”
- Um filme: Citizen Kane
- Uma viagem: uma das últimas que eu fiz, que foi muito marcante, foi à chamada América Profunda
- 2020? Wake up call
- 2021? O primeiro ano do resto das nossas vidas
- Futuro? Não sei como será, mas será certamente junto ao mar