"Devemos repensar a forma como nos alimentamos."

"Devemos repensar a forma como nos alimentamos."

 

Ângela Morgado tornou-se coordenadora do programa e da Equipa da WWF Mediterrâneo em Portugal há 10 anos e atualmente é Diretora Executiva da ANP | WWF.

Falámos com ela sobre desperdício alimentar, a urgência de alterar o nosso consumo de alimentos e sobre o papel que o nosso país vai desempenhar nas mudanças ambientais ao tomar a Presidência do Conselho da União Europeia em 2021.

Como é que surgiu a possibilidade de associar a ANP (Associação Natureza Portugal) à WWF?
A ANP trabalha em associação com a WWF desde a sua criação em 2017, tendo assinado um acordo de cooperação com a organização de conservação global que lhe permite usar a assinatura ‘ANP em associação com WWF’ e o logo em co-branded. A missão da ANP está 100% alinhada com a missão da WWF Internacional e o programa de conservação da WWF (e todos os projetos no terreno) com as práticas de conservação da WWF. Esta associação foi criada para continuar o trabalho que a organização já vinha fazendo em Portugal no contexto do programa Mediterrâneo da WWF. A criação de uma associação portuguesa permitiu criar uma estrutura independente e autónoma e assim conseguir atingir maior impacto na conservação em Portugal e na sociedade portuguesa em geral.

Um dos vossos grandes focos é a questão de uma agricultura sustentável e de uma dieta “amiga do ambiente”. Qual é a importância da nossa alimentação nas mudanças climáticas dos dias de hoje?
Para travar a perda de biodiversidade e as alterações climáticas, A ANP|WWF defende uma nova Política Agrícola Comum (PAC) para o período 2023-2027- uma PAC mais verde, alinhada com o Pacto Ecológico Europeu, uma das bandeiras do mandato da atual Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen.
A agricultura que defendemos é uma Agricultura Mais Amiga do Ambiente que defende a Biodiversidade:  incorporando a Estratégia Do Prado Ao Prato e evitando que a agricultura continue a ser uma das principais causas da perda de biodiversidade; que é Mais Sustentável incluindo uma gestão responsável da água e dos solos; e Mais Justa e Equitativa – eliminando subsídios perversos e condicionando os restantes aos objetivos do Pacto Ecológico Europeu.

Nos últimos 50 anos, a produção alimentar causou 70% da perda de biodiversidade em terra e 50% em água doce (dados ANP/WWF Portugal). Qual tem sido o verdadeiro impacto da alimentação que temos hoje em dia no ambiente?
É imperativo mudar a forma como produzimos e consumimos alimentos.
O relatório da WWF “Achatar a Curva: O Poder Restaurador das Dietas que Respeitam o Planeta» demonstra como a mudança para dietas sustentáveis pode não só melhorar a nossa saúde, como ajudar a salvar o planeta. A mudança na nossa dieta é essencial para travar a perda de biodiversidade.

Quais são as mudanças mais simples que podemos fazer na nossa alimentação de forma a respeitar a biodiversidade?
Devemos repensar a forma como nos alimentamos se quisermos dar resposta à crise climática e à perda de biodiversidade; consumir mais vegetais, que já fazem parte da dieta mediterrânica. Defendemos um consumo responsável de pescado e de carne conjugado com o consumo de vegetais e verduras e produtos locais apoiando os mercados locais e a economia local e de curta distribuição.

O consumo europeu representa cerca de 10% da desflorestação global.  O que é que motiva uma percentagem tão elevada?
Desde 2015 que, ano após ano, 10 milhões de hectares (mais do que o total do território de Portugal) de florestas são destruídos. Os países da União Europeia são responsáveis por mais de 10% da destruição das florestas mundiais, impulsionada pelo consumo de produtos como carne, laticínios, soja para alimentação animal, óleo de palma, borracha, café e cacau. Os consumidores podem ser mais responsáveis no seu consumo e ajudar a garantir que não destroem irremediavelmente alguns dos ecossistemas mais importantes do nosso planeta.

Sente que existe cada vez mais uma preocupação ambiental por parte dos cidadãos? E como foi essa evolução, é recente, ou já sente estas preocupações há alguns anos?
Sim, penso que os cidadãos estão cada vez mais informados e preocupados com a saúde do Planeta e hoje mais que nunca sabem que a Natureza é a base da nossa vida e o escudo protetor que temos. Os cidadãos começam a defender uma natureza e um modelo de crescimento económico alicerçado em medidas que não prejudiquem mais o nosso clima e a biodiversidade. Uma natureza saudável significa uma vida saudável e esta pandemia mostrou que a proteção da natureza deve estar no centro de todas as decisões e devemos todos contribuir para um planeta saudável e mais justo. A forma como consumimos os recursos do nosso Planeta está no centro da questão. Penso que a maioria dos cidadãos defende o direito a uma vida ambientalmente saudável e uma vida mais equilibrada, mais justa e mais segura. Mas para isso precisamos de agir e alterar a forma como consumimos.

Existem vários estudos que apontam para a recuperação dos espaços florestais, e criação de espaços verdes, como sendo uma das principais bases para reverter as alterações climáticas. Concorda? E qual é o nosso papel individual?
Sim, a recuperação dos espaços verdes e da paisagem florestal como um todo é um passo muito importante para combater as alterações climáticas e a perda de biodiversidade. O nosso papel individual é alterarmos a forma como consumimos os recursos naturais, a forma como exercemos a cidadania ambiental a forma como damos voz ao que queremos que á a nossa Natureza de volta e restaurada.

Entre janeiro e junho de 2021, Portugal vai presidir ao Conselho da União Europeia. Uma das prioridades deste Conselho, de acordo com o programa, é assegurar uma transição e uma sociedade mais “verde”. Qual acha que vai ser o nosso papel durante estes 6 meses, e qual a importância que o nosso país poderá ter?
Temos uma enorme expectativa nesta Presidência Portuguesa do Conselho Europeu e no desempenho do nosso Governo. A pandemia demostrou como a saúde humana está intimamente ligada à relação que temos com o ambiente. A União Europeia tem sido firme no objetivo de garantir que a recuperação económica vai tornar a nossa economia e a nossa sociedade mais resiliente e mais inclusiva, e agora é o momento para o nosso Governo assumir um papel de liderança nessa reconstrução, que assegure uma economia climaticamente neutra, que proteja e restaure a natureza, a saúde e o bem-estar das pessoas sem deixar ninguém para trás. Esperamos que a Presidência de Portugal lidere esta Transição Verde sem hesitações.

Esperamos que a Presidência Portuguesa cumpra os propósitos do Pacto Ecológico Europeu e os compromissos assumidos no Acordo de Paris.

Durante a Presidência Portuguesa deve intensificar-se a ação política contra as alterações climáticas e contra a perda de biodiversidade a nível da UE, nacional e internacional, reforçando e prosseguindo a implementação das metas, estratégias e leis anunciadas no Pacto Ecológico Europeu, destacando-se nesta matéria a aprovação da Lei do Clima, a Estratégia de Adaptação das Alterações Climáticas, a Nova Estratégia para a Floresta e a decisão sobre o 8.º Programa de Ação de Ambiente.

Como Diretora Executiva da ANP|WWF, a Ângela acaba por ter um papel fundamental na sensibilização dos cidadãos e na passagem de informação sobre a biodiversidade. É fácil desligar deste “papel”, chegar ao final do dia e descansar? Ou é um trabalho contínuo, de 24 sobre 24 horas?
Digamos que é um trabalho que tem um espirito de missão muito forte e onde realmente temos contacto com muita informação de base cientifica que nos ajuda a definir melhor o nosso papel como cidadão ativo; com tudo o que sabemos e que vemos neste trabalho é impossível não defender a nossa natureza e não ter uma postura mais ativa nas restantes horas do dia em que não se está a trabalhar. É claro que transportamos este ativismo e esta vontade de fazer mais e melhor pelo nosso Planeta para casa, para os amigos, família, etc.

Tem mentores, ligados à área da sustentabilidade, que a inspirem?
A WWF inspira-me, todos os meus colegas que trabalham muito e de forma muito difícil em contextos muitas vezes extremamente complicados do ponto de vista social e económico com esta missão e esta paixão de salvar a natureza para que todos possamos usufruir. Isso inspira-me. E também todas as pessoas comuns como eu que contribuem para que os rios continuem livres, as florestas continuem verdes, os oceanos saudáveis, isso é uma grande inspiração.

Quando se torna imperativo desligar das questões ambientais, que se torna num trabalho muito exaustivo, ao que se dedica a Ângela? Quais são os seus interesses?
Correr, cinema, arte, yoga e meditação.

Qual é a principal motivação para levantar de manhã?
Eu própria e a minha vida (e procurar ser feliz e ter a serenidade para lidar com o que é menos positivo confiando sempre na bondade humana).

O que mais podemos esperar da ANP/WWF no futuro?
Todas as pessoas que trabalham na ANP o fazem com paixão, emoção, com dedicação e com alegria, por isso contribuímos certamente para uma natureza positiva. Teremos mais projetos e continuaremos sempre a proteger a natureza e a opormo-nos a tudo o que a destrói.

A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em...
WWF?
 O panda
A maior paixão? Os meus filhos
O maior receio? Que os meus filhos (e todos os outros jovens) não possam usufruir da natureza como eu usufrui e assim não possam ser inspirados pelo seu poder e beleza.
O que me move? Energia positiva e intuição
A minha inspiração? Os meus pais
Um sentimento? Aceitação
Um livro? O que estou a ler - Barak Obama Uma Terra Prometida
Um filme? A Lista de Schindler (um filme que me marcou)
Uma viagem? Quénia
2020? Um ano que me desafiou pessoalmente e profissionalmente
2021? Um ano em que espero mais
Futuro? Tranquilo e rodeado de quem mais amo.