"Era uma realidade horrorosa de lixo."

"Era uma realidade horrorosa de lixo."


A Sofia e o Sérgio são os co-fundadores da Pegada Verde. Criaram o projeto em 2009, após ganharem inspiração numa viagem a Nova Iorque. 
Com o lançamento do nosso blog, quisemos passar-lhes o microfone para que pudessem contar-nos um pouco mais sobre a experiência de criar uma loja online do zero, as suas vidas e de que forma têm assistido, na linha da frente, ao crescimento das preocupações ambientais na nossa sociedade.

Como surgiu a ideia de criar uma loja online de produtos sustentáveis, há 11 anos, num momento em que a sustentabilidade não estava na ordem do dia, e as lojas online não eram ainda um foco?
Sofia Catarino: Tínhamos regressado recentemente de uma experiência profissional de quase um ano em Nova Iorque. A realidade que ali vivemos era muito à base do take away e das compras online.
Sérgio Miranda: Era uma realidade horrorosa de lixo. Sempre tivemos preocupações ambientais, e aquilo fazia-nos imensa confusão. Quando voltámos a Portugal sabíamos que queríamos fazer algo a dois, mas queríamos que fosse uma extensão de nós próprios, algo que fizesse sentido. Acabou por ser uma entrevista à Vanessa Farquassen, autora do livro “Dormir Nu é Ecológico”, que nos deu o click para começar. O online já era uma forte realidade em Nova Iorque, e pareceu-nos natural. Mas esquecemo-nos de que realidade portuguesa era bastante diferente.

Quais foram as maiores dificuldades?
SC: Criar uma loja online quando a oferta neste tipo de serviços era ainda muito limitada. Havia poucos fornecedores e os preços eram muito elevados. Isto porque a sociedade ainda não estava sensibilizada para o tema. E, da nossa parte, também tínhamos pouca experiência profissional, o que pode sempre ser um desafio.
SM: Basicamente, sofremos por fazer parte dos chamados “early adapters”. Ou seja, identificámos o problema antes deste se tornar visível à sociedade. Acabámos por ter de percorrer o caminho mais difícil.

O que vos fez perceber que estavam no caminho certo?
SC: Deu-nos sempre gozo, este sentimento de superação constante. De trabalhar em algo que nos revíamos e com o qual nos identificávamos. Nunca vimos como trabalho, e, quando assim é, continuas a querer fazer sempre mais e melhor. O nosso grande objetivo era dar a conhecer outras opções mais ecológicas a cada vez mais pessoas.
SM: Foi um profundo acreditar que estávamos a fazer a coisa certa. Foi muito duro tentar passar uma mensagem que a maioria das pessoas não estava disponível para ouvir. Mas no fundo sabíamos que, infelizmente, o tempo haveria de nos dar razão.

No vosso percurso tiveram ou têm algum mentor?
SM: Tivemos várias pessoas que cruzaram o nosso caminho. Todas elas nos “deram” sempre alguma coisa. Inspiração, força, resiliência, ... Quando começámos, havia uma pequena comunidade de empreendedores e empresas ligados ao ambiente, que, por circunstâncias adversas, não conseguiram chegar aos dias de hoje. A eles o nosso eterno obrigado, porque fizeram parte de uma comunidade que sempre se entreajudou e nos deu muita força para continuar.

Quais as principais diferenças entre a Pegada Verde de há 11 anos e a de hoje?
SC: Há 11 anos, éramos 2 jovens inexperientes com um sonho, uma idealização. Hoje somos essas 2 pessoas, mais maduras, com mais experiência, ao lado de uma equipa muito talentosa que todos os dias veste a camisola.
SM: Antes eram apenas dois jovens com um sonho, agora somos vários sonhadores. E sem esta equipa, feita de muita pluralidade, atitude e entrega, a Pegada Verde não seria o que é hoje. Um enorme obrigado também para a equipa mais maravilhosa do mundo.

Se pudessem voltar atrás, faziam alguma coisa de forma diferente? Ou há algo de que se arrependam?
SC: Cometemos muitos erros, mas todos eles foram importantes para chegar ao lugar onde estamos hoje. Somos muito felizes e realizado, e veio tudo no tempo certo. Por isso, não prescindíamos de nenhum desses erros, nem alterávamos nada.

Qual é a vossa motivação para levantar todas as manhãs?
SC: Nunca acordo a pensar que tenho de ir trabalhar, por isso para mim é uma bênção. Faço aquilo de que gosto. Como equipa, temos crescido todos os dias uns com os outros e temo-nos inspirado a fazer mais e melhor.
SM: E os nossos filhos! (ahahahah) Não há melhor despertador. Acabam por ser a razão pelo qual a Pegada Verde existe. Um planeta para todos os filhos do mundo.

Sendo um casal, e com uma loja on-line, teoricamente podiam trabalhar 24 horas por dia. Acham que é importante encontrar um equilíbrio saudável entre o trabalho e a vida pessoal? Como é que mantêm esse equilíbrio, e de que forma integram essa prática na cultura da empresa?
SC: No início da Pegada Verde trabalhávamos os dois em casa, sem horários, quase 24h por dia. A dada altura sentimos necessidade de ter um espaço de trabalho diferente do espaço “casa”, e por isso demos por nós a abrir um espaço de cowork em Torres Vedras. Sentimos necessidade de separar o ambiente profissional do ambiente pessoal, porque para nós não estava a funcionar. Mas, neste momento, na fase de crescimento em que estamos, mal nos vemos durante o dia, o que acaba por ser benéfico em termos de relação. Em casa, acabamos sempre por falar muito de “trabalho”. É um pouco inevitável.

Quando é importante descansar e desligar da Pegada Verde, ao que se dedicam? Quais os vossos interesses?
SC: Passar tempo com a família, cozinhar, ler, fazer yoga e meditar.
SM: Andar de bicicleta ou jogar futebol, caminhar na natureza, “fazer” praia. São tudo coisas que me completam. Também adoro ver futebol e MotoGP. Sou mega fã do Miguel Oliveira e de tudo o que ele conseguiu alcançar.

Que características deve ter uma empresa que pretenda gerar valor e, ao mesmo tempo, ser veículo de sustentabilidade?
SC: Acima de tudo ter paixão pelo que se faz, e fazê-lo sempre de forma genuína. Colocar o coração em todas as tarefas, e ser fiel aos seus princípios. A partir desses “ingredientes”, podes fazer acontecer qualquer coisa.

Diz-se que Portugal é solo fértil para negócios de sustentabilidade. Concordam? Se sim, quais acham que são os motivos.
SC: Temos solo muito fértil, sem dúvida, para todos as áreas - não apenas negócios de sustentabilidade. Nós somos um povo muito criativo, talentoso e trabalhador. E existe uma comunidade muito proactiva e sensível às questões ambientais, por isso há uma maior facilidade em passar a mensagem.
SM: Diria mais - acho que não é do solo, mas da planta. Os portugueses têm uma determinação e garra espantosas. Navegámos para o desconhecido, descobrimos novos continentes...fazemos e acontecemos.

De acordo com o feedback que têm relativamente ao consumidor português, como o caracterizam relativamente aos hábitos sustentáveis? Que diferenças foram sentindo ao longo dos anos?
SC: Sentimos uma diferença muito grande nesta década que nos separa. Nos últimos dois, três anos houve um aumento substancial na procura de produtos ecológicos, biológicos e sustentáveis para o dia a dia. Há um número muito maior de pessoas preocupadas com as suas escolhas, quer para a sua saúde quer para o ambiente. E essas pessoas são mais informadas e pesquisam muito antes de comprar.
SM: Por outro lado, também gostávamos que estas mudanças acontecessem de forma mais rápida. Tentamos pensar essa mensagem, mas, no final do dia, as pessoas fazem o seu próprio caminho. Nós tentamos informar e sensibilizar o quanto podemos, sem ultimatos, até porque se queremos abraçar a mudança, temos de o fazer com empatia.

Sentem que os portugueses têm vontade de adotar hábitos sustentáveis? Pedem-vos orientações de como fazê-lo?
SM: De uma forma geral sim, todos querem mudar. Infelizmente nem todos estão disponíveis para o fazer sem abdicar de certas “regalias”, e quando isso acontece é difícil fazer a transição. Cabe-nos a nós arranjar soluções que sejam melhores para que a mudança seja feita de uma forma natural.

Que dicas dão a quem vos procura?
SC: A dica que consideramos mais importante é começar devagar. Perceber as rotinas que exigem menos mudanças ou menos esforço e que são mais fáceis de concretizar, e a partir daí ir adicionando outros desafios. A sustentabilidade não tem de ser angustiante, e não tem de nos deixar depressivos. Tem de ser um momento feliz que nos faz sentir melhores pessoas.
SM: Também temos algumas pessoas que nos abordam e dizem que gostariam de criar os seus próprios negócios na área da sustentabilidade. A minha dica é que, depois de terem a ideia muito bem definida, façam bem as vossas contas. Independentemente de sermos um negócio sustentável, ou não, os impostos são iguais para todos. E se as coisas correrem mal, as consequências podem ser grandes. Sofremos muito no início da Pegada Verde porque estávamos muito enamorados com a ideia e não tínhamos distanciamento para perceber que certas coisas não iam resultar.

Que tipo de produtos/hábitos os portugueses adotam mais quando decidem ter rotinas mais sustentáveis?
SC: Adotam muito a questão de levar sacos reutilizáveis para as compras, utilizam mais esponjas de origem natural, detergentes ecológicos e cosmética natural. E também existe uma procura muito grande por garrafas e copos reutilizáveis.

Depois da Pegada Verde, criaram a NAUA - Natural Care. Vêm na cosmética natural uma área com futuro?
SC: A cosmética tem futuro, e, como tudo na nossa vida, surge como uma necessidade pessoal. Não tínhamos encontrado ainda no mercado uma marca que nos satisfizesse a 100%, por isso fez-nos sentido apostar numa com o nosso cunho, e de alguma forma, à nossa medida.

O que mais podemos esperar da Sofia e do Sérgio?
SC: Podem ter a certeza de que não nos vamos acomodar, e tudo o que fizermos será sempre com um propósito.
SM: E vamos continuar com a mesmo força para fazer aquilo em que acreditamos.

A primeira coisa que vos vem à cabeça quando pensam em...
Pegada Verde?
SC: Ainda tanto para fazer
SM: Empatia
A maior paixão?
SC: Família
SM: Família
O maior receio?
SC: Ter medo do desconhecido e não avançar
SM: Falta de Coragem
O que me move?
SC: Plenitude
SM: Paixão pelo que faço
A minha inspiração?
SC: Natureza
SM: Barack Obama
Um sentimento?
SC: Entusiasmo
SM: Amor
Um livro?
SC: Dormir Nu é Ecológico
SM: A Arte Subtil de Saber Dizer que se F*da
Um filme?
SC: Recentemente gostei muito do documentário Kiss the Ground na Netflix
SM: Interstellar
Uma viagem?
SC: Perú
SM: Japão (ainda por realizar)
2020?
SC: Viver um dia de cada vez
SM: Desafiante
2021?
SC: Arriscar
SM: Esperança
Futuro?
SC: Com propósito
SM: Confiança