Ana Pêgo é bióloga marinha, 'beachcomber' e criou em dezembro de 2015 o projeto 'Plasticus maritimus' - termo que criou também para designar a espécie invasora que é o plástico nas praias e no mar. Estivemos à conversa com ela para discutir a importância de educar adultos e crianças para os problemas ambientais, o significado do conceito 'beachcomber' e sobre a problemática do plástico descartável.
*Esta entrevista foi realizada ainda no ano de 2021.
Em criança, a Ana morou mesmo ao lado da praia e passou muito tempo a explorar a natureza à beira-mar. De que forma isso influenciou as preocupações ambientais que foi desenvolvendo com os anos?
Para além de morar mesmo ao lado da praia, os meus pais sempre foram muito ligados à natureza. Quando eu nasci, os meus pais moravam mesmo ao lado da praia, e continua a ser o sítio onde eu moro atualmente, e onde a minha mãe também e os meus irmãos. Moramos todos relativamente próximos uns dos outros e, portanto, a minha praia continua a ser a praia onde nasci. Esta praia, que é a praia das Avencas, em Cascais, na Parede mais especificamente, era o meu quintal, era onde passava a maior parte do tempo a brincar. Foi aqui que aprendi a gostar do mar, foi aqui que decidi que um dia gostava de estudar Biologia Marinha e foi aqui que, mais recentemente, tomei consciência de que havia uma nova espécie na praia.
Para além disto, com os meus pais passávamos muito tempo na praia, fazíamos piqueniques... No campo a mesma coisa: íamos para a serra, fazíamos muitas vezes piqueniques em Sintra também. O meu pai também tinha um catamaran, portanto, fazíamos vela, pelo que a nossa ligação ao mar e à natureza veio desde sempre e um bocado influenciada pelos meus pais. Acampávamos muito quando éramos pequenos e depois eu também andei nas Guias e acampamentos com amigos, portanto sempre fez parte da minha vida esta ligação à natureza.
A página Plasticus maritimus surgiu em 2015 nas redes sociais. O que levou à sua criação?
Faz agora 10 anos, ou seja, foi em 2011 que tomei consciência de que havia uma nova espécie na praia. Logo em 2012, comecei a dedicar-me a Educação Ambiental e comecei a introduzir este tema em muitas atividades. Eu ia a muitas escolas e, sempre que podia, falava do lixo marinho e do plástico. Na altura, não se falava deste assunto em Portugal, embora já houvesse algumas pessoas a depararem-se com o problema, tal como eu. Só que não nos conhecíamos uns aos outros e eu sentia-me sozinha e abandonada. E realmente, era chocante ir para a praia, ver tanto lixo, começar a limpar a praia e, no dia a seguir, encontrar a praia igual ou pior e aperceber-me que as pessoas à minha volta não estavam minimamente informadas. Para além de assustador, era muito frustrante. Sempre que podia, comecei a dedicar as minhas energias neste sentido de chamar a atenção das pessoas, tentar levar esta informação ao máximo de pessoas possível e, portanto, sempre que tinha oportunidade, falava neste assunto e fazia oficinas sobre este tema.
A página Plasticus maritimus surge já no final de 2015, em Dezembro. Muita coisa se passou até aí e eu nessa fase estava já numa fase de descontração. Não que o problema estivesse resolvido, porque ainda hoje estamos bem longe de resolver o problema (se é que algum dia vamos conseguir resolvê-lo), mas em 2015, e acompanhando outras páginas internacionais de pessoas que faziam o mesmo que eu, descobri a palavra beachcombing e os beachcombers. Os beachcombers têm aqui uma diferença entre as pessoas que fazem limpeza de praia (beachcleaners). É que os beachcombers têm interesse na história de cada objeto, querem saber o que é que as coisas são, de onde é que vieram, para que é que serviam, como é que foram ali parar... E isto começou-me a dar imenso gozo e aliviou-me também na angústia de chegar à praia e ver aquele lixo todo. Eu comecei a ir para a praia já com uma postura diferente, a pensar “Será que hoje vou encontrar alguma coisa especial?”, “Será que vou encontrar algum bonequinho antigo?”, “Ouvi um alerta de coisas que tinham caído ao mar, será que vou encontrar algum objeto daqueles contentores?”... E, portanto, começou quase a ser uma coisa tipo jogo.
E os beachcombers ainda fazem uma outra coisa, que é colecionar os objetos. Se até 2015 o lixo que eu guardava era direto para algumas oficinas ou para alguns trabalhos que ia fazer, o resto, normalmente, deitava fora, não guardava. A partir desta altura, do final de 2015, foi quando eu realmente comecei a guardar e a colecionar estes objetos, já a pensar que um dia poderia fazer, por exemplo, uma exposição com as coisas que estava a encontrar na praia. Como já estava a conseguir identificar os objetos, já nesta altura estava a pensar que podia ser interessante um dia fazer uma exposição.
E quando criei esta página, era para ir mostrando as fotografias de algumas coisas que encontrava aqui nestas praias de Cascais. Nunca pensei que o Plasticus maritimus crescesse tanto... A minha ideia nesta altura era apenas mostrar aos meus amigos, à minha família e às pessoas aqui de Cascais aquilo que eu estava a encontrar: coisas que vinham dos EUA e do Canadá, ou coisas antigas (com 40 ou 50 anos) e, pronto, contar a história de alguns destes objetos. E isto começou logo de imediato a chamar muito a atenção das pessoas, o que foi bom.
Enquanto beachcomber, pode explicar melhor no que consiste este conceito?
Os beachcombers são uma espécie de detetives do lixo, que querem saber o que é que as coisas são. Eu quero acreditar que se soubermos o que é que está a aparecer em determinados sítios, é meio caminho andado para resolvermos o problema na fonte. Se não, ficamos aqui o resto da vida apanhar lixo e não fechamos a torneira, como se costuma dizer. Mas se começarmos a olhar para os objetos de uma forma diferente, se calhar conseguimos ver como é que isto veio aqui parar, o que é que aconteceu, será que é de alguma fábrica, será que são as pessoas desta zona que que deitam tudo para o chão, ou que existe alguma lixeira, o que é que está a passar aqui...
Quais foram os objetos que descobriu na praia que mais a surpreenderam?
Bem, há a surpresa de horrível, que são coisas relacionadas com cultos religiosos. Como nós portugueses não temos tanto estes cultos, às vezes temos um bocado de dificuldade em perceber o que é que as coisas são.
Mas há outro tipo de surpresa. Coisas que me surpreendem é encontrar objetos recentes na praia. Pode-se dizer que nós em Portugal temos a gestão de resíduos há pelo menos 25 anos, que foi quando apareceu esta coisa de separarmos o lixo em contentores (as embalagens, do vidro e do papel). Portanto, acho inacreditável agora que nós temos mais cuidado e mais informação, como é que é possível aparecerem tantos objetos recentes? Como por exemplo, cápsulas de café, sacos de plástico, agora as máscaras. E isto continua a surpreender-me porque estamos no século XXI! No Verão, se formos à praia ao final da tarde, encontramos lixo no sítio onde as pessoas estiveram sentadas. E isto surpreende-me de uma forma bastante negativa.
Nós às vezes ficamos surpreendidos com objetos antigos que encontramos na praia, mas antigamente não havia gestão de resíduos, havia lixeiras a céu aberto e, portanto, com a chuva, com a erosão e com isto tudo, as coisas acabavam por vir parar à praia. Por isso, acho muito mais horrível e surpreende-me pela negativa como é que aparecem tantas coisas recentes.
O problema está, de facto, no plástico, ou na forma como o utilizamos?
Eu acho que são as duas coisas. Mas, para já, há aqui vários problemas. Um deles é falarmos do plástico como se os plásticos fossem todos iguais e, na verdade, os plásticos não são todos iguais. Temos um outro problema, nomeadamente na gestão de resíduos. Muitas pessoas julgam que todo o plástico que nós usamos é para pôr no contentor amarelo. Isto não é verdade! A Sociedade Ponto Verde só se responsabiliza pela reciclagem de embalagens. Portanto, muitos plásticos que nós usamos diariamente, e que não são embalagens, em princípio não vão ser reciclados. Ou, eventualmente, podem ser encaminhados para os plásticos mistos, que vão para outras empresas, onde fazem, por exemplo, mobiliário urbano. Temos também um problema, que está evidentemente relacionado com o facto de nós não colocarmos o lixo no sítio certo. Mas ainda há um outro problema, que é a utilização de plástico para criar objetos descartáveis: estas coisas que nós usamos uma vez e deitamos fora e que, ainda por cima, são utilizadas durante muito pouco tempo.
Eu acho que os objetos e embalagens que são de plástico descartável e que são apenas para usar durante muitos poucos minutos deveriam sair de circulação.
Muitos dos projetos que desenvolve, nomeadamente através do Plasticus maritimus juntam a ciência à arte. Qual foi o motivo de usar a arte como fonte de passagem de conhecimento e também de consciencialização?
Eu acho que a arte é incrível neste aspeto de chamar a atenção das pessoas e de até dar um certo gozo em criar estas coisas, os objetos. Há quem chame arte, eu não faço ideia se é arte ou se deixa de ser, ou se é artesanato... Não me interessa muito, interessa-me é aquele momento também de diversão ou de um resultado que achamos e que consideramos agradável. A isto chama-se “artivismo”: utilizar meios artísticos para chamar a atenção para uma coisa, neste caso, o problema do plástico nos oceanos.
Em relação a qual foi o motivo, eu não tomei isto de uma forma muito consciente. Acho que sempre que trabalhei em Educação Ambiental fiz isto, portanto aplicar agora ao Plasticus maritimus tem só mais a ver com o material propriamente dito do que com o resto. Eu já colaboro também com o serviço educativo da Gulbenkian há muitos anos e lá até tenho trabalhado em parelha com outras pessoas: eu, da área de Ciências, juntamente com pessoas de Artes. Portanto, já tem sido normal esta passagem de conhecimento através de projetos artísticos, de criar qualquer coisa. Eu acho fundamental passar conteúdos científicos, reais, dados verdadeiros e as pessoas perceberem que isto é um problema global e que é sério e que temos mesmo que fazer qualquer coisa. Por outro lado, também podemos divertir-nos e aproveitar estas coisas para chamar a atenção das pessoas. Portanto, utilizo os objetos que encontro na praia para depois fazer normalmente trabalhos com miúdos.
Grande parte do lixo marinho que apanha nas suas limpezas de praia acaba por ir parar ao seu inventário de lixo artístico. Quantas peças já tem este seu inventário? E como faz a gestão entre o que considera importante para a componente artística e aquilo que decide não manter?
Esta seleção é feita logo na praia. Eu assim que encontro os objetos, decido logo. Muitas vezes até vou com dois sacos: um para o “lixo lixo”, que é para eu, assim que sair da praia, pôr logo no devido contentor; outras coisas vêm para casa. E, quando vêm para casa, já vêm com algum objetivo. Das duas uma: ou é para juntar às minhas coleções, porque eu acho que muitos destes objetos que eu tenho estado a juntar e estas coleções que tenho estado a formar, só têm impacto se as pessoas virem a quantidade e, por isso, muitos destes objetos vão alimentando estas coleções; e há novas coleções que vão surgindo. Por exemplo, coisas que eu há um tempo atrás se calhar não guardava e que, de repente, achei que fazia sentido guardar e que, entretanto, tenho estado a colecionar, portanto, eu vou juntando às minhas coleções. Por vezes, aparecem objetos que eu, ou pela forma, ou pela cor, ou pela dimensão, acho que podem ser úteis para utilizar quando estou a trabalhar com o retroprojetor, ou quando é para fazer animações, ou simplesmente para juntar ao monte de tralha ou de bonequinhos que depois podem eventualmente servir para as exposições. Muitas vezes, quando saio da praia, já sei mais ou menos onde é que vou encaixar estes objetos. Mas eu não tenho peças de arte feitas. A única coisa que tenho é o projeto da Balaena Plasticus, que surgiu um ano e meio antes de criar a página Plasticus maritimus. A Balaena Plasticus é uma instalação com 10 metros de comprimento e que eu fiz com o Luís Quinta, fotógrafo de Natureza, em Maio de 2014. Fora a Balaena Plasticus, tenho pouquíssimas coisas realmente feitas. O que eu normalmente faço são instalações no momento. Uso os objetos soltos, não os colo, não os prendo, não faço nada, estão soltos só por si. Muitas vezes nas exposições eu componho os organismos conforme me apetece ou conforme eu acho que faz sentido e, por isso, não tenho obras de arte.
Sabemos que se agirmos já, ainda vamos a tempo de mudar o paradigma. Que ações é que devem ser tomadas de imediato para acelerarmos este processo de mudança?
Aqui é que temos um problema grave porque quem devia realmente criar condições de mudança, quem tem o poder, não tem estado a levar este assunto ainda como uma prioridade, e isso é o que me deixa extremamente frustrada. Eu tenho estado a trabalhar com outras organizações neste assunto, de forma a pressionarmos o governo a tomar algumas medidas um bocado mais rápidas e mais drásticas. Por exemplo, no que se refere à implementação da Tara Recuperável, isto é, o sistema de depósito, e também com vista à reutilização dos objetos, em vez da reciclagem, porque continuamos a insistir e a falar na reciclagem como se fosse a primeira coisa a fazer e não deve ser! Toda a gente deve separar o lixo com vista a ser reciclado, claro que sim, mas não deve ser a primeira coisa a fazer, e sim a última. Por isso, acho que, tanto o governo, como os municípios, as grandes empresas e todos estes órgãos é que têm que proporcionar condições para que as pessoas, no seu dia a dia, consigam fazer estas mudanças de uma forma relativamente tranquila, e que compreendam, que não haja incoerências, para que as pessoas percebam realmente que o problema é grave, e que temos todos que fazer um esforço. Eu acho que isso não tem sido feito. O confinamento e a COVID-19 também trouxeram muitos atrasos que eram perfeitamente escusados. Por exemplo, as palhinhas e cotonetes, que eram para ter saído do mercado no ano passado, e esperámos mais um ano com a desculpa do vírus. E se, por um lado, os supermercados estão a reduzir a quantidade de plástico que utilizam nas suas embalagens, por outro, continua à inteira disposição das pessoas os rolinhos com os sacos de plástico transparente que, quanto a mim, já deveriam ter sido retirados. Por isso, era muito importante que algumas medidas fossem tomadas de forma mais drástica. Alguns produtos deveriam ser mesmo retirados do mercado, como por exemplo, produtos com microplásticos, alguns tipos de embalagens deviam desaparecer, esta coisa dos sacos de plástico, a esferovite, que devia ser muito mais cara do que aquilo que é. O plástico também tem este problema, é muito barato e, portanto, as empresas optam sempre pelo plástico, por uma questão de ser prático, leve e acima de tudo barato, continuando a passar a responsabilidade da separação do lixo para as pessoas. O comum cidadão quer é o produto, não quer a embalagem. Muitas vezes, chegamos a casa e a embalagem vai para o lixo. Por isso, estas coisas têm que começar a ser pensadas de uma forma mais séria, também tem que se pensar mais no design de produto, para que as embalagens e os produtos não tenham tantas pecinhas, que saltam e que, infelizmente, acabam na praia.
Relativamente às ações que devem ser tomadas de imediato para acelerarmos este processo de mudança, estas ações têm de vir de cima, para ser mais rápido. A informação tem também de chegar mais rapidamente aos adultos porque, embora se trabalhe muito com crianças, e é importante o trabalho com crianças, não é de todo suficiente. As crianças não têm o poder da carteira na mão e de decisão no momento da compra. E também não podemos estar à espera de que as crianças cresçam para resolverem estes problemas. Tem de ser agora, tem de ser rápido e tem de haver uma forma mais direta de minimizar estes problemas.
O que é que devemos exigir a nós próprios, e também a quem nos governa, no que toca à tomada de decisões que tenham impactos reais e positivos no futuro do nosso planeta?
Por uma questão não só de cidadania, mas também por nós próprios, cada um de nós devia fazer um esforço para criar algumas mudanças a todos os níveis: consumir menos, fazer escolhas mais conscientes, isto é, compras mais conscientes, tentar minimizar esta coisa dos descartáveis, andar menos de carro e, acima de tudo, temos de começar a ter um papel de cidadãos ativos! Temos mesmo de ser um bocado mais ativistas e escrever e pressionar a quem de direito. Não é ser mal educados, mas é chamar mesmo pelos nossos direitos. E é isso, acho que temos que ser um bocado mais ativistas, porque se estamos à espera de que as empresas ou os governos tomem iniciativas, eles não o vão fazer. Infelizmente, parece que estão sempre à espera. Ou as ordens vêm da Europa, e aí somos mesmo obrigados a cumprir, ou então ninguém vai fazer nada e vão ficar à espera de que o cidadão se queixe. É o que têm estado a fazer e só assim é que têm surgido algumas mudanças e por isso é que eu acho que é tão importante as pessoas estarem cada vez mais informadas e a informação chegar a todos os públicos, principalmente o mais rapidamente aos adultos.
Acredita que o cidadão comum está mais desperto para as problemáticas ambientais, ou ainda há um longo caminho a percorrer na consciencialização das pessoas?
Eu acho que as pessoas já estão um bocadinho mais conscientes dos problemas, já se tem falado mais no assunto. O problema e a dificuldade é dar o passo em frente para começar a mudar e isto é muito difícil. As pessoas, às vezes, ficam horrorizadas não só com o lixo marinho, mas com outras questões ambientais que têm estado a surgir, mas depois é muito difícil mudarem hábitos diários. Acham que é impossível, ou que é muito difícil e, realmente, isto também não se faz de um dia para outro. É preciso que surja um “clique” e, naquele dia, é que as pessoas tomam mesmo consciência de que realmente têm mesmo de fazer qualquer coisa.
Muitas das atividades desenvolvidas pela Ana são diretamente ligadas a crianças. Acredita que um dos passos mais importantes para a mudança é a educação das gerações mais jovens?
Neste momento acho que não. Neste momento acho que temos que fazer um esforço para chegar aos adultos o mais rapidamente possível. Neste momento até tenho optado por fazer formações de adultos e, geralmente, aparecem mais professores, mas estas formações não são só para professores, são para adultos em geral.
Eu também andava um bocado frustrada porque, há muitos anos que eu vou a escolas e que falo neste assunto, e depois não vejo as escolas a mudarem propriamente. Muitas vezes, os professores ou funcionários das escolas acham que não são eles que têm de fazer ou não sentem que isso seja uma responsabilidade sua. O seu trabalho, por exemplo, é dar aulas e, se não é da sua matéria, não vão fazer nada. E acho que temos de começar também a mudar um bocadinho este paradigma. As crianças passam os dias inteiros na escola e têm os adultos como exemplo e, portanto, os adultos têm de estar informados e motivados para a mudança, dar o exemplo e fazer com que as coisas realmente mudem dentro da escola. E quem diz escola diz no emprego, em casa...
É evidente que eu acho importante (e adoro!) trabalhar com os miúdos e divirto-me. Não troco por nada as minhas semanas de Verão, as minhas oficinas de Verão que adoro. Do ano inteiro, é o que eu mais gosto de fazer: estar uma semana inteira com o mesmo grupo de miúdos. Este ano estive três semanas seguidas! São semanas muito cansativas, mas são muito proveitosas. Através destes miúdos, e assim de uma forma mais intensiva, acho que a informação passa melhor também, mas é urgente chegar aos adultos, se não nunca mais... Por isso, embora goste de trabalhar com crianças, também tenho feito os possíveis para chegar aos adultos e, daí, gosto também das oficinas com famílias, em que estão pais e filhos e, assim, consigo falar com todos ao mesmo tempo. Também tenho usado as exposições neste sentido, porque através das exposições também podem vir famílias inteiras, ou só adultos, ou só crianças. Eu quero é que as pessoas vejam que tudo o que ali está veio da praia.
Uma das suas mais recentes conquistas foi o lançamento do livro “Plasticus maritimus”. Qual foi o principal objetivo com a criação deste livro?
Em 2018, tive o convite da editora Planeta Tangerina para escrever um livro e, na verdade, antes disto eu já andava a pensar que seria importante escrever um livro e de que forma. Eu até tinha várias ideias: tinha umas ideias mais artísticas, com fotografias das coleções dos objetos que tinha, ou então de uma forma mais condensada, com mais informação para facilitar a vida às pessoas, visto que eu já tinha muita informação sobre o assunto. E, então, este convite foi ouro sobre azul, ainda por cima da editora Planeta Tangerina; eu já utilizava muitos livros desta editora nas minhas oficinas e não estava à espera de um dia vir a ter um livro Plasticus maritimus.
Não há dúvida nenhuma que através do livro consigo chegar a muito mais gente. Portanto, o livro para mim é também um descanso, por saber que a informação pode estar a passar, sem eu ter de estar presente, ou sem eu ter de estar a falar.
É engraçado, que é um livro infantojuvenil, mas de que os adultos também têm gostado, porque está escrito de uma forma acessível, mas com a informação séria. Eu não queria que o livro tivesse um peso, eu não queria que o livro passasse a informação de uma forma tão dramática, que as pessoas achassem que não valia a pena fazer nada. Mas também não queria que o livro fosse cheio de graçolas e muito apalhaçado e que as pessoas, nesse caso, não dessem a devida importância ao assunto.
Eu escrevi o livro com a Isabel Minhós Martins, que percebeu exatamente o que eu queria dizer e concordou. Também gostou depois da ideia que eu tinha, como venho da Biologia e sempre usei guias de campo e guias de identificação de espécies, também foi possível encaixar esta identificação dos objetos da praia, para que as pessoas, quando fossem apanhar lixo, pudessem também saber o que é que estavam a encontrar. A ideia era utilizar este livro como um guia e que tivesse esta informação. Por isso, o livro tem sido espetacular nesse sentido. O livro tem estado a caminhar praticamente sozinho, acabou agora a terceira edição em Portugal, e já estamos a preparar a quarta edição. Mais 15 dias e deve estar aí e já está traduzido em vários idiomas, o que é muito bom, não só para o Plasticus maritimus ou para mim. Acho que é, acima de tudo, importante saber que a mensagem está a passar. Acredito que desta forma as pessoas se sintam motivadas para mudar. Eu acho que é também um dos objetivos deste livro passar uma mensagem de que não podemos ficar à espera de que alguém resolva o assunto, que nós próprios temos de fazer qualquer coisa, e até passar esta mensagem de ativismo, que temos de ser todos um bocadinho ativistas. Mesmo sem falar, pode ser através de um projeto artístico, pode ser através de uma ida ao supermercado e fazermos uma recusa, dizer “Não obrigada, não quero um saco de plástico”... Isto também pode ser uma forma de ativismo. As pessoas que estão à nossa volta veem que eu levo os meus sacos de pano, por exemplo. O livro, para além desses conteúdos, também dá algumas ideias do que as pessoas podem fazer para começar a desplastificar as suas vidas.
Quais são os seus objetivos para o futuro deste projeto?
Ora aqui está uma pergunta difícil! O confinamento obrigou-me a parar e a pensar um bocado no Plasticus maritimus que, na verdade, não foi um projeto que eu tivesse criado a pensar nas metas a atingir. Tem sido antes um projeto que tem crescido de uma forma super natural, mas a verdade é que também tenho ido muito por convites, o que me tem levado a pensar que às vezes ando a fazer o que os outros querem, não ando a fazer aquilo que eu quero. E eu preciso mais destes momentos, mas para isso também é preciso tempo para pensar, para refletir, para criar ideias novas, para pensar em novos projetos... Há algumas coisas em que eu tenho estado a pensar, mas não faz sentido estar a adiantar agora, porque ainda está tudo em fase demasiado embrionária. Mas tenho algumas ideias que gostava de concretizar num futuro próximo. Por enquanto vão continuar a encontrar o Plasticus maritimus assim na mesma.
Uma das partes que tem sido difícil para mim é, como estava a dizer no início, o facto de estar a trabalhar sozinha. Às vezes é difícil tomar decisões sozinha: devo seguir este caminho ou outro? Devo ir a este evento ou outro evento? Outra coisa que tem sido difícil é que sou eu a fazer tudo: a alimentar as redes sociais, a fazer orçamentos (que é uma coisa que eu detesto fazer), tudo o que são burocracias...
Portanto assim objetivos para futuro próximo, não vou adiantar nada. Num futuro próximo, se for possível, eu abro o jogo. Por enquanto não, porque está numa fase demasiado embrionária.
A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em...
- Plasticus maritimus? Cor
- A maior paixão? Eu gosto muito do mar, e a minha grande paixão do mar são as baleias, que continuam a ser um animal misterioso e fascinante.
- O maior receio? O maior receio é, realmente, ver o tempo a passar e que as medidas não sejam implementadas de uma forma rápida. É não ver mudança.
- A sua inspiração? A minha inspiração tem sido a quantidade de organizações, de pessoas, de empresas e de novos produtos que têm estado a surgir. E isto, para além de ser uma inspiração, é também uma motivação para continuar, porque tenho passado por umas fases de bastante frustração em que, às vezes, acho que se calhar não vale a pena continuar a lutar, que só me canso, só me irrito, só me tira noites de sono, mas realmente há várias pessoas e vários projetos bastante inspiradores, que me motivam muito a continuar.
- Um sentimento? Esperança
- Um livro? Moby Dick
- Um filme? Documentário de David Attenborough, que se chama “Extinção”.
- Uma viagem? Tenho várias viagens de sonho que gostava de fazer. Gostava de ir a São Tomé, por exemplo. Mas uma das outras viagens que gostava, e que se calhar é bastante fácil e que provavelmente vou fazer proximamente, é ir a Londres. Gostava de passar vários dias enfiada no Museu de História Natural. Tenho vontade de voltar lá, já não vou há muitos anos e gostava de voltar a Londres.
- 2020? 2020 foi um ano de paragem. Para mim, foi muito importante porque estava a precisar desta paragem. Foi também tranquilidade, pois foi a paragem de que eu estava a precisar, isto é, foi um ano sabático.
- 2021? Esperança, porque tenho esperança de que se possam resolver algumas coisas ainda este ano e que possamos retomar as nossas vidas.
- Futuro? O futuro é uma incógnita, mas eu quero acreditar que é um futuro azul, um futuro com um mar saudável. Com os esforços de tanta gente junta, eu quero acreditar que é um futuro bastante azul e risonho.
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