Houve uma altura na minha vida em que quase todos os fins de semana tinha de ir a Sintra. Então, o trajeto mais fácil pra mim, que não tinha carro nem carta de condução, era apanhar autocarro de minha casa para a estação de comboio mais próxima, e depois daí apanhar comboio para Sintra.
Parecia uma brincadeira divertida, até se perceber que eu tinha de sair de casa às 10h30 para chegar a Sintra pouco depois das 14h. Uma viagem que, de carro, demora 40 minutos.
E gostava de acreditar que não moro numa zona assim tão pequena e afastada da civilização. Temos um supermercado (e um hipermercado), uma escola, um posto de saúde, vários restaurantes, piscinas, parques, campos de futebol. Somos uma vila, e “cabeça” da freguesia. E ainda assim preciso de 4 horas para chegar a um local que está a pouco mais de 45km.
Um estudo do Observador Cetelem[1] mostra que 80% dos portugueses quer reduzir o uso dos automóveis, e 92% quer mais espaços adequados à utilização de meios de transporte alternativos, mesmo que isso condicione o uso automóvel. Já 83% dos portugueses consideram que as críticas ambientais aos automóveis são totalmente justificadas, e gostariam de utilizar outro método de deslocação menos danoso para o ambiente.
Eu revejo-me muito nestes dados. Mas depois lembro-me das 4 horas de viagem.
NECESSIDADE DE UMA MELHOR REDE DE MOBILIDADE
Ainda a respeito do mesmo estudo do Observador Cetelem, 43% dos portugueses acha que a rede de transportes públicos na sua área de residência é pouco desenvolvida ou inexistente. Estas questões tornam-se especialmente flagrantes nas zonas mais rurais do país.
Hoje em dia existem cada vez mais opções de transportes mais amigos do ambiente – desde carros elétricos a car sharing. Mas a verdade é que, para uma grande maioria da população, a opção que seria mais acessível seria sempre optar pelos transportes públicos. Mas com uma infraestrutura altamente debilitada e uma oferta muito reduzida em termos de horários, torna-se difícil ter este modo de transporte como forma principal de deslocação no país.
59% dos portugueses não se sente preparado para abdicar do automóvel porque aprecia a liberdade que este lhe proporciona. De facto, cresci a ouvir “tira a carta, que é a maior liberdade que podes ter”. Os cidadãos comuns de zonas mais rurais não têm capacidades para utilizar os transportes públicos, nem estes proporcionam o serviço que necessitam. Quem é que pode desperdiçar, nos dias de hoje, três horas só para chegar a um local para ir às compras? E mais 3 horas para voltar para casa?
A PAIXÃO POR CARROS
Claro que crescer a ouvir certas coisas nos causa uma ideia desproporcional do que é um carro, e daquilo para que é utilizado.
Um carro, acima de tudo, não deixa de ser um veículo de transporte – mas 75% dos portugueses diz que tem uma ligação emocional ao seu automóvel, e 60% dos portugueses não se vê a viver sem ele.
Tirar a carta é visto como aquele momento de emancipação, em que finalmente deixamos de ser adolescentes, e passamos a ser adultos funcionais, que já se podem deslocar sozinhos, sem dependerem de terceiros. Não é visto como apenas mais uma coisa que és capaz de fazer, mas como um dos dias mais felizes da tua vida. Tudo isto contribui para uma ligação emocional, especialmente ao primeiro carro que, por motivos económicos, acaba muitas vezes por ser um carro mais antigo e, por consequência, mais poluente.
O CUSTO DE UM CARRO
Felizmente, especialmente nas grandes cidades, onde o acesso a redes de transportes públicos é maior, existe cada vez mais uma preocupação em deixar de lado a utilização do automóvel. Mas essa preocupação, apesar de se cobrir muitas vezes com o manto da preocupação ambiental, também tem razões económicas por trás.
É cada vez mais caro comprar, e alimentar, um carro. Em 2020, um carro usado custava em média $27 689 (aproximadamente 23 260€).[2] Mas os custos associados a um carro vão muito além daquilo que gastamos inicialmente na sua compra. Existem outros dados a ter em conta: o custo do combustível, o custo dos seguros automóveis e o valor para a manutenção. E se acreditas que isto cobre os custos totais, ainda há mais: os custos indiretos!
Quem é que paga pelas infraestruturas, como estradas ou estacionamentos gratuitos? Na verdade, todos nós, mesmo aqueles que não se deslocam de carro, nem fazem uso destas infraestruturas. A partir do momento em que pagamos impostos, estamos a pagar a manutenção destes espaços.
EXISTEM SOLUÇÕES PERFEITAS?
Infelizmente, a resposta é não – porque nunca existe uma solução perfeita para nenhum dos problemas do mundo. Mas podemos sempre aspirar a fazer o melhor possível, para reduzir significativamente a quantidade de carros nas nossas estradas – e, assim, diminuir a poluição causada pelos mesmos.
- • Amesterdão (Holanda): esta cidade é frequentemente descrita como a capital mundial do ciclismo. Mas, até 1970, eram os carros que dominavam a cidade! Depois de um grande número de acidentes automóveis fatais, começaram os protestos que fizeram a cidade ser redesenhada para favorecer o ciclismo e a caminhada. Nesta cidade, apenas 1 em cada 4 pessoas tem um carro.[3]
- • Viena (Áustria): nesta cidade, um passe anual para os transportes públicos dentro da cidade custa apenas 365€, o que significa que podes andar de transportes públicos por 1€ por dia.
- • Rzeszów (Polónia): esta cidade está a implementar 140 paragens de autocarros amigas do ambiente, que protegem quem espera pelos transportes públicos das más condições atmosféricas – contêm painéis solares que trabalham continuamente para absorver energia solar.[4]
OPÇÕES EM PORTUGAL
Além dos transportes públicos comuns, existem outras opções que podes experimentar para deixar de lado o teu carro – pelo menos, de vez em quando!
- • A MUBi - Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta tem um projeto chamado “Sexta de Bicicleta”, que pretende incentivar as pessoas a andarem de bicicleta um dia por semana, nas suas deslocações quotidianas.
- • Se não tens uma bicicleta tua, já podes alugar. Em algumas cidades existem já vários tipos de projetos de aluguer, como é o caso das Agostinhas, em Torres Vedras.
- • Se és mais fã de car sharing, existem já várias apps que podes usar em Portugal: Booking Drive, CarAmigo, Parpe e ShareACar.
No entanto, temos de ter sempre em conta que estas hipóteses continuam a não estar acessíveis em todos os locais do país; e apesar do “problema automóvel” ser maior nas grandes cidades, e esses serem os locais onde o transporte público está mais desenvolvido, é muito importante não esquecer o restante país e proceder ao desenvolvimento de infraestruturas adequadas para todos os habitantes.
[1] Fonte: https://www.cetelem.pt/documents/31514/5643225/Auto_2020.pdf/84283d9e-0cc0-9c62-15ce-5992187cd373?t=1592737706697
[2] Fonte: https://www.treehugger.com/what-is-true-cost-of-car-ownership-5095664
[3] Fonte: https://www.greenpeace.org/international/story/16619/europes-best-5-cities-for-clean-transport/
[4] Fonte: https://www.euronews.com/living/2019/06/07/four-european-cities-leading-the-way-in-eco-friendly-transport
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