O que é a Ecologia Profunda?

O que é a Ecologia Profunda?

 

Apesar de as preocupações ambientais serem agora o tema do dia, há muito que são já discutidas por cientistas e ativistas. O efeito de estufa já é discutido desde o século XIX, pois nos últimos nos últimos 150 anos, as atividades humanas têm vindo a libertar quantidades crescentes de gases de efeito estufa na atmosfera; o aumento da temperatura global iniciou-se no final dos anos 1800s, e tem vindo a escalar até agora.

Seguindo esta lógica, é normal reconhecer que as ideologias ligadas ao ativismo ambiental e à ecologia apenas agora ganharam verdadeiramente tração, mas já são faladas há várias décadas por diferentes pessoas, de diferentes áreas, e com movimentos muito distintos a surgirem.

Em plena década de 70, nasce uma das ideologias ambientais menos conhecidas, mas que é, ao mesmo tempo, das que mais gerou polémica ao longo dos anos: a Ecologia Profunda.

 

A ECOLOGIA SUPERFICIAL

Para conhecermos o conceito de Ecologia Profunda, temos antes de conhecer quem o criou, e o porquê. A Ecologia Profunda nasce em 1972, a partir do filósofo norueguês Arne Næss. Além da sua carreira académica, enquanto professor de filosofia, Næss especializou-se em problemas ambientais, e sempre teve um gosto especial pela natureza, graças ao seu hobby de montanhismo. Apesar de durante toda a sua vida ter tido um carinho especial pelo mundo que o rodeava, e de se ter mantido sempre atento às mudanças negativas que começavam a assombrar o nosso planeta, foi apenas em 1972, ao participar numa conferência, que acabou por mencionar pela primeira vez a ideia de “Ecologia Profunda”.

Næss utilizou este termo como sendo um oposto da ecologia que era praticada na década de 70; de acordo com o filósofo, a maioria dos ativistas focava-se numa “ecologia superficial”. Segundo ele, este movimento funcionava da seguinte forma:

       • A preocupação demonstrada com problemas ambientais como poluição, sobrepopulação e conservação é derivada apenas do facto de esses problemas terem um impacto negativo nos interesses humanos;
       • Existe um foco no antropocentrismo, ou seja, a crença de que os seres humanos são a entidade central ou mais importante do universo. Desta forma, a humanidade é vista como entidade separada da Natureza, sendo superior a ela, e outras entidades (animais, plantas, minerais) existem apenas como recursos para os humanos utilizarem;
       • As soluções apresentadas para os problemas ambientais são demasiado industriais e/ou tecnológicas, baseando-se maioritariamente em reciclagem, standards de eficiência de combustíveis para automóveis, etc.

Næss vê então esta ecologia superficial como perigosa para o ambiente, pois não existem preocupações verdadeiras com o estado da natureza, e o ponto central de todas as alterações de hábitos vão dar a questões tecnológicas. Para combater este movimento, Næss propõe a criação de um novo movimento ecológico chamado Ecologia Profunda.

 

A ECOLOGIA PROFUNDA

Na base deste novo movimento está uma alteração da forma de ver o papel dos seres humanos no meio ambiente. Enquanto a natureza pode ser vista para muitos como algo a ser explorado para benefício da humanidade, devemos antes mudar essa perspetiva e reconhecer a natureza como tendo um valor inerente, que deve ser respeitado.

Se o antropocentrismo vê o Homem como o centro do planeta (e do universo), a Ecologia Profunda sugere antes que nos guiemos por uma cosmovisão ecocêntrica (centrada na ecologia) ou biocêntrica (centrada na vida). Neste sentido, a humanidade não deve ser vista como um ser superior à natureza, mas sim como um elemento que faz parte dela; e, dessa forma, devemos proteger toda a vida na Terra como protegeríamos a nossa família ou nós mesmos. Não existe espaço para espécies superiores, e pratica-se um “igualitarismo biocêntrico”, em que cada entidade natural é inerentemente igual a outra entidade natural.

Apesar deste discurso, a Ecologia Profunda não vê o ser humano como inerentemente mau para a Natureza; durante milhares de anos, comunidades indígenas popularam a natureza e mantiveram sociedades estáveis e sustentáveis, provando que sociedades humanas não têm de ser necessariamente destrutivas. Neste sentido, não defende a conservação da natureza, mas sim a não-interferência com a diversidade natural exceto para necessidades vitais, como explicaremos mais à frente.

A Ecologia Profunda também se diferencia de outros movimentos ambientalistas ao apontar a luz para questões metafísicas, epistemológicas e de justiça social. Por esse motivo, o movimento tem diferentes tipos de seguidores:

       • As ecofeministas mencionam que o androcentrismo (foco na experiência masculina como sendo universal a todos os seres humanos, sem dar o reconhecimento completo à experiência feminina), que é mais específico do que o antropocentrismo, é a verdadeira causa para a degradação da natureza. A sociedade, que é tradicionalmente patriarcal, tem ideais androcêntricos que são responsáveis pelo esforço de dominar a natureza – da mesma forma que os homens tentaram, ao longo dos séculos, dominar as mulheres.
       • Os ecologistas sociais sustentam que os problemas ambientais são resultado de uma hierarquia autoritária (responsável também por questões de racismo, sexismo e classismo). Questões como o aquecimento global ou extinção de espécies são resultado de uma estrutura social em que apenas alguns desfrutam de poder real, enquanto a maioria permanece impotente para fazer alguma mudança com significado.

 

OS PRINCÍPIOS DA ECOLOGIA PROFUNDA

Em 1984, doze anos depois da primeira menção pública de Ecologia Profunda, Arne Næss e o seu colega americano George Sessions publicaram a “Plataforma da Ecologia Profunda”, um texto em que se apresentavam oito princípios gerais:[1]

1. Valor inerente: “O bem-estar e o florescimento da vida humana e não humana na Terra têm valor em si mesmos (sinónimos: valor intrínseco, valor inerente). Esses valores são independentes da utilidade do mundo não humano para fins humanos.”
2. Diversidade: “A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a realização desses valores e também são valores em si mesmos.”
3. Necessidades vitais: “Os humanos não têm o direito de reduzir essa riqueza e diversidade, exceto para satisfazer necessidades vitais.”
4. População: “O florescimento da vida humana e das culturas é compatível com uma diminuição substancial da população humana. O florescimento da vida não humana requer tal diminuição.”
5. Interferência humana: “A atual interferência humana no mundo não humano é excessiva e a situação está a piorar rapidamente.”
6. Mudança de políticas: “As políticas devem, portanto, ser alteradas. Estas políticas afetam as estruturas económicas, tecnológicas e ideológicas básicas. O resultante estado das coisas será profundamente diferente do presente.”
7. Qualidade de vida: “A mudança ideológica consiste principalmente em valorizar a qualidade de vida (habitar em situações de valor inerente) em vez de aderir a um padrão de vida cada vez mais elevado. Haverá uma profunda consciência da diferença entre grande e grandioso.”
8. Obrigação de agir: “Aqueles que subscreverem os pontos anteriores têm a obrigação direta ou indireta de participar na tentativa de implementar as alterações necessárias.”

 

Estes princípios gerais devem servir de ajuda para que cada pessoa possa articular as suas próprias posições ecológicas, e servem de guia para estabelecer a Ecologia Profunda enquanto movimento.

Apesar de a Ecologia Profunda ser mais focada numa visão filosófica e teorética da Vida, Næss e Sessions ainda oferecerem publicamente algumas ideias de políticas que deveriam ser aplicadas:

       • Aumentar as áreas de reservas naturais, e apoiar a conservação das áreas de natureza já existentes, para que animais e plantas possam viver sem envolvimento humano;
       • Crescimento económico nas sociedades industriais não é sustentável e prejudica o ambiente;
       • Um sistema económico diferente deveria substituir o capitalismo, já que a mercantilização da natureza coloca a biosfera em perigo crítico;
       • Uma diminuição da população humana é necessária para reverter os problemas ambientais. Sem combustíveis fósseis (um dos grandes problemas atuais), a população humana ideal na Terra seria de 0,5 mil milhões[2], 9,5 vezes menos do que a população em 1984 e 15,7 vezes menos do que a população atual.

 

AS DIFICULDADES DO MOVIMENTO

Atualmente, existem duas principais críticas ao movimento de Ecologia Profunda, que o impedem, de certa forma, de fazer progressos na área da sustentabilidade.

Por um lado, a Ecologia Profunda é vista como misantrópica (que tem aversão ao ser humano e à natureza humana no geral). O ecologista social Murray Bookchin foi dos primeiros a fazer esta interpretação, dizendo que existe um grande risco para a aprovação de medidas que violam os direitos humanos, e que podem levar a genocídios, com a ‘desculpa’ de que seria para bem da Natureza. Por outro lado, a sociedade proposta pela ecologia profunda é vista como verdadeiramente utópica, no sentido em que seria quase impossível, nos dias de hoje, voltar aos estados de natureza desejados pelo movimento.

Como sempre defendemos, acreditamos que um equilíbrio saudável é a resposta para muitos dos problemas de sustentabilidade. Enquanto a ideologia de Næss possa ter alguns pontos impossíveis de realizar e visualizar, existem pequenos pontos que todos devemos ter em consideração ao lutar por um planeta melhor; especialmente a ideia de que toda a vida na Terra tem, intrinsecamente, o mesmo valor, seja ela humana ou não. E tendo isso em consideração, devemos protegê-la da mesma forma que protegemos os outros seres da nossa espécie.

 

[1] Fonte: https://www.uwosh.edu/facstaff/barnhill/ES-243/pp%20outline%20Deep%20Ecology.pdf

[2] Fonte: Deep Ecology for the Twenty-First Century – George Sessions

 

OUTRAS FONTES:

https://www.britannica.com/topic/deep-ecology#ref313958

https://www.treehugger.com/what-is-deep-ecology-philosophy-principles-and-criticism-5191550#the-founding-of-deep-ecology

https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/0020174X.2011.542943?journalCode=sinq20

http://www.profcohen.net/reli151/uploads/texts/naess1-1.pdf

https://www.redalyc.org/pdf/310/31005009.pdf

https://green.harvard.edu/news/daring-care-deep-ecology-and-effective-popular-environmentalism

https://wilderness-society.org/deep-ecology-defending-the-earth/

https://ballotpedia.org/Deep_ecology