"O mais sustentável é aquilo que já temos no nosso armário"

"O mais sustentável é aquilo que já temos no nosso armário"

 

Rita Gomes é a fundadora da Circular Wear. Estivemos à conversa com ela e falámos sobre como começou a Circular Wear e a sua missão, o impacto da fast fashion no ambiente, as verdadeiras intenções das coleções conscious de grandes marcas, as vantagens de comprar roupa em segunda mão e muito mais.

 

A Circular Wear é um movimento de economia circular, que visa criar uma comunidade que se une em torno da mesma missão: reduzir o impacto da indústria da moda. Como surgiu este movimento? E qual a história e os objetivos por trás da Circular Wear?

A Circular Wear surgiu quando, após muitos anos de apenas adquirir roupa em segunda mão e organizar encontros de trocas entre amigas, pensei que seria interessante promover este estilo de vida e escolhas sustentáveis a toda a comunidade à minha volta.

Durante 5 anos a viver em Londres, sendo inspirada por todas as lojas de roupa em segunda mão e tornando-me consumidora das mesmas, era bastante gratificante saber que as minhas escolhas estavam não apenas a reduzir o meu impacto ambiental, como também a apoiar projetos de organizações sociais e comunitárias.

A utilização de roupa em segunda mão é algo que tem gerado cada vez mais interesse, mas durante alguns anos era quase impensável. Em algum momento sentiste que a criação da Circular Wear não estava a ser bem recebida ou compreendida (seja por parte da comunidade ou de pessoas mais próximas)?

O movimento da escolha em segunda mão é algo que, desde o início do projeto, percebemos ser muito gradual. Talvez a perceção mais comum, no que respeita à CW e à sua missão, e que não está alinhada com o que pretendemos promover, era a de que éramos um projeto social que pretendia dar resposta a quem precisava de roupa e não a podia adquirir, quando o nosso propósito é aumentar a consciência ambiental nas nossas escolhas de vestuário para que, podendo comprar roupa nova, escolhamos não o fazer. Já existe muita resposta para a população que precisa de roupa por ter uma situação financeira desfavorável. O nosso movimento é precisamente o de alterar comportamentos: mostrar que é possível vestirmo-nos sem contribuir para as empresas de fast-fashion e toda a pegada que estas implicam.

As modas vão e vêm, e com elas, as marcas de roupa produzem milhares de peças de vestuário que são usadas apenas durante uma determinada época. Pode-se dizer que já não vestimos roupa, mas antes que consumimos roupa?

Sem dúvida, existe um consumo que está muito associado ao facto de existirem estações inventadas pelas marcas de roupa, apenas para que possam ser lançadas novas coleções. Nós como consumidores temos o imenso poder de, com as nossas compras, fazermos ouvir a nossa voz e tomada de posição.

A indústria da moda vive, exatamente, de criar “modas” e fazer com que as pessoas queiram mudar o seu guarda-roupa a cada estação. Como é que se combate essa necessidade que, não sendo real, foi implementada nas nossas mentes pela indústria?

Com sensibilização, criação de movimentos, de uma comunidade e, principalmente, através de uma partilha de informação acerca da indústria da moda. Acreditamos que, no geral, quando os consumidores têm conhecimento do quão nociva esta indústria é, as suas escolhas são influenciadas, e pouco a pouco o mundo muda. :)

Ainda não há muitos anos (no tempo dos nossos avós e bisavós), a norma era reaproveitar tudo até ao máximo. Íamos aos sapateiros arranjar solas, íamos à costureira para coser buracos... O fácil acesso que temos agora a roupa barata, leva a que compremos muito mais roupa do que aquela de que precisamos e, inclusive, do que aquela que usamos! É também por isto que acabamos por comprar novo em vez de restaurar o que já temos e que se estragou?

O acesso a todo o estilo de roupa nas marcas de fast-fashion por um valor muito baixo faz com que a população consuma sem qualquer dificuldade ou mesmo reflexão.

Já existem muitos documentários, livros e notícias a relatar a forma como muitas das roupas de fast fashion são feitas, que acabam por ser negativas para o ambiente e para as pessoas. No entanto, vemos que continua a ser a principal forma de adquirir roupa. Acreditas que se trata de um caso de “longe da vista, longe do coração”?

Contribui sem dúvida para que as escolhas dos consumidores sejam pouco sustentáveis. A ausência de informação neste campo é algo que temos, juntos, de combater. A CW pretende também promover a divulgação de informação para que exista uma mudança de hábitos de consumo.

São precisos mais de 2.600 litros de água para fazer uma t-shirt. Tendo em conta que a água é um bem essencial e escasso, não deveria ser esta uma razão para mudarmos já a nossa forma de consumo de roupa?

Claro que é importante termos esta consciência. Porém, a mudança desta realidade está totalmente na alteração de sistemas de produção e principalmente numa reestruturação no que respeita a legislação e medidas governamentais. O consumidor, apesar de poder mostrar o seu descontentamento e a sua não concordância com o que existe em vigor, não pode ser culpabilizado. Não pretendemos incutir uma eco-ansiedade com base na ilusão de estar a poupar litros de água quando não se adquire uma peça de roupa, mas sim fornecer esta informação para que se possam fazer escolhas mais conscientes.

Os Swap Spots são uma das estratégias da Circular Wear para promover a partilha e a troca de roupa, consistindo num verdadeiro roupeiro coletivo. Como funcionam e onde os podemos encontrar atualmente?

Os Swap Spots são de livre utilização e estão sempre disponíveis de acordo com o horário de funcionamento de cada entidade que os implementa. Todas as pessoas podem deixar peças de roupa que não utilizem, e levar outras de que gostem. Por haver uma rede, podem deixar peças num local e levar peças de um outro, de acordo com o que encontram e aquilo de que gostem. Atualmente existem em Lisboa, Torres Vedras e Porto e os locais podem ser encontrados no nosso website.

Como tem sido a adesão da comunidade aos vossos Swap Spots?

Bastante positiva e com um crescimento desta comunidade linda! Os Swap Spots contribuem também para dar a conhecer os locais que os acolhem entre a nossa comunidade. Temos entidades que, quando implementam o Swap Spot, têm visitas de pessoas que nunca tinham conhecido o local e que se dirigem para trocas, aproveitando para conhecer o espaço.

Quem sentem que tem mostrado mais interesse pelos Swap Spots? Empresas, indivíduos, Juntas de Freguesia e/ou Câmaras Municipais?

Maioritariamente entidades privadas, que têm um espaço em funcionamento: co-works, cafés, hostels, mas também universidades, como é o caso da NOVA.

Para além dos Swap Spots, de que outras formas a Circular Wear promove a troca de roupa e o uso de roupa em segunda mão?

Organizamos também mercados de trocas de roupa e temos uma parceria fixa com a Cooperativa Rizoma em Arroios, Lisboa. Neste local temos mercados de trocas a acontecer durante todo o ano, em datas que são promovidas nos nossos canais online, e que variam de estação para estação. Para além destes, são organizados mercados de acordo com os pedidos e as parcerias que vão surgindo.

Têm sido várias as marcas de fast fashion a afirmar-se como sustentáveis, por lançarem novas coleções “conscious”. Até que ponto pode ser considerado ecológico este lançamento, visto que implica a produção de mais peças de roupa?

A nossa posição é a de que o mais sustentável é aquilo que já temos no nosso armário. Falar em novas coleções sustentáveis é algo complexo, dado que toda a produção que existe atualmente é nociva para o planeta. É importante ter esta consciência para que, quando compramos algo, saibamos de onde vem e qual o seu impacto. Esta transparência não existe no mundo da moda e a noção de sustentável é enganadora, contribuindo para que o indivíduo continue a consumir.

Faz sentido comprar coleções “conscious” das marcas de fast fashion, apoiando o seu negócio não-sustentável, mas demonstrando assim que o mercado quer apostar em opções mais ecológicas, ou faz mais sentido largar definitivamente essas marcas e optar por opções em segunda mão, slow fashion, etc.?

Se o objetivo é de facto reduzir o nosso impacto, sem dúvida que a melhor opção é sempre segunda mão, sim.

O poder da mudança na indústria da moda está nas mãos de quem? Do consumidor, das marcas ou do governo?

Todos têm um papel ativo nesta mudança. Temos de ter a consciência, porém, de que existe um privilégio de acesso a informação, poder de compra, e opção por artigos que está ligada a fatores sociais e económicos no que respeita ao consumidor. Por exemplo, grande parte da população está muito ocupada em tentar sobreviver e sustentar uma família, não tendo tempo, e muitas vezes disponibilidade mental, para esta preocupação com o ambiente, entre outros fatores. É essencial a implementação de medidas governamentais em que a legislação possa ditar o que as marcas produzem, em termos de quantidades, qualidade, transparência e comunicação dos seus produtos.

Têm sido cada vez mais as apps e lojas de roupa em segunda mão e, aparentemente, a adesão por parte do público em geral. Podemos dizer que estamos perante uma mudança nos hábitos de consumo ou ainda temos um longo caminho pela frente?

Estamos, sem dúvida, perante uma mudança de hábitos de consumo que, apesar de ter chegado, ainda é lenta e precisa de muito trabalho e divulgação. Quanto mais opções existirem, mais a população se vai habituando a ver as suas compras de uma forma responsável. Uma das mensagens que gostamos de passar é a de que uma comunidade de partilha e trocas não pode ser vista como uma opção de “destralhar” o armário para que se possa comprar mais peças novas. Este é um caminho lento, mas que temos muito empenho em continuar a promover.

De que forma é que a indústria da moda se pode transformar, mantendo-se uma indústria rentável, mas sendo mais sustentável e ecologicamente consciente?

Acreditamos que a primeira medida seria, sem dúvida, uma monitorização e legislação para combater a produção excessiva.

O que podemos esperar da Circular Wear no futuro? Quais os principais objetivos?

A Circular Wear vai continuar a ter disponível o formato de implementação de pontos de trocas fixos: os Swap Spots, que todos podem criar, bastando apenas entrar em contacto com a nossa equipa, que partilha a metodologia e material para fazer acontecer. Os mercados de trocas em vários locais podem também ser consultados nas nossas redes sociais.

A primeira coisa que te vem à cabeça quando pensas em...

- Circular Wear? Partilha

- A maior paixão? Colaboração

- O maior receio? Falta de informação

- O que te move? Sinergias

- A tua inspiração? Família

- Um sentimento? Esperança

- Um livro? Animal Farm

- Um filme? The True Cost

- Uma viagem? Índia

- 2021? Resistência

- 2022? Libertação

- Futuro? Otimismo :)