Quando se abatem árvores em nome da energia verde

Quando se abatem árvores em nome da energia verde

 

Desde que tomou posse em 2022, o Ministro do Ambiente Duarte Cordeiro não tem caído nas boas graças da população portuguesa preocupada com as questões ambientais.

A meu ver, poderá ser a sua formação na área da economia, e o seu passado em multinacionais, que poderão afetar as suas prioridades. Tem-se aproximado de empresas de grandes interesses, e tem sido por isso apontado como mais um ministro que pactua com greenwashing, afastando-se da população que está realmente disponível para abraçar a causa ambiental.

Enquanto Ministro do Ambiente, as suas principais responsabilidades deverão passar por conservar os recursos naturais e mitigar os impactos das atividades humanas no meio ambiente e desenvolver estratégias para garantir que as atividades económicas não prejudicam o ambiente nem esgotam os recursos naturais para as gerações futuras, fazendo a transição para fontes de energia renováveis.

Ora, em agosto, veio a público a notícia de mais um caso de abate do montado de sobreiros e azinheiras, às portas do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, para a construção do parque eólico de Morgavel, em Sines.

A EDP propôs o abate de 1821 sobreiros e o governo e o ministro Duarte Cordeiro deram parecer favorável em tempo recorde, considerando esta decisão de “imprescindível utilidade pública”[1]. Claro está que este “novelo” gerou um movimento grande de contestação entre a população contra o abate de árvores centenárias.

Centenas de pessoas juntaram-se para se manifestar em Lisboa contra o abate deste montado porque não se compreende porque tem de se destruir o que está vivo.

Depois da contestação, Duarte Cordeiro afinal veio a público dizer que vão estudar mais a fundo a forma de compensação por parte da EDP. Infelizmente é mesmo o modus operandi do governo. Primeiro autoriza-se tudo, mas a seguir é que vamos estudar com mais pormenor.

E aqui não estamos a falar apenas do abate das árvores, que é um ato em si bastante doloroso, mas temos também de falar de outros pontos característicos do montado:

 

Por muitos anos, estas árvores ajudam a criar santuários da biodiversidade, albergando uma fauna de quase 400 espécies de vertebrados e uma flora com cerca de 140 espécies aromáticas, medicinais e melíferas São considerados um hotspotmundial de biodiversidade pela WWF Portugal.
Outro ponto importante tem a ver com a prevenção da erosão do solo, pois as raízes dessas árvores ajudam a estabilizar o solo e sua copa proporciona sombra e reduz o escoamento de água. Sem estas florestas, existe um risco acrescido de erosão do solo, o que pode ter um impacto negativo na agricultura e na qualidade da água.
Por fim, falamos também da redução do sequestro de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. O sobreiro é das árvores autóctones que mais consegue sequestrar dióxido de carbono da atmosfera - cerca de 20% do carbono total nas florestas portuguesas é retido pelo sobreiro.

 

Felizmente temos sobreiros em quantidade elevada no nosso país, e obviamente que o compromisso da EDP em plantar 42000 árvores é valorizado e, pelo que percebo, está até previsto na lei. Mas não é garantido que desta plantação resultem árvores saudáveis, que só daqui a 30 ou 40 anos estarão no estado adulto.

Evidentemente, estamos todos de acordo que é essencial abraçar a energia limpa e renovável sem produzir emissões de gases com efeito de estufa durante a operação, para fazermos frente à mitigação das alterações climáticas e reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Mas será que não estaria disponível um outro local deserto em que não tivesse de se abater tantas árvores?

 

O impacto do Abate do Montado

O abate do montado tem muitos mais impactos a médio, longo prazo do que o mero corte de árvores. A indústria da cortiça é uma parte significativa da economia de Portugal. Fornece empregos e renda para muitas comunidades rurais. A destruição das florestas de sobreiro pode causar dificuldades económicas para aqueles que dependem da indústria da cortiça.

A extração da cortiça é uma prática tradicional em Portugal e os montados de sobro estão profundamente interligados com a cultura e o património do país. A destruição destas florestas pode perturbar estas práticas tradicionais e desgastar os laços culturais com a terra.

Ao nível do turismo, os montados de sobro são frequentemente considerados paisagísticos e culturalmente valiosos, atraindo turistas interessados em vivenciar as paisagens e tradições únicas que lhes estão associadas. A destruição destas florestas pode impactar negativamente o turismo nas regiões afetadas.

Para mitigar estes impactos negativos, têm sido feitos esforços para promover práticas sustentáveis de colheita de cortiça e proteger as florestas de sobreiro em Portugal e noutras regiões produtoras de cortiça. A gestão florestal sustentável, a reflorestação e as iniciativas de conservação são essenciais para preservar os valores ecológicos, económicos e culturais destes valiosos ecossistemas.

 

O impacto dos parques eólicos

A construção de parques eólicos, ou paisagens eólicas, pode ter vários impactos no meio ambiente, na economia e nas comunidades. O impacto específico de um projeto de parque eólico depende de fatores como a sua localização, dimensão, conceção e forma como é gerido. Aqui ficam alguns dos principais impactos associados à construção de paisagens eólicas:

 

Impactos Positivos:

Independência Energética: A energia eólica pode aumentar a independência energética, diversificando o mix energético e reduzindo a dependência de combustíveis fósseis importados.

Criação de Emprego: O desenvolvimento, construção e manutenção de parques eólicos criam empregos, tanto na indústria como no sector das energias renováveis, contribuindo para o desenvolvimento económico local.

Poluição atmosférica reduzida: A energia eólica reduz a poluição atmosférica associada à queima de combustíveis fósseis para geração de eletricidade, levando à melhoria da qualidade do ar e a benefícios para a saúde pública.

Uso reduzido de água: A energia eólica normalmente consome menos água do que algumas outras formas de geração de eletricidade, o que é importante em regiões que enfrentam escassez de água.

Terra multiuso: Os parques eólicos podem muitas vezes coexistir com outros usos da terra, como a agricultura, permitindo que os agricultores continuem a usar as suas terras para produção agrícola ou pastagem, o que pode gerar rendimento adicional.

 

Porém, há que olhar também para a outra face da moeda, porque existem também impactos negativos, nomeadamente:

 

Perturbação de habitats: A construção e operação de parques eólicos podem perturbar os ecossistemas locais e os habitats da vida selvagem, especialmente para espécies de aves e morcegos. Colisões com turbinas podem representar uma ameaça para algumas populações de vida selvagem.

Ruído: As turbinas eólicas produzem ruído audível durante a operação, o que pode ser uma fonte de incómodo para os moradores próximos.

Uso do solo: Os parques eólicos requerem uma quantidade significativa de terra, e isto pode competir com outros usos do solo, incluindo agricultura e habitats naturais. Equilibrar estes interesses concorrentes é um desafio.

Intermitência: A geração de energia eólica é intermitente e depende da velocidade do vento. São necessários armazenamento de energia e infraestrutura de rede adequados para garantir um fornecimento de energia estável e confiável.

Impacto nos valores das propriedades: Há debate sobre se a presença de turbinas eólicas afeta os valores das propriedades em áreas próximas, com alguns estudos sugerindo potenciais impactos negativos.

 

Para maximizar os impactos positivos e mitigar os negativos, o planeamento cuidadoso, as avaliações ambientais, o envolvimento da comunidade e a adesão aos regulamentos são cruciais no desenvolvimento de paisagens eólicas. Os avanços na tecnologia e melhores práticas de localização podem ajudar a resolver algumas das preocupações ambientais e sociais associadas aos projetos de parques eólicos.

As energias renováveis são neste momento a melhor forma que temos de nos aproximarmos das metas impostas para a neutralidade carbónica em 2050, mas certamente não serão a mais eficaz nem a mais rápida.

Para terminar, deixo uma pergunta muito pertinente, que não é minha, é do jornalista Pedro Sousa Carvalho, mas que reitero em pleno:

“Será que a energia continua a ser verde quando é produzida à custa da destruição da natureza e de habitats protegidos?”

 

P.S.:

Há uns tempos assisti a um vídeo do TEDx, que deixo aqui, exatamente sobre o impacto local que a construção destas estações fotovoltaicas / parques eólicos têm, para vossa reflexão: https://www.ted.com/talks/michael_shellenberger_why_renewables_can_t_save_the_planet/transcript 

 

[1] Fonte: https://www.publico.pt/2023/08/01/azul/noticia/aprovado-imprescindivel-abate-1821-sobreiros-sines-parque-eolico-edp-2058825

 

Outras fontes:

https://www.publico.pt/2023/09/16/sociedade/opiniao/abate-sobreiros-sines-chocante-2063529

https://www.publico.pt/2023/08/13/azul/opiniao/continuar-abater-sobreiros-nao-sustentavel-2060005

https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/edp-vai-compensar-abate-de-sobreiros-em-sines-com-plantacao-de-42000-arvores-e-arbustos

https://www.apcor.pt/montado/biodiversidade/

https://florestas.pt/conhecer/sobreiro-a-mae-da-cortica/

https://freixodomeio.pt/area-protegida/o-que-e-o-montado/