"Temos de olhar cada vez mais para a Natureza e aprender muito com ela"

"Temos de olhar cada vez mais para a Natureza e aprender muito com ela"

 

César Henriques é Fundador e CEO da EcoX. Estivemos à conversa com ele e falámos sobre como começou a EcoX, sobre Economia Circular e Upcycling, os impactos negativos do óleo quando não é descartado corretamente, o impacto positivo que a EcoX tem trazido e muito mais.

 

Falando da história da EcoX, tudo começou na Universidade de Coimbra, enquanto aluno de Química Verde. Quer explicar um pouco melhor como surgiu este projeto?

Estava a realizar o meu doutoramento na área de Química Verde na Universidade de Coimbra e, um dia, no laboratório ouvi uma reportagem na rádio de alguém que fazia sabonetes a partir do azeite. O que achei é que não fazia sentido usar um bem caro e de primeira necessidade para produzir produtos de limpeza, mas sim usar algo que fosse um desperdício. A partir desse momento dá-se o “click” para pesquisar um desperdício que pudesse ser valorizado e é aí que surge o óleo alimentar usado. Os passos seguintes foram fazer uma caracterização do “estado da arte”, verificar oportunidades (produto e inovação) e “colocar a mão na massa”. Nesta fase, e com mais pessoas que se juntaram ao projeto, decidimos que o nosso posicionamento devia ser, numa primeira fase, na área de sensibilização/educação porque existia (e ainda existe) uma grande iliteracia ambiental, com principal foco no óleo alimentar usado. Assim, desenvolvemos o nosso primeiro produto - o SOAPY (que ainda hoje existe) - e mais tarde alargámos a nossa tecnologia à gama de produtos de higiene e limpeza.

 

A ligação à sustentabilidade sempre foi uma preocupação pessoal, ou houve um momento na vida do César que o fez tomar mais atenção às questões ambientais?

Eu nasci numa pequena aldeia do concelho de Oliveira do Hospital, perto da Serra da Estrela, onde o contacto com a natureza, o viver com o essencial e em comunidade sempre fizeram parte do meu dia-a-dia. Por isso, posso dizer que a sustentabilidade sempre esteve presente no meu ADN e foi algo que sempre me preocupou, daí algumas das opções que também tomei na minha formação. Acabei por entrar em química (uma área que sempre gostei no básico e secundário) e depois acabei por seguir áreas mais viradas à sustentabilidade no mestrado e doutoramento (processos químicos sustentáveis e química verde, respetivamente).

 

A típica frase "óleo e água não se misturam" foi ou não um desafio para a criação dos vossos detergentes?

Não foi um desafio, mas sim uma oportunidade. Também existe uma típica frase de um conceituado químico, Lavoisier, que diz “Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Por isso, foi só olhar para a natureza, perceber o que acontece à gordura que ingerimos e transpor o processo para a valorização do óleo. Diria que, hoje em dia, já não temos muito para inventar, temos sim é de olhar cada vez mais para a Natureza e aprender muito com ela.

 

A Economia Circular e o Upcyling são dois conceitos muito vincados na identidade da EcoX. Quer explicar um pouco melhor como põe ambos os conceitos em prática?

Bem, são dois conceitos muito parecidos, mas com particularidades diferentes. O upcycling é um conceito de economia circular que visa a transformação de resíduos em produtos de valor acrescentado e é isto que nós fazemos com a valorização do óleo alimentar usado em detergentes. Por sua vez, a economia circular, para além do conceito de upcycling também incorpora a reciclagem e reutilização e também aqui nós intervimos com principal foco na reutilização em dois patamares: 1) possibilitando aos nossos clientes irem às nossas lojas parceiras fazer refill das suas embalagens através da comercialização dos detergentes a granel; 2) recolhendo as embalagens dos nossos parceiros, higienizando-as e voltando a colocá-las no mercado.

 

Tendo nascido no ano de 2016, qual tem sido a evolução da EcoX ao longo destes 6 anos?

A empresa foi criada em 2016, sendo que de 2016 a 2019 estivemos apenas focados na área de sensibilização/educação e investigação. Só a partir de 2019 é que começámos a comercialização de detergentes.  A evolução tem sido muito positiva, numa primeira fase de 2016 a 2019 com crescimento mais moderado, mas a partir de 2019 com um forte crescimento. Atualmente estamos numa fase de estabilização dos processos da empresa e de aposta em mercados internacionais.

 

Onde é que a EcoX encontra estes resíduos de óleo alimentar usado para os seus detergentes?

A nossa principal matéria-prima, o óleo alimentar usado, vem tanto do setor doméstico, onde temos oleões em algumas lojas que comercializam os nossos detergentes e parcerias com escolas e câmaras municipais, como do setor profissional, onde recolhemos óleos em hotéis, restaurantes, cafés, entre outros.

 

Os produtos de limpeza da EcoX já permitiram reciclar 24.000 litros de óleo alimentar. Conseguem ter noção do impacto positivo que esta 'reciclagem' teve?

O impacto que temos pode ser analisado em dois patamares. Primeiro, se pensarmos que um litro de óleo pode contaminar até um milhão de litros de água, podemos referir que já evitámos que até 24 mil milhões de litros de água pudessem ser contaminados com este óleo. Por outro lado, este óleo que reciclámos é ainda “uma gota no oceano” pela quantidade de óleo que existe em Portugal e pela quantidade que não está a ser reciclada. De acordo com a Associação Zero, em Portugal são produzidos anualmente cerca de 58 mil toneladas de óleo alimentar usado e só 28 mil toneladas são recolhidas (dados de 2017). Isto é, existem 35 mil toneladas de óleo alimentar usado a serem descartadas de forma inadequada. Acreditamos que parte do nosso trabalho nos últimos anos tenha também contribuído para aumentar estes níveis de recolha.

 

1 litro de óleo é o suficiente para contaminar 1 milhão de litros de água. Quais são propriamente os efeitos desta contaminação? E será que a população portuguesa tem conhecimento dos mesmos?

Os efeitos desta contaminação são vários e a grande maioria da população não tem noção dos mesmos e é por isso que continuamos com as nossas ações de sensibilização desde o início do projeto para combater esta iliteracia.

Como já referiram, o principal problema do óleo alimentar usado é este não se misturar com a água. Por isso, quando o colocámos pelo ralo ele pode causar entupimentos tanto nas nossas casas como na rede pública. Por sua vez quando chega às ETAR´s dificulta e aumenta o custo de tratamento das águas residuais. Para além disso, se o tratamento das águas residuais com óleo não for eficiente nas ETAR´s, que acontece muitas vezes, as águas contaminadas com óleos são colocadas em meios aquáticos adjacentes.  Como o óleo forma uma barreira superior na água, este dificulta a entrada de luz solar e oxigénio que são imprescindíveis para os seres vivos que ali habitam.

 

Quando é que tiveram noção dos danos que o óleo alimentar provoca quando entra em contacto com os meios aquáticos?

Desde o início tivemos noção disso. Como disse no início da entrevista, na fase inicial do projeto fizemos uma caracterização do “estado da arte” e logo aí ficámos impressionados com o panorama geral. Logo, decidimos apostar primeiro na sensibilização desta temática e criar uma ferramenta, o kit SOAPY, que ajudasse a mitigar estes efeitos.

 

Atualmente, as embalagens dos detergentes da EcoX são feitas com 50% de plástico reciclado. Têm planos para aumentar esta percentagem nos próximos tempos?

As embalagens da EcoX são feitas “apenas” com 50% de plástico reciclado por uma razão muito simples: atualmente com a tecnologia e sistema de recolha de plástico existentes não é possível incorporar mais plástico e garantir a qualidade da embalagem. Certamente, estão a pensar fazer-me a pergunta do porquê de existirem embalagens com 100% de plástico reciclado no mercado? Essas embalagens de 100% de plástico reciclado que existem no mercado são de PET (Polietileno tereftalato) que é um plástico menos resistente e que não pode ser usado em todo o tipo de detergentes. Como nós queríamos ter uma embalagem universal e resistente para que pudesse ser usada uma e outra vez (por questões de ecodesign e economia circular), tivemos de usar o PP (polipropileno) que é um plástico mais “complexo” de reciclar (existe muita “derivatização” deste no mercado e que torna a reciclagem e processos de separação mais difíceis para as tecnologias de reciclagem atuais) e cuja incorporação máxima de plástico pós-consumo que se consegue é de 50%. Contudo, estamos a trabalhar em projetos internos e com os nossos parceiros para aumentar esta percentagem.

 

Como é que um detergente pode ser sustentável se vem numa embalagem de plástico?

Respondo à questão com uma pergunta: Então podia vir em que tipo de embalagem? Papel? Não, porque o papel não “aguenta” líquidos, exceto se tiver películas de plástico no interior e que desta forma faz com que o papel não possa ser reciclado. Vidro? Podia ser uma hipótese, porém o vidro é mais pesado (o que iria aumentar os custos de transporte e emissões de CO2), é feito a partir de areia (a remoção da areia do fundo do mar deixa as comunidades costeiras abertas a inundações e erosão) e são necessárias altas temperaturas (acima de 1000ºC ao invés dos 100-200ºC necessários para o plástico). Por isto, o vidro deixa de ser uma solução ambientalmente mais eficaz que o plástico. Apesar de todos os problemas que o plástico possa ter, ainda é a solução mais sustentável no mercado dos detergentes, desde que seja bem usado. No caso da EcoX temos ainda a embalagem feita com 50% de plástico reciclado e que pode ser usada uma e outra vez, para sempre.

 

Os produtos da EcoX são feitos através de uma tecnologia inovadora. Sente que, criar esta marca em Portugal, e fabricar os produtos em Portugal, tem sido um processo amigável ou tem encontrado muitas dificuldades?

Qualquer tecnologia inovadora, por ser um conceito disruptivo, tem o seu tempo de penetração de mercado. Tem sido um processo amigável, mas também sabemos as limitações, em termos de volume e do mercado nacional. Porém, temos cada vez mais ferramentas e processos disponíveis para tornar as tecnologias acessíveis a todo o mundo.

 

O que podemos esperar da EcoX no futuro?

A EcoX é uma empresa com ADN inovador e é aí que vai continuar a apostar no futuro, tanto em produtos como em modelos de negócio sempre com foco na economia circular e no upcycling.

 

A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em...

- EcoX? Sustentabilidade

- A maior paixão? A EcoX

- O maior receio? A banalidade da sustentabilidade

- O que o move? As pessoas e a natureza

- A sua inspiração? As pessoas

- Um sentimento? Felicidade

- Um livro? Factfulness

- Um filme? The Godfather

- Uma viagem? Quénia

- 2021? Pós-Covid

- 2022? Inflação

- Futuro? EcoX