"Não há razão para os lucros da sustentabilidade se centrarem nas mãos de poucos"

"Não há razão para os lucros da sustentabilidade se centrarem nas mãos de poucos"

 

Nuno Brito Jorge é um empreendedor, entusiasta da inovação e sustentabilidade, que criou a plataforma GoParity em Portugal. Esta plataforma de investimentos promove projetos sustentáveis através dos investimentos dos cidadãos.

Falámos com ele sobre a importância dos bancos na economia verde e sobre as motivações que o levaram a criar esta plataforma em Portugal.  

 

A GoParity é uma plataforma de investimento que promove projetos sustentáveis. Para os nossos leitores que não conhecem o vosso trabalho, que tipo de projetos sustentáveis são estes?
De uma forma resumida, a principal característica para definir um projeto sustentável é aquilo que é feito num projeto que contribui para atingir pelo menos um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

Na plataforma dividimo-los em 5 categorias: Energia Sustentável, Economia Azul (mar e água), Uso responsável da Terra, Inovação social e Negócios em Transição.

Na prática, estamos a falar de áreas tão distintas como energia solar, aquacultura sustentável, moda vegan, agricultura biológica, turismo ecológico, etc.

 

Esta plataforma é um local onde podemos investir as nossas poupanças para apoiar projetos que, de outra forma, não veriam a luz do dia.  Qualquer pessoa pode iniciar-se nestes investimentos?
Sim! O nosso objetivo é mesmo que qualquer pessoa ou empresa se possa tornar um investidor de impacto. Só precisa de ter mais de 18 anos (ou estar legalmente constituída se for uma empresa) e de ter 5€ para investir. Pode-se chegar a investir em formato totalmente digital até 25.000€ por projeto.

 

Se sim, como o podem fazer, e como ocorre o processo de investimento e financiamento?
O processo é totalmente online e passa por aceder à plataforma em www.goparity.com, escolher o(s) projeto(s) que se pretende financiar, criar uma conta (à qual é atribuído um IBAN) e investir transferindo o montante escolhido.

É mesmo assim tão simples.

Claro que é preciso dar alguns dados para o registo – na prática é quase como abrir uma conta bancária – mas cada vez melhoramos mais a experiência do utilizador, e claro, só é preciso no início. Uma vez realizado o registo e validada a identidade o investimento em qualquer projeto passar a ser quase instantâneo.

 

Como é feita a escolha dos projetos que vão financiar?
É um misto de diferentes análises, a que chamamos uma “Triple Due Dilligence” por ser composta por 3 eixos principais: a análise impacto para verificar e quantificar a componente de sustentabilidade que exigimos, a análise financeira da empresa que procura financiamento e a análise técnico-financeira ao projeto a implementar.

 

O que motivou o Nuno a criar a plataforma GoParity?
Foi a vontade de empoderar as pessoas no que toca ao destino dado às suas poupanças e ao acesso a investimento com rentabilidades interessantes que também fazem bem ao planeta e à sociedade. Não há razão para os lucros da sustentabilidade também se concentrarem nas mãos de poucos.

Quando vivia no estrangeiro usava um banco ético e, ao voltar a Portugal em 2009, deparei-me com a necessidade de escolher um banco onde receber o meu salário. É fácil imaginar que a escolha não foi fácil!

Por outro lado, motivou-me também ter visto, na primeira pessoa, que há tantos bons projetos nesta área da sustentabilidade que não chegam a ver a luz do dia por falta de financiamento adequado.

 

Quais foram as maiores dificuldades para criar uma plataforma destas em Portugal?
Inicialmente foi a falta de enquadramento legal. Tentei começar a GoParity em 2012 e o regulamento que enquadra a nossa atividade só saiu 5 anos mais tarde. Acabámos por “esperar” e começar outros projetos. Fui fundador da Boa Energia de onde acabei por sair para lançar a GoParity, e da Coopérnico, da qual continuo a ser presidente da Direção, mas que tem já uma força e autonomia enormes.

O segundo maior desafio acho que está na criação da confiança. Creio que somos, como população em geral, mais desconfiados e mais difíceis de convencer. E temos também menor poder de compra quando comparado com outros países do centro e norte da Europa.

Ao ser um negócio financeiro acabámos também ser inicialmente penalizados em temas como parcerias ou possíveis projetos com entidades públicas ou grandes organizações.

Isso agora está claramente a mudar e em breve teremos várias notícias para partilhar!

 

O que o fez perceber que estavam no caminho certo?
Ainda temos muito para caminhar e várias vezes tomamos a curva errada!
Saber que estamos no caminho certo para nós é saber que estamos a fazer uma coisa boa. Isso sentimo-lo em cada email de agradecimento que recebemos de investidores ou promotores de projetos, em cada reunião de equipa de onde saímos de alma cheia, em cada história de impacto positivo criado pelos projetos que financiamos ou em cada prémio que recebemos. 

Há um momento muito importante que é o ano de 2020 e a pandemia. Depois de um abrandamento inicial de Março a Junho de 2020, notámos uma retoma a partir de Agosto e tivemos um final de ano, desde Setembro, em que cada mês batemos o record de investimento do mês anterior, seguindo-se o mesmo até Janeiro deste ano.

 

No percurso da criação da GoParity, teve alguns mentores?
Não sei se posso falar em mentores especificamente, mas sempre me tentei aconselhar com pessoas mais experientes e aprender (ou apreender) o melhor das pessoas com quem me cruzei. Se o que define o nível de “mentoria” é a quantidade de vezes que voltei a alguém para pedir conselhos ou orientação, ninguém bate o Carlos Pimenta. Para mim foi uma inspiração, um encorajador e um amigo.

Também o Karl Harder foi alguém com quem me aconselhei várias vezes por ter sido um dos criadores da primeira plataforma deste estilo e, mais no âmbito da Coopérnico, alguns dos elementos fundadores da RESCOOP (o Dirk, o Gijsbert e o Siward).   

Podemos sempre aprender alguma coisa de toda a gente com quem nos cruzamos. Só precisamos de estar abertos a isso e atentos para o fazer.

Não me esqueço, claro, do meu pai que me incutiu o seu profissionalismo e ambição desde pequeno ou da minha mãe sempre a encorajar (de vez em quando) o “seguir o coração” em lugar de jogar pelo seguro.

 

Considera que, hoje em dia, associar poupanças aos bancos mais tradicionais pode não ser uma opção sustentável?
Cada vez vemos um discurso mais relacionado com finanças éticas ou verdes nos bancos, mas a verdade é que às vezes parece que estão só a “cumprir calendário”.

No caso das poupanças o mesmo acontece. Há um enorme desconhecimento quanto ao destino dado ao dinheiro que aplicamos num banco. Não sabemos que atividades estão a ser financiadas com ele (se é que alguma está), não sabemos se está a ser gerado algum valor económico para nos pagar juros e muito menos sabemos que impacto social e ambiental está a provocar.

É esta transparência, sustentabilidade e tangibilidade que queremos oferecer aos investidores da GoParity. 

 

Existem vários estudos que mostram que os bancos portugueses não cumprem muitos dos critérios de sustentabilidade, alegadamente por falta de incentivos. Que mudanças devem acontecer em termos económicos para que os bancos possam cumprir esses critérios?
Há muitas coisas que seria bom mudar e a primeira, que é a mais difícil, são as mentalidades. Ainda que até seja verdade não se pode estar na sustentabilidade só porque é negócio. A sustentabilidade deve ser imperativa porque é necessária e urgente e a única solução para o problema que criámos.

Ainda assim, porque realisticamente sabemos que a mudança não chegará a tempo sem outra espécie de incentivos, há várias áreas onde ainda é possível intervir na banca, desde a Governança (ex.: objetivos e incentivos a administradores e gestores de topo) à transparência (na análise de risco, reporting, etc.).

 

Quais são exemplos de projetos sustentáveis que já conseguiram financiar, que vieram a dar frutos?
Temos vários projetos que estão a correr muito bem. Como exemplo podemos dar os de energia solar em Portugal ou no estrangeiro; por exemplo, um projeto no Uganda que não só atuou na área das energias limpas (ao substituir geradores a gasóleo por painéis solares) como acabou por ter um grande impacto na comunidade local ao iluminar uma zona não eletrificada, junto a uma estrada, onde as pessoas puderam passar a reunir-se em segurança à noite. Temos também a Oceano Fresco, a empresa que individualmente maior financiamento obteve na GoParity, e que está a contribuir muito significativamente para a cadeia de valor dos bivalves em Portugal através de investimento privado e de conhecimento altamente especializado num setor com um enorme potencial. No turismo temos por exemplo a Quinta Alma, um eco-turismo (“glamping”) em Aljezur que tem uma abordagem ecológica e regenerativa na relação com o território em que se insere: um bom exemplo de como é possível criar alojamento turístico sem danificar património natural e paisagístico.

 

Diz-se que Portugal é solo fértil para negócios de sustentabilidade. Concorda? Se sim, quais acha que são os motivos?
Sinceramente, no estado em que estão as coisas, acho que praticamente todo o mundo é um terreno fértil para negócios de sustentabilidade! Mas sim, concordo que em Portugal temos um enorme potencial, seja pela importante conjugação de fatores geográficos que nos permitem ter recursos tão importantes como sol e vento para renováveis, um clima ameno ou uma enorme zona económica exclusiva (marinha). Também temos uma escala muito interessante para validar modelos e fazer projetos piloto. Por outro lado, temos pessoas altamente formadas, e cada vez mais informadas, que apostam no empreendedorismo ou em contribuir com os seus negócios para a solução dos problemas sociais que enfrentamos.

 

Nota que existem cada vez mais pessoas preocupadas participar em investimentos sustentáveis? As pessoas procuram estas plataformas mais do que procuravam há alguns anos? 
Sem dúvida que sim. Acredito que o crescimento que estamos a registar não é apenas resultado de estarmos a fazer um bom trabalho, mas é também fruto do crescimento de um “mercado” ou segmento de cidadãos e empresas social e ambientalmente responsáveis. Temos a sensação de que a pandemia contribuiu também para as pessoas repensarem a forma como nos relacionamos uns com os outros e com o planeta. Agora sabemos que há muitas mais pessoas a querer uma recuperação verde.

 

O que mais podemos esperar da GoParity no futuro?
A nossa missão é trazer as finanças de impacto para o dia a dia das empresas e pessoas. É isso que vamos continuar a fazer: dar mais possibilidades aos nossos utilizadores quanto ao que podem fazer com a plataforma, aumentar a nossa oferta para as empresas (numa perspetiva de compensação de pegada de carbono, mas também de atração e retenção de talento) e continuar a nossa internacionalização. Já temos projetos e promotores em 10 países no mundo e estamos a montar operação em Espanha.

 

A primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa em... 

- GoParity? Desafio
- A maior paixão? Praia
- O maior receio? Não ser aceite
- O que me move? Money for good
- A minha inspiração? Interior
- Um sentimento? Saudade (agora que estou a viver fora outra vez!)
- Um livro? Na Patagónia
- Um filme? A praia (deve ser das saudades de viajar)
- Uma viagem? Mochilão na América do Sul em 2009
- 2020? Segunda oportunidade
- 2021? Agora é que vai ser
- Futuro? Os meus filhos e a sua geração. E praia :)