Ana Barbosa é a Responsável de Sustentabilidade da IKEA Portugal. Estivemos à conversa com ela sobre os novos consumidores mais conscientes, a importância de passar para uma economia circular e os planos da IKEA para a redução da sua pegada ecológica até 2030.
A primeira loja IKEA Portugal surgiu em 2004, em Alfragide. De que forma é que as preocupações ambientais já se manifestavam na empresa nesta altura? E sente que essas preocupações vieram cada vez mais a aumentar nos últimos anos?
Para a IKEA, a sustentabilidade não é um tema de hoje. Temos como missão proporcionar uma vida melhor à maioria das pessoas, criando melhores condições de vida, tanto nas suas casas, como no mundo. Temos uma visão a longo prazo na procura de soluções para continuar a ir ao encontro das necessidades dos nossos clientes hoje, sem comprometer as gerações futuras. Sabemos que este processo implica mudanças inspiradoras e urgentes nos estilos de vida da maioria das pessoas, mas também na adoção de novas formas de trabalhar e de gerir um negócio.
Sem dúvida que estas preocupações têm vindo a aumentar nos últimos anos face à crise ambiental que se tem vindo a intensificar também. E, portanto, quando os desafios são maiores, as respostas têm de ser igualmente reforçadas. Foi nesse sentido que, em 2012, foi publicada a primeira estratégia de sustentabilidade global da IKEA, intitulada “Pessoas Positivas. Planeta Positivo” que estrutura e formaliza os nossos compromissos, enquanto empresa e marca global, para criar um impacto positivo e duradouro na vida das pessoas e do planeta. Em 2018, este documento foi revisto, com metas ainda mais ambiciosas, e até 2030, queremos inspirar 1.000 milhões de pessoas, em todo o mundo a viver uma vida mais saudável e sustentável em casa.
Estamos, diariamente, focados em desenvolver e implementar medidas mais sustentáveis que nos permitam viver num mundo melhor e preservar o nosso planeta. A nossa forma de colocar isso em prática, enquanto empresa, é através das nossas áreas de influência e de negócio: produto, serviços e restauração, para além da gestão das nossas operações e do nosso impacto social. A sustentabilidade é, por isso, transversal a toda a cadeia de valor da IKEA.
Na IKEA procuramos também aumentar a eficiência energética das nossas lojas todos os dias com o uso de dispositivos inteligentes que gerem o espaço e as instalações. Exemplo disso, é a utilização de programas energéticos inteligentes que nos permitem minimizar o consumo de eletricidade em função do espaço, da hora, da sua ocupação e das atividades que estão em curso, bem como o controlo da temperatura. Por exemplo, a necessidade de iluminação comercial para que os clientes vejam os produtos com nitidez e inspiração é muito superior ao momento em que a loja, sem clientes, está focada na reposição ou limpeza. Além disso, em 2015 iniciámos a nossa transição para LED, hoje 100% concretizada. Ou seja, só utilizamos este tipo de tecnologia nos nossos espaços, o que nos permite poupar cerca 85% de eletricidade em comparação com a luz incandescente utilizada normalmente. Outro exemplo é a utilização de tubos solares nas nossas instalações, que, através de um sistema de espelhos, permitem a utilização de luz solar natural no interior dos edifícios.
Assim, cerca de 20% da energia necessária para manter as lojas em funcionamento vem do sol.
Acreditamos que o combate às ações climáticas começa em casa e é para este movimento que convidamos todos os nossos clientes. Desde 2019, lançamos a campanha “Um mundo melhor começa em casa” que se dedica 100% à sustentabilidade, e pretende inspirar uma vida em casa mais sustentável, de forma a beneficiar o planeta e também a carteira de todos. Esta campanha dá a conhecer ações que ajudam na redução do desperdício alimentar, do consumo de energia e água e quais os produtos IKEA que ajudam nestas ações, assim como dicas sustentáveis: utilização de sacos de compras reutilizáveis, preferência por mais alimentos à base de plantas e secar a roupa no estendal, por exemplo. Podem parecer comportamentos insignificantes, mas é essa a beleza das pequenas coisas, elas acumulam-se e têm um impacto coletivo relevante.
Inspirar os nossos clientes a adotar estas mudanças e novos hábitos é, também, uma meta muito importante para a IKEA e faz parte da nossa visão enquanto empresa ambientalmente responsável.
Nota que os consumidores estão cada vez mais exigentes, fazem mais perguntas e pedem mais soluções ecológicas?
Sim, os portugueses estão cada vez mais conscientes da gravidade das alterações climáticas e procuram, nesse sentido, mais alternativas e soluções sustentáveis. Além disso, o que também sentimos é que as pessoas sabem que é necessário mudar hábitos, mas não sabem por onde começar. E é aí que a IKEA também procura ter um papel ativo. Ao inspirar à mudança, mostrando como é que pequenas e simples ações no dia a dia, podem ter um impacto gigante no planeta.
Quando é que começaram a notar esta mudança de paradigma e de mentalidades?
Sem dúvida que é um tema para o qual muitas pessoas têm despertado mais nos últimos anos, e temos vindo a comprovar essa realidade através dos nossos estudos. E ainda bem! Acreditamos que as gerações mais jovens estão muito atentas a estas problemáticas e querem ser ativamente parte da mudança. O que é incrível para uma empresa como a IKEA porque, como já referi, esta não é uma temática nova para nós. E o que mais queremos é trabalhar em parceria com estas pessoas, inspirar e deixar-nos inspirar para que, juntos, possamos fazer a diferença e contribuir para um planeta melhor.
De que forma é que a comunidade e os vossos clientes fazem chegar estas preocupações até vocês?
Através dos vários pontos de comunicação que temos com o cliente. Seja nas redes sociais, nas lojas diretamente com os nossos colaboradores ou quando marcamos presença em conferências ou webinars. Existe uma preocupação crescente com a sustentabilidade em casa e usamos esses insights para promover um movimento de consciencialização sobre o tema e pensar em soluções que apoiem os nossos clientes a responder às suas necessidades.
Quais sente que são os maiores pedidos, em termos de mudanças sustentáveis, feitos pelos vossos clientes? Ou seja, quais são as mudanças que os clientes mais pedem à IKEA?
As preocupações são muito transversais, vão desde as matérias-primas utilizadas e processos de fabrico dos produtos, até novas soluções e serviços circulares.
Sabemos, por exemplo, que há uma grande preocupação com a eficiência energética e com a transição para a energia solar. E foi para dar resposta a essa necessidade que, em parceria com a Contigo Energía, criámos uma nova solução de painéis solares – SOLSTRALE, dando a possibilidade a todos os portugueses de produzirem a sua própria energia em casa. Isto vai permitir que as pessoas tenham um dia a dia mais sustentável, com impacto no seu orçamento doméstico e um impacto positivo no planeta.
Que características deve ter uma empresa que pretenda gerar valor e, ao mesmo tempo, ser veículo de sustentabilidade?
Na IKEA, a sustentabilidade é intrínseca aos valores e visão da empresa. Acreditamos que só assim é possível ter um impacto verdadeiramente positivo nas pessoas e no planeta. Sabemos que é uma área cada vez mais importante para os consumidores e, portanto, faz-nos todo o sentido que um dos nossos pilares estratégicos de negócio seja a sustentabilidade. Desta forma, tudo o que pensamos a nível de negócio tem de cumprir o critério sustentável. Acreditamos que a médio longo prazo o crescimento do negócio terá de trazer obrigatoriamente impacto positivo nas nossas comunidades e no planeta. Isto leva-nos a assegurar a continuidade do negócio sem nunca comprometer o futuro do planeta.
Sabemos que nem todas as empresas têm esta perspetiva, mas, na fase em que vivemos, a adoção de comportamentos conscientes e sustentáveis por parte das organizações é imprescindível e urgente. O que importa é agir e começar a dar pequenos passos que podem ter um grande impacto para um futuro mais sustentável.
Gostaria de acrescentar, que desde 2019 “desacoplamos” o crescimento do negócio das emissões de CO2, o que reforça que devemos estar focados e otimistas em atingir as metas de redução de emissões de CO2 do acordo de Paris. E demonstra que é bom negócio ser um bom negócio.
A IKEA menciona que quer passar de um negócio linear para um negócio circular. De que forma estão a fazer esta mudança? E quais têm sido os maiores desafios?
É uma grande e desafiante transição, na qual estamos a trabalhar há alguns anos e para a qual temos várias metas e iniciativas em curso. Queremos ser um negócio circular até 2030 e, para isso, temos de atuar em várias frentes. Fazer mais, a partir de menos faz parte da nossa cultura. Na IKEA procuramos constantemente novas e melhores formas de conceber e de produzir os nossos artigos para garantir que os clientes têm o melhor produto possível, a preços acessíveis e com o menor impacto no nosso planeta. Além disso temos o objetivo de até 2030 utilizar apenas matérias-primas renováveis ou recicladas nos nossos produtos.
O algodão, como exemplo de material renovável, é uma das nossas matérias-primas mais importantes. Podemos encontrá-lo em muitos produtos, desde sofás e almofadas, a lençóis e colchões. Embora gostemos muito de trabalhar com algodão, sentíamo-nos desconfortáveis com o facto de que a produção convencional de algodão pudesse muitas vezes ser prejudicial para o ambiente e para as pessoas envolvidas no processo. Assim, comprometemo-nos a usar apenas algodão produzido de forma responsável nos nossos produtos, para o benefício dos nossos clientes, do planeta e dos produtores, usando menos água, menos fertilizantes químicos e pesticidas. Também retirámos todos os plásticos descartáveis da gama. Na IKEA, atualmente, mais de 60% da gama de produtos é feita a partir de materiais renováveis.
Outro exemplo de que temos muito orgulho é o forte investimento que o Grupo tem feito em energias renováveis, nomeadamente em Portugal, com a aquisição do Parque Eólico do Pisco, que permite assumirmos como cumprido o objetivo de produzirmos no país mais energia renovável do que a necessária para assegurar as operações das nossas lojas.
Temos, também, uma grande preocupação em motivar as pessoas em prolongar a vida dos seus produtos, por exemplo através de produtos multifuncionais que se adaptam a diferentes necessidades na vida em casa ou dando uma segunda vida aos produtos que já não precisam, mas que ainda têm utilidade, em vez de os descartar. Foi nesse sentido que, na última Black Friday lançámos a campanha “Buy Back Friday”, que promoveu o nosso serviço “Segunda Vida” no qual os nossos clientes nos podem vender produtos que têm em casa e já não utilizam. Um exemplo real e concreto de circularidade.
Todos estes movimentos estão integrados na missão da IKEA de se tornar uma empresa com um modelo de negócio circular e nos compromissos assumidos na nossa estratégia de sustentabilidade – Pessoas Positivas. Planeta Positivo.
Uma das maiores mudanças recentes na vossa atuação foi a eliminação de todo o plástico de utilização única nas vossas lojas em todo o mundo. Como vê esta mudança? Como foi este processo?
O plástico é usado em diferentes áreas da nossa gama por ser forte, durável, leve, acessível e versátil. Temos a meta de, até 2030, todos os nossos produtos de plástico serem feitos com base em materiais reciclados ou renováveis. Foi neste sentido, que assumimos vários compromissos ambientais, um dos quais foi cumprido a 1 de janeiro de 2020 quando retirámos da gama todos os produtos em plástico de utilização única. Falamos de palhinhas, sacos de congelação, copos ou talheres. Foi, obviamente, um momento de muito orgulho para todos. Principalmente porque estes processos não são imediatos. Exigem muito trabalho e investimento em Desenvolvimento e Inovação. Mas estamos focados em fazer o melhor pelas pessoas e pelo planeta. E para isso é necessário encontrar soluções e ultrapassar estes desafios tendo sempre em vista as nossas metas e objetivos.
Também planeiam reduzir a totalidade da vossa pegada ecológica em 70% até 2030, assim como pretendem produzir energia 100% renovável nas vossas operações e fornecedores diretos. Como estão a ser feitas estas alterações, e que mudanças em concreto estão já a decorrer para atingir estes objetivos?
Até 2030 temos o objetivo de ter um impacto positivo no clima, o que significa reduzir mais emissões de CO2 do que aquelas produzidas na nossa cadeia de valor. Isto significa reduzir as emissões de CO2 da nossa cadeia de valor em termos absolutos, continuando o progresso que já conseguimos desde 2019, quando começámos a reduzir as nossas emissões, apesar de um negócio em crescimento. Mas também reduzir emissões para além das nossas operações, através de produção de energia renovável em parques eólicos ou fotovoltaicos ou através da produção de energia solar para autoconsumo na casa dos nossos clientes. Estes objetivos serão alcançados através das várias metas da nossa estratégia de sustentabilidade global. Além de todas as iniciativas, soluções e metas alcançadas, redução da pegada dos nossos edifícios, investimentos em energias renováveis, recurso a matérias-primas renováveis ou recicladas, prolongar o tempo de vidas dos nossos produtos, soluções para uma vida mais sustentável em casa dos nossos clientes, já partilhadas acima estamos, também, a fazer este percurso com os nossos parceiros. Exemplo disso são as carrinhas elétricas que já circulam em Lisboa a fazer as entregas de encomendas aos consumidores. É um primeiro passo, implementado na área da Grande Lisboa. O objetivo é alcançar 20% das entregas no país até agosto de 2021 e, a médio prazo, a ambição é tornar os nossos serviços de entregas 100% elétricos até 2025.
As vossas preocupações ambientais estendem-se também a quem trabalha convosco? Ou seja, fornecedores, colaboradores e outras empresas que trabalhem convosco. De que forma procuram que as medidas sustentáveis se estendam também em direção a eles?
Claro que sim. Ser uma empresa ambientalmente responsável também é isso, trabalhar com pessoas e empresas que partilham os mesmos valores que nós. No caso dos fornecedores, além do trabalho conjunto que fazemos para chegarmos a soluções mais ecológicas (Resposta 10), temos um código de conduta rigoroso para garantir que a nossa cadeia de valor é ambiental e socialmente responsável. É o caso da produção de algodão e madeira, duas das matérias-primas mais importantes para nós. De forma a garantirmos que o impacto ambiental da sua produção é o menor possível, assumimos o compromisso de utilizar apenas algodão produzido de forma responsável. O mesmo acontece com a madeira, apenas trabalhamos com fornecedores que nos fornecem madeira com certificação FSC ou reciclada.
Em relação aos nossos colaboradores, tentamos diariamente ser uma inspiração para eles. Procuramos incentivá-los a adotar hábitos mais sustentáveis no seu dia-a-dia, dando formações e criando dinâmicas e iniciativas internas.
Qual é o papel da Sustainability Manager numa empresa da dimensão da IKEA? Quais são as preocupações diárias?
Trabalhar numa empresa como a IKEA é incrível porque as grandes empresas, como a nossa, têm a responsabilidade, mas também a oportunidade de fazer mais e melhor. E é esse o meu pensamento no dia a dia. Penso em como é que podemos ser melhores, como é que podemos ter um melhor impacto na vida das pessoas e no planeta, como é que podemos responder às necessidades dos nossos clientes? É esse trabalho diário que me entusiasma, a mim e à equipa, e nos leva a criar soluções e iniciativas que acreditamos ser inspiradoras para a maioria das pessoas, levando-as a pensar e a agir sobre o futuro do planeta.
Como Sustainability Manager, existem mentores ligados à área da sustentabilidade que a inspirem? Que figuras procura ouvir e estudar na hora da tomada de decisões?
Em termos de inspiração, diria que os líderes de sustentabilidade dentro da IKEA a nível global são um farol de ideias e energia, como é o caso da Pia Heidenmark Cook. Numa visão mais de negócio, o nosso CEO Jesper Brodin é claramente uma inspiração já que tem uma visão de futuro e de crescimento totalmente em linha com o que de melhor se faz na área da sustentabilidade.
O que mais podemos esperar da IKEA no futuro?
A nossa ambição neste caminho para a sustentabilidade é ter um impacto positivo na vida das pessoas e no planeta. Isso passa por usar apenas materiais renováveis e reciclados, eliminar o desperdício nas nossas operações, readaptar a forma como criamos produtos e pensar serviços que permitam prolongar a vida destes, vendo-os como recursos para o futuro. Estes são alguns dos próximos passos, com um forte foco na circularidade. Acreditamos que só assim conseguiremos contribuir para um mundo sem desperdício e ajudar as pessoas a fazerem escolhas mais sustentáveis nas suas casas.
Em relação a este ano, em específico, estamos totalmente dedicados à aceleração de projetos e iniciativas ligados à sustentabilidade. Combater as alterações climáticas e defender o planeta deve ser um trabalho conjunto que não poderia parar durante a pandemia, pelo que, mantivemos o foco na operação, garantindo que produzimos mais energia renovável do que a energia total que consumimos nas nossas lojas e que reduzimos as nossas emissões, enquanto fazemos crescer o negócio.
A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em...
- IKEA? Pessoas
- A maior paixão? O meu filho
- O maior receio? Estagnar
- O que me move? Positividade
- A minha inspiração? A IKEA
- Um sentimento? Alegria
- Um livro? How to avoid a climate disaster, Bill Gates
- Um filme? Into the Wild, Sean Penn
- Uma viagem? Vietname
- 2020? Desafio
- 2021? Realidade
- Futuro? Esperança
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