"Podes levar 20kg de barbatanas de tubarão na tua mala do avião, mas não podes uma lata de refrigerante"

"Podes levar 20kg de barbatanas de tubarão na tua mala do avião, mas não podes uma lata de refrigerante"

 

Christopher Storey é o Diretor da Sea Shepherd Portugal. Estivemos à conversa com ele e falámos sobre a sua paixão pelo mar e por tubarões, os problemas atuais da conservação da vida marinha, os efeitos da sobrepesca nos oceanos, se uma pesca sustentável é possível e muito mais.

 

Como é que nasceu a sua paixão pelo mar e pelos oceanos?

Desde pequeno que sempre tive uma admiração por tubarões, tendo sido essa a razão pela qual me tornei num instrutor de mergulho e, a partir daí, acabei por me aperceber que o meu destino era fazer algo pela vida marinha e pelo estado do nosso planeta.

Enquanto criança, tinha um fascínio por dinossauros e pela era pré-histórica, tendo os tubarões chegado depois, mas de forma intensa. Para mim, os tubarões são criaturas majestosas que fazem parte da minha fantasia de infância.

A minha paixão pelo oceano também teve outra razão de ser. É que - desde criança - sempre gostei de brincar no banho e de tentar suster a minha respiração o máximo de tempo que conseguisse. E claro que não podiam faltar nestas brincadeiras os meus tubarões de brincar! Portanto, foi desde cedo que este fascínio pelo mar surgiu, com estas pequenas brincadeiras.

A minha mãe também me chegou a comprar enciclopédias de tubarões e, por isso, desde cedo fui estudando muito sobre esta criatura, descobrindo as diferentes espécies e aumentando o meu fascínio pelos tubarões.

Na verdade, todo o meu corpo está repleto de tubarões. Tenho várias tatuagens de tubarões e também de polvos, que é outro animal que eu admiro muito.

Em relação ao curso de instrutor de mergulho que acabei por tirar mais tarde, também há uma história por trás. Quando me mudei para o Algarve, ainda não sabia o que ia fazer em termos profissionais. Comecei como barman, passei por animador em hotéis, fui cantor... Até que um dia vi num jornal - já não me recordo qual - um artigo sobre um estágio de instrutor de mergulho, que teria 6 meses de duração. O estágio não era pago, mas ficava com o curso e a licença de instrutor de mergulho. Por isso, fui fazendo o curso durante o dia e a música fazia parte da minha vida à noite, tendo-me mantido ocupado dessa forma durante uns meses. Com o curso concluído, trabalhei em três centros de mergulho no Algarve e partir daí fui até à Nova Zelândia, Maldivas, Espanha e diferentes partes do mundo.

 

Há muito tempo que os problemas nos oceanos existem, apesar de apenas mais recentemente serem muito discutidos publicamente. Qual foi o momento em que o Christopher se apercebeu da necessidade urgente de cuidar dos nossos mares?

Depois de mergulhar em muitos países e de ver em primeira mão a destruição e a dizimação do oceano. Ao mergulhar de Portugal às Maldivas e ao ver a quantidade de lixo dos últimos 20 anos é realmente assustador. Também acompanho a Sea Shepherd desde os anos 90, vi o que acontecia no Canadá com as focas por causa do seu pelo, com as baleias na Antártica e a sobrepesca que tem vindo a acontecer desde os anos 80 devido ao aumento da procura por bacalhau, salmão, etc.

Não me apercebi de forma automática destes problemas dos oceanos. Na verdade, os problemas variam muito de país para país e de continente para continente. O continente asiático é muito mais poluído do que os restantes, por causa das pessoas e da sua falta de conhecimento e de edução para os problemas ambientais. Na Tailândia, por exemplo, chegou a haver zonas onde mergulhei em que nem se quer era possível ver debaixo de água, com tanto lixo que havia. Por vezes, até parecia que estava a ver criaturas marinhas, mas na verdade eram apenas sacos de plástico, razão pela qual os próprios animais os ingerem, porque pensam que é comida.

Apesar da questão do lixo ser marcante, a verdade é que comecei a ficar mais desperto para este problema dos oceanos quando comecei a ver animais presos em equipamento de pesca. Encontrei várias vezes gaivotas com as asas presas em cordas e fios de pesca.

Em suma, o que me chocou mais não foi ver o lixo na água, mas antes ver a vida marinha a sofrer e a ficar encurralada, presa, mutilada e estrangulada com os materiais de pesca. Foi por esta razão que criei uma ONG chamada “Ghost Network”, que é uma organização que se dedica a recolher redes fantasma, de forma a proteger a vida marinha. Temos agora um projeto em Setúbal, com o apoio de diferentes entidades, em que recolhemos as redes de pesca perdidas, de forma a proteger os animais. Esta iniciativa é muito a jusante do problema, sendo necessário ter uma ação mais a montante. Ainda assim, é uma ação necessária!

Há, para além da Ghost Network, várias ONG’s e iniciativas que se dedicam a esta causa das redes fantasma, mas a verdade é que não são muito conhecidas. Estes projetos não têm os recursos ou o dinheiro para publicitarem o seu trabalho, acabando por serem pouco conhecidos e reconhecidos. Claro que querem aumentar a consciencialização e falar dos problemas com que batalham, mas como estão tão focados em combater o problema em si e dedicados às diferentes ações do dia-a-dia, acabam por se dedicar pouco à questão da divulgação da informação. Infelizmente, não têm o tempo nem os recursos para o fazer.

 

A aventura da Sea Shepherd começou em 1977, no Canadá. Inicialmente, eram rotulados de “rebeldes”, já foram considerados “piratas” e “eco-terroristas” em 2013 quando entraram em águas japonesas... como tem evoluído a forma como a comunidade mundial olha para a Sea Shepherd?

Certamente que evoluímos com o passar do tempo, como acredito que o devíamos ter feito. Mas também estamos orgulhosos do nosso passado, porque fomos a única ONG de ação direta e alguém tinha de fazer isso. Definitivamente fomos vindo a ser vistos sob uma luz diferente e com a ajuda de filmes importantes, como o “Seaspiracy”, pudemos mostrar isso ao grande público.

Juntei-me à Sea Shepherd precisamente por sermos rebeldes e por termos uma ação direta. Em último caso, se não há uma ação direta, não há uma mudança e as coisas não acontecem. Podemos andar com cartazes, fazer petições, entre outros, mas há uma excelente citação de Paul Watson, que diz o seguinte: “Nenhum governo fez uma grande mudança, é o indivíduo que a faz”. E esta mudança só acontece através da ação direta.

Respondendo à questão, no passado fomos rebeldes porque tínhamos de o ser. Mas a verdade é que nunca ninguém ficou ferido ou morreu com as nossas ações. No entanto, fomos várias vezes ameaçados, assustados com garrafas de vidro partidas, entre outras situações violentas. Da nossa parte, no máximo impedíamos os barcos de se abastecerem ou atirávamos bombas de mau cheiro, sendo esse o ato máximo da nossa rebeldia.

Fomos evoluindo com o passar do tempo e atualmente trabalhamos mais com os governos, como no México ou na África Ocidental. Esta mudança é muito positiva porque acabamos por ajudar os países que não têm os recursos nem os conhecimentos para protegerem os seus oceanos, partilhando aquilo que nós temos e unindo forças para um bem comum.

Com isto, acho que as pessoas finalmente estão a ver o lado positivo das nossas ações, sendo que tem havido outros fatores que nos têm ajudado, como é o caso do documentário “Seaspiracy”.

Ainda assim, às vezes ainda lutamos contra essa imagem negativa a que algumas pessoas nos associam, especialmente em gerações mais antigas. Também o nosso próprio logótipo pode ser considerado um pouco “agressivo”, por ser um logótipo pirata, mas a verdade é que transparece totalmente a nossa identidade: somos os piratas do bem.

Resumidamente, os tempos mudaram e nós mudámos com o tempo. Para além disso, também descobrimos que estas campanhas que temos feito - como é o caso das INN (Campanhas da Pesca Ilegal) – têm um impacto muito grande. Grande parte dos locais em África não tem trabalho, pois o seu mar está a ser invadido por grandes empresas de pesca de todo o mundo (e não apenas de África), deixando-os sem peixe, não podendo trabalhar nem alimentar-se. Há locais que se viram para o mato, mas não é suficiente. Por tudo isto, o único caminho acaba por ser a pirataria. Na Somália, por exemplo, os piratas têm sempre uma cobertura negativa, sendo os maus da fita quando, na verdade, este é o último recurso que têm para poderem sobreviver: recuperar o peixe que as empresas internacionais lhes têm vindo a tirar. Se não pescássemos nas suas águas, os locais da Somália teriam peixe suficiente para alimentar as suas famílias e para sobreviver.

 

Apesar da Sea Shepherd contar já com várias décadas de história, só em 2019 é que chegou a Portugal. Qual a razão?

Grande parte do público português já vinha demonstrando interesse para que a Sea Shepherd iniciasse um capítulo em Portugal, fazendo esse pedido diretamente à sede da Sea Shepherd. No entanto, até esse passo ser dado foi necessário salvaguardar uma série de questões, como por exemplo ter alguém responsável pelo projeto.

Como eu morava em Portugal e já colaborava com a Sea Shepherd Global, foi uma decisão fácil de tomar e aceitei o desafio de arrancar com este projeto em Portugal. No entanto, desde início referi que aceitava esta função a curto prazo, pois acredito que a Sea Shepherd Portugal deve ter alguém português no comando, até para mais facilmente motivar os portugueses a aderir ao movimento.

 

Sendo o diretor da Sea Shepherd Portugal, já passou por muitas experiências no mar. Pode contar-nos duas experiências que o tenham marcado (uma pela negativa, outra pela positiva)?

Estou agora a trabalhar a tempo inteiro para a sede da Sea Shepherd Global como Partnerships Manager. Vou continuar a ser voluntário para a Sea Shepherd Portugal, mas mais na parte das parcerias. Ou seja, não tenho muitas histórias no mar com a Sea Shepherd para poder partilhar, visto que sou um “guerreiro do teclado”.

As minhas principais experiências no mar são mais de mergulho, tal como falei anteriormente. O positivo destas experiências é que conheci muitos outros mergulhadores em todo o mundo, que estão a fazer muitas coisas boas em prol dos oceanos e da vida marinha, como tirar redes fantasmas do mar, restauração de corais e restauração submarina.

A parte negativa é receber quase diariamente fotografias de espécies mortas como golfinhos, tubarões, baleias e muito mais. Um dos maiores problemas é a captura acidental. Tanto golfinhos, como baleias, entre outras espécies, são apanhados em redes de pesca, sendo posteriormente devolvidos ao mar - já feridos ou até mortos - acabando por ser levados para a costa. Em Portugal, infelizmente, temos registado muitos animais marinhos nesta situação.

 

Para proteger as espécies marinhas em vias de extinção, o vosso trabalho passa por ações que podem ir desde a limpeza do mar e dos areais até ao debate sobre o fim de atividades piscatórias, que põem em risco, de forma desnecessária, muitos animais. Que outros esforços e dinâmica estão presentes no dia-a-dia da Sea Shepherd Portugal?

As nossas embarcações estão constantemente no mar, devido à nossa campanha de INN que falei anteriormente, e que pretende combater a pesca ilegal não declarada e não regulamentada. Já fizemos mais de 70 detenções em África, juntamente com as marinhas locais, sendo isto algo bastante impactante e que ajuda a combater a pesca ilegal.

Já o meu trabalho, por exemplo, está muito focado criação e gestão de parcerias, seja com marcas sustentáveis, empresas e muito mais. Estas parcerias ajudam-nos a divulgar a nossa causa, assim como nos ajuda também financeiramente a manter o nosso navio na água.

Mas, de uma forma geral, podemos dizer que há vários tipos de funções no dia-a-dia de um voluntário na Sea Shepherd. De facto, e fazendo aqui um apelo, estamos ativamente à procura de voluntários com funções específicas. Sejam Parcerias, Eventos ou Limpezas de Praia, estas acabam por ser as três principais funções no dia-a-dia dos nossos voluntários. No entanto, se há pessoas com outras valências e que pretendem ajudar, tal também é possível. Por exemplo, alguém que tenha formação na área da Contabilidade, pode ajudar-nos a tratar da parte mais burocrática da nossa rotina diária. Também aceitamos a ajuda de quem tenha formação na área de Publicidade e Marketing, acabando por ser uma mais-valia na divulgação do nosso projeto e da nossa causa.

 

A Sea Shepherd opta por um estilo de ativismo de ação direta – envia a sua frota de navios para reportar e impedir o trabalho de embarcações de pesca ilegal e não regulamentada, como é o caso por exemplo da caça de baleias. Acredita que a ação direta, no terreno, é a única forma que temos atualmente de fazer realmente a diferença?

Para a Sea Shepherd, sim. A ação direta está no nosso ADN. Especialmente no passado, ninguém fazia nada; chamavas as agências de proteção ou de regulamentação e eles simplesmente reportavam a situação, mas não faziam nada para parar. Os navios ilegais levavam apenas uma reprimenda, mas o navio não era apreendido. Até podia ter lá golfinhos mortos e milhares de barbatanas, podia estar a acontecer tráfico humano... há uma parte que não é só ambiental, também é ética. Há um grave problema de condições humanas nesses navios também.

Pode não ser a única forma, mas somos muito bons a fazê-lo. Existem muitas outras ONGs que tratam das outras partes como comunicação científica, lobbying... nós deixamo-las fazer essa parte e a ação direta fica para nós.

Na verdade, nós também fazemos lobbying, mas fazemo-lo de uma forma que tem sempre ação direta. Em França, pegámos num golfinho morto e colocámo-lo à frente do Parlamento, para dizer “estão a ver? É isto que está a acontecer”. E essas pessoas acabaram por ser presas, mas tudo apareceu nas notícias e fez as pessoas pensarem que realmente se tratava de uma situação grave e que tinham de fazer alguma coisa por estes animais. Mostra que é chocante e agressivo, mas é a única forma de entrar na cabeça das pessoas, porque somos muito bons a ignorar aquilo que não vemos.

Se eu fosse à floresta, metesse umas cordas à volta de girafas e leões e os trouxesse, decapitasse e começasse a comê-los, eu era mal visto. Mas não há problema quando vamos ao mar e o fazemos aos tubarões, aos polvos, que são uma das criaturas mais inteligentes no mundo, aos golfinhos... quer dizer, quando são golfinhos, as pessoas já se preocupam, porque toda a gente adora golfinhos. E ninguém quer saber, porque assumem que é assim que o mundo funciona.

Na Sea Shepherd, também temos aquilo que chamo de MATE – Música, Arte, Tattoos e Educação. Temos artistas que trabalham com a Sea Shepherd que usam a arte como forma de educação, como é o caso do Chico Gaivota, em Portugal.

Em último caso, a ação direta sempre foi e continua a ser uma das únicas formas de realmente fazer acontecer.

 

Em Portugal, sente que os esforços políticos são suficientes para ajudar os grupos de conservação, ou ainda estão muito longe do ideal?

Tenho de ser cuidadoso com o que vou dizer, não é. [risos] Não só o governo português, mas também o espanhol, e do Reino Unido...

Portugal e Espanha têm a maior quantidade de peixe consumida em toda a Europa, é algo cultural, eu percebo. Mas também têm uma das maiores redes de comércio de barbatanas de tubarões – se não me engano, a terceira maior da Europa.

Nestas novas eleições, Portugal não voltou a eleger um Ministro do Mar, não há uma figura política dedicada apenas ao mar, o que é uma loucura. Temos uma zona costeira enorme, a terceira maior zona económica exclusiva da Europa...

Eu tenho uma boa relação com os membros da Direção-Geral de Política do Mar (DGPM), mas eles focam-se maioritariamente em aquacultura, portos e pesca. O que não tem qualquer problema, mas não se focam em restauração e conservação. Os conservacionistas acabam por ser encarados com uns “chatos”, porque se colocam no meio dos interesses monetários; não deixam construir hotéis em determinados locais e tudo o mais. Toda a indústria tem a ver com dinheiro, naturalmente. A Mitsubishi (que é dona de uma marca de atum em conserva) continua a apanhar atuns apesar de terem armazéns com milhares de milhões de dólares em atum. Isto porque querem continuar a apanhá-lo até que se extinga e depois podem sentar-se nesta mina de ouro de atum congelado.

E é a mesma coisa com os governos, tudo tem a ver com dinheiro. Eles não querem saber, tal como as pessoas que moram em ilhas ou junto à costa não querem saber. Muitas delas dizem que são próximas do oceano, mas, para elas, serem próximas do oceano significa sentarem-se na praia a apanhar banhos de sol. Elas não sabem metade do que está realmente na água e muitos pescadores não sabem sequer a diferença entre um peixe e um mamífero. E não sabem porque nunca precisaram de saber. Só precisavam de ir ao mar, trazer o peixe e ganhar dinheiro, ou comê-lo.

O último Ministro do Mar era bastante interessante, fez muita coisa pelo oceano e pela conservação, mas já não está no comando. Nós vamos falar num evento da União Europeia em breve, e vai haver muitos elefantes na sala nesse evento. Os governos não precisam de ajudar financeiramente, mas têm de fazer alguma coisa.

Por exemplo, temos estado a fazer umas obras de arte no Município de Setúbal a partir de redes de pesca. Ficaram muito contentes porque não vão ter de pagar a alguém para limpar estas redes do porto e ficam com umas obras de arte. É uma situação favorável para eles. Mas quando quero um pequeno espaço para armazenar as redes, dizem “ah, não temos espaço”.

 

“A pesca ilegal é responsável por cerca de 11-26 milhões de toneladas da captura anual de peixes em todo o mundo”. No que consiste a pesca ilegal e como combatê-la?

A pesca ilegal ocorre quando as embarcações operam violando e desrespeitando as leis existentes. A pesca não declarada é a pesca que não foi declarada à autoridade nacional competente ou que foi declarada, mas de forma falseada. A pesca não regulamentada geralmente refere-se à pesca por navios sem nacionalidade, navios com a bandeira de um país que não faz parte da RFMO que rege essa área de pesca ou espécie em alto mar, ou pesca em áreas não regulamentadas. Atualmente, existem multas pesadas para qualquer atividade de pesca ilegal, podendo até as autoridades competentes exigir que as embarcações em questão sejam retiradas do mar. Contudo, acredito que precisamos de mais inovação e tecnologia para monitorizar o oceano e principalmente a pesca ilegal.

 

Falando de Portugal, um país culturalmente ligado ao mar e à pesca – afinal, temos uma costa enorme rodeada por oceano – qual o nosso impacto na conservação marinha?

Infelizmente, temos tido um impacto muito negativo na vida marinha, e não estamos a ter um grande impacto positivo. Há muito tubarão a ser vendido nos grandes hipermercados, como Auchan, Continente, e eles vendem-no sobre nomes diferentes. É o caso da tintureira – é uma espécie de tubarão. Eles mudam o nome para que as pessoas comprem sem saberem o que estão a comprar.

No passado, podíamos trazer apenas as barbatanas e deixar o corpo do animal no mar, que era ótimo para os pescadores porque tinham espaço para armazenar mais barbatanas. Agora é obrigatório trazer o corpo inteiro e depois podes cortar a barbatana em terra, por isso agora aproveitam o peixe completo. Algumas ONGs disseram “ah, isto é bom, estão a dar uso ao animal todo”. Compreendo, mas continuam a exterminar espécies que são vitais para o ecossistema. Os tubarões são os médicos do oceano; eles mantêm tudo saudável. Se destruirmos os tubarões, espécies invasivas vão subir na cadeia alimentar, mais espécies vão necessitar de fitoplâncton, que é de onde vem uma grande parte do nosso oxigénio, por isso causa grandes danos.

Outra coisa: podes levar 20kg de barbatanas de tubarão na tua mala do avião, mas não podes uma lata de refrigerante. Isso é ridículo. E são mais as companhias aéreas que o permitem do que aquelas que já baniram esse transporte. Existe um ótimo projeto, “Fly Without Fins” que está a tentar combater isto.

Em relação aos pescadores, é muito difícil controlar o que trazem do oceano, e por isso é uma situação quase incontrolável. Tem de passar muito pela educação, eles têm de perceber o impacto daquilo que fazem. Têm de perceber que o seu trabalho só tem continuidade se houver uma pesca responsável; caso contrário, a profissão de pescador está em risco. E nem sempre é fácil eles entenderem isso, apesar de ser algo óbvio.

Pelo lado positivo, há cada vez mais ONGs dedicadas ao mar. A juventude está muito preocupada, tanto que nós fazemos imensos eventos em universidades. O futuro está aí. Infelizmente, falta o público geral estar mais a par do que se passa no mar.

 

É possível uma pesca sustentável? E como a conseguir?

Do ponto de vista da Sea Shepherd, atualmente não há nada que sustenha a pesca sustentável. Devido à pesca comercial pesada que existe, neste momento a única solução é deixar o oceano em paz e deixá-lo regenerar. Não existe, nem pode existir, peixe e marisco sustentáveis num oceano moribundo. Os polinésios costumavam ter um sistema em que proclamavam uma área de pesca como "tabu". Se algum pescador fosse apanhado a pescar numa área tabu, seria morto. Os polinésios entendiam que o peixe tinha de ter uma oportunidade de recuperar.

 

“Defender, conservar e proteger o oceano” é a vossa missão. Quais os grandes desafios e obstáculos que enfrentam para conseguirem concretizar os vossos objetivos?

A maior dificuldade é fazer a mensagem circular, e explicar porque é que temos de salvar o oceano, porque é que temos de diminuir o consumo de peixe.

Ninguém é perfeito, e isto não é algo que aconteça do dia para a noite, mas temos de pensar nas gerações futuras. Vamos ser realistas: nunca vamos parar de comer carne e peixe, porque não conseguimos. Tornámo-nos dependentes destes alimentos, todo o nosso ecossistema se tornou dependente também, por isso se eliminássemos todos os porcos, vacas, peixes, haveria outro tipo de problemas.

Além disso, países menos privilegiados, como é o caso de países africanos, dependem profundamente de pesca e caça para a sua vida. Por isso dizer “para de comer carne e peixe” é uma afirmação muito ousada, eu acho. Basta-nos cortar dramaticamente na quantidade ingerida, especialmente nós ocidentais. Nós não temos desculpas válidas para não cortarmos completamente estas proteínas do nosso dia a dia. Tomando o exemplo de Portugal, em que comer carne e peixe é algo muito cultural, basta sentarmo-nos uma vez por semana e não comermos carne/peixe e já tem um impacto enorme.

O difícil é mesmo passar essa mensagem, especialmente para gerações mais velhas.

Depois, a indústria pesqueira é fortemente subsidiada, então temos muitos obstáculos em nosso caminho. A maioria do mundo só pensa em dinheiro. As autoridades eleitas falham em cumprir as suas promessas em relação ao meio ambiente. Eu tenho muito pouca fé em políticos; como a Greta diria, “blá blá blá, é só isso que ouvimos dos políticos”. Muita conversa e nenhuma ação.

 

Há dias em que, apesar de todos os esforços que levam a cabo, acaba por desanimar e sentir que ainda fazem pouco ou que poderiam fazer muito mais? Como é que se ganha motivação extra para continuar nesses dias difíceis?

No passado, já me senti desencorajado, claro. Mas tenho o prazer de conhecer seres humanos fantásticos que me mantêm motivado. Aliás, são demasiadas pessoas para mencionar. Todas as ONGs com quem já trabalhei e que tenho vindo a conhecer. Os voluntários que conheço dentro da Sea Shepherd também me inspiram muito, pois dão o seu tempo para se dedicarem à causa. É isso que me faz perceber porque faço o que faço. Os mergulhadores, os surfistas, os voluntários em terra…

Também todas as empresas que trabalham connosco e nos dão serviços pro bono, como é o caso do nosso advogado. E claro, todas as marcas e pessoas individuais que fazem doações e que se preocupam mesmo com a missão, que não dizem simplesmente “aqui está algum dinheiro, agora vamos dizer nas redes sociais que vos ajudámos”. Conhecer pessoas genuínas é o que me inspira.

O mar inspira-me, as criaturas marinhas inspiram-me… é o caso do polvo, um animal inteligentíssimo, um dos meus animais preferidos. Há uma história nossa que adoro, de um polvo que usava um pedaço de vidro para ver quando os mergulhadores estavam a nadar por cima dele. No início só víamos o tentáculo agarrar o vidro e mexê-lo à volta, e perguntávamo-nos “o que é que ele está a fazer?”. Depois de alguns mergulhos é que percebemos que ele estava a ver o nosso reflexo para perceber se éramos predadores ou se estávamos apenas a passar por ali.

Mas os ecoguerreiros que todos os dias estão no ativo são mesmo quem mais me inspira. Porque eu sou só um guerreiro de teclado. [risos] Estas pessoas que desistem dos seus trabalhos para irem para os navios da Sea Shepherd é que são os heróis. E claro, ver os nossos navios também me inspira.

Por fim, muitas das informações que recebemos são negativas, no entanto, com o retorno de certas populações de peixes ameaçados de extinção e o mundo cada vez mais consciente dos problemas, isso traz-me esperança.

 

Qual é a mudança que alguém pode fazer neste preciso momento, em qualquer local do mundo, que vai ter um impacto gigante nos nossos oceanos?

A mais simples é reduzir ou parar de comer animais. Se cada pessoa simplesmente reduzisse o seu consumo, rapidamente verificaríamos um enorme impacto no oceano e no planeta, mas também na nossa saúde.

Juntares-te a uma ONG local e envolveres-te de alguma forma, partilhares informações com a tua família e amigos são também excelentes formas de ajudar. A maioria de nós sente-se sobrecarregada e acredita que não pode fazer uma mudança por conta própria, mas realmente podemos começar com coisas simples, como partilhar publicações nas nossas redes sociais, por exemplo.

Sinto que temos a responsabilidade de tentar fazer tudo o que pudermos para proteger as espécies, e a melhor maneira de fazer isso é defender a Lei Internacional de Conservação. A Sea Shepherd não é apenas um movimento para proteger baleias e tubarões, focas e peixes, é um movimento para proteger a humanidade e todas as outras espécies deste planeta. Adotamos um ponto de vista biocêntrico. Eu vejo as coisas do ponto de vista da Terra e das leis da Ecologia, ao contrário do ponto de vista antropocêntrico, onde tudo gira em torno da humanidade. Toda mudança social vem da paixão e intervenção de indivíduos ou de pequenos grupos de indivíduos.

 

Sente que há esperança para um mundo com um oceano saudável e espécies marinhas protegidas?

Sim, sinto. O público em geral está a tornar-se cada vez mais consciente e já podemos ver pela quantidade de dietas alimentares a mudar, pelo ativismo a crescer e pela maior cobertura mediática. Acredito que a juventude de hoje pode realmente resolver os problemas que os nossos antepassados criaram.

 

A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em... 

- Sea Shepherd? Ação direta, piratas do bem

- A maior paixão? Arte de impacto

- O maior receio? O futuro do planeta

- O que o move? Pessoas apaixonadas

- A sua inspiração? Pessoas apaixonadas

- Um sentimento? Amor

- Um livro? “The Soul of an Octopus”, de Sy Montgomery

- Um filme? Seaspiracy

- Uma viagem? Nova Zelândia

- 2021? Um desafio

- 2022? Positivismo

- Futuro? Luta a boa luta