Espelho meu, espelho meu

Espelho meu, espelho meu

 

OS ESPELHOS ANDANTES DOS GRAÚDOS

Há algo que poderás ter lá por casa que reflete quem tu és. Olhas e vês-te. Moves-te e move-se contigo. Reproduz e revela quem tu és. Uma versão de ti mesmo sem o ser.

Poderia estar a falar de um ESPELHO. Mas não estou. Se bem que o efeito não será muito distinto. Refiro-me a seres irrequietos que nos observam mais ainda do que um espelho à nossa frente. Pequenas réplicas dos graúdos que percorrem a casa e reproduzem os nossos hábitos e maneirismos: umas com os saltos altos da mãe, outras que falam “bebês” ao telefone, ou que fazem de almofadas volantes e de nenucos os seus queridos filhos. Mais óbvio do que isto só se for o ‘brincar aos pais e às mães’.

Será que não deveríamos aproveitar este instinto mímico tão curioso das crianças para fazê-las replicar pequenos gestos para um bem maior? Afinal, ‘é de pequenino que se torce o pepino’, não é verdade?

 

NOVOS ARQUITETOS DO MUNDO

Já sabemos que as crianças são o futuro do nosso planeta e é nelas que está a esperança de que a casa onde todos nós vivemos se mantenha erguida por muitos mais anos, para que ela possa dar a oportunidade a outras vidas de lá entrarem. O problema é que nos últimos anos temos andando a martelar nos pilares. E depois esperamos que as crianças venham atrás de nós tapar as fissuras que nós abrimos? Se calhar, neste momento, não haverá muitas mais hipóteses. Mas depois de remendar o que ficou no passado, o objetivo será pôr mãos à obra hoje para amanhã ver erguido um novo futuro.

 

NOVOS ATORES EM PALCO

Não precisamos de transformar as crianças em ecologistas de palmo e meio, mas podemos convidá-las a aprender mais sobre sustentabilidade e a educá-las de forma a que tomem consciência dos seus atos. No fundo, proporcionar-lhes um palco onde poderão ensaiar continuamente, para que um dia se possam tornar verdadeiros atores. O nosso papel é escrever-lhes um bom guião para que mais tarde possam representar e ser aplaudidos.

 

HERANÇAS E MUDANÇAS

Durante várias gerações se tem vindo a partilhar a ideia de que a ‘educação vem de casa’ e a verdade é que, de facto, as crianças se moldam de acordo com as atitudes, posturas e exemplos dos pais.

Eu posso falar por mim. Desde pequenina fui habituada a respeitar os outros. E se era suposto respeitar os demais, não podia desrespeitar o espaço que era comum a todos: não deitar lixo para o chão, poupar água, desligar as luzes quando já não são necessárias, reciclar... No fundo, uma série de ensinamentos que para nós nos parecem tão ridiculamente simples e de senso comum. Mas o senso comum é isso mesmo: uma herança cultural que tem a função de nos orientar para vários aspetos da nossa vida.

Ter presentes estas lições fizeram-me estar mais atenta ao que me rodeava. E por vezes isso significou que eu, mesmo quando era ainda um pequeno pigmeu, lançasse um olhar mortífero à pessoa que deitasse lixo para o chão, mesmo que se tratasse de ¼ de invólucro de pastilha elástica Gorila (p.s.: se não conheces esta marca não tiveste infância).

 

OS 3 E’S: ENSINAR, EXPLICAR, EXEMPLIFICAR

As crianças, desde cedo, precisam de uma bússola que as oriente num mundo que vai apresentando diariamente realidades que lhes são ainda desconhecidas. Mas não adianta aconselhá-las a tomar certas decisões sem explicar uma razão lógica para tal e sem exemplificar devidamente.

‘Porque é que tenho de ir para a cama tão cedo? Porque é que eu não posso ir ao cinema com a mana? Porque é que o pai tem barba e a mãe não?...’ Todos nós conhecemos esta fase, correto? A inevitável ‘idade dos porquês’. Se talvez responder a estas perguntas não seja fácil, há coisas cuja explicação é relativamente simples.

Encontras o bibelô lá de casa empoleirado no banquinho da casa de banho a lavar os dentes e reparas que, enquanto faz movimentos circulares vigorosos e meio trapalhões, deixa a torneira aberta. Como queres evitar que ele faça correr o equivalente às cataratas do Niágara, das duas uma: ou limitas-te apenas a fechar a torneira e vais embora, ou resolves fechá-la, explicar o porquê, e exemplificas.

Vais buscar uma bacia e colocá-la no lavatório, abres a torneira e começas também a lavar os dentes. Dentes lavados e começa a lição: “É muito importante poupar água porque ela é um bem precioso. Estás a ver a quantidade que está aqui dentro? Podíamos tê-la utilizado para regar as plantas, lavar loiça ou limpar o chão, em vez ter ido pelo cano abaixo sem ter sido utilizada. Entendes?’

 

ELAS APRENDEM, MAS TAMBÉM ENSINAM

Num planeta governado por adultos, há crianças que parecem ter atingido um nível de maturidade e compreensão suficientes para serem elas a ensinar aos “mais crescidos” que não existe um planeta B: “Como os nossos líderes se comportam como crianças, nós teremos de assumir a responsabilidade que eles deveriam ter assumido há muito tempo”, afirmou Greta Thunberg, uma jovem sueca conhecida por protestar às portas do parlamento para combater as alterações climáticas e que inspirou movimentos que se ampliaram à escala mundial.

Por vezes, parece que os estudos científicos e os movimentos ambientalistas levados a cabo por mulheres e homens feitos não são suficientes para alterar as atitudes e hábitos pouco ecológicos. Mas um vídeo de um choro sincero e ofegante de um menino de 6 anos tornou-se viral e emocionou o mundo. O pequeno Henry Marr, depois de ter assistido a um vídeo na escola sobre como as pessoas têm vindo a prejudicar o planeta, partilhou com a mãe, entre soluços e lágrimas, o que tinha visto e criticava a falta de consciência ambiental da sociedade: “As pessoas precisam de pensar no que estão a fazer ao planeta, com os animais. Elas estão a ser muito más. (...) Eu posso chamá-las de pessoas idiotas. Ou talvez até usar um palavrão. Vou tentar lutar contra elas, quando eu for grande. Eu queria ser um adulto, eu queria fazer o meu trabalho agora”.

 

PARA MIÚDOS E GRAÚDOS

Os pequeninos são os herdeiros da Terra. Por isso, repensar ações diárias é fundamental na educação das crianças, já que precisam de desenvolver, desde cedo, uma postura responsável para que possam ter hábitos conscientes na vida adulta. É importante consciencializá-las e ensiná-las, explicando e exemplificando, mas dando-lhes também a oportunidade de fazer o mesmo com aos adultos. Afinal, elas são o nosso espelho, mas também a nossa inspiração.

As crianças são os adultos de amanhã. Mas elas vivem e recriam-se aqui e agora.