A transição energética é uma das grandes questões da nossa década. Após muitos anos de escolhas ‘duvidosas’ no que diz respeito ao fornecimento de energia e combustível, chega o momento em que percebemos que estas atitudes são incomportáveis e que o preço a pagar pelo impacto causado no ambiente é muito alto.
Vemos as gerações futuras a ficarem sem casa, esgotamos os recursos naturais que estariam destinados a elas e observamos em pânico uma extinção rápida e agressiva de muitas espécies que chegaram ao nosso planeta milhões de anos antes de nós. Sabemos que está na altura de agir, e por isso milhões de pessoas por todo o mundo começam a mover-se para fazer a transição para uma economia, uma energia e uma vida mais sustentável.
Mas pelo meio de caminhos bravos, surge um ataque à mudança: a greenflation ou, em português, Inflação Verde.
O QUE É A GREENFLATION?
A Greenflation, ou Inflação Verde, é um termo que surgiu de forma relativamente recente e significa “um aumento acentuado no preço de materiais, minerais, etc., que são usados na criação de tecnologias renováveis”[1].
A transição energética e de mobilidade pede recursos muito específicos: o lítio é um elemento crucial das baterias de carros elétricos, e atingiu um recorde de preço, tendo subido cerca de 700% desde o início de 2021[2]. O mesmo vale para o cobre, que é usado (direta ou indiretamente) em tecnologias solares, de aproveitamento de vento, baterias e veículos, e cujo preço subiu 125% desde 2020[3].
Neste momento, acabamos por assistir aos custos da transição verde a serem colocados por cima de uma inflação de custos convencional. A inflação de custos acontece quando existe um aumento substancial no custo de bens ou serviços importantes, para os quais não existe alternativa, e cuja procura permanece igual. Esta inflação, quando sobrecarregada com os custos da transição energética, reflete-se na Inflação Verde.
O PORQUÊ DA SUBIDA DAS MATÉRIAS-PRIMAS USADAS NA INDÚSTRIA
A mineração e a refinação de metais são negócios que consomem muita energia. Como tal, e tendo como exemplo o cobre, os preços alteram-se conforme o preço do petróleo bruto e do gás natural. Com os preços a atingirem nos últimos anos (e até meses) valores nunca antes vistos, a mineração torna-se mais cara. Por outro lado, há um fator simples que explica uma subida nos custos dos materiais necessários: quando a procura por estes materiais aumenta, mas não é possível aumentar a produção – devido à dificuldade e demora na obtenção de minerais, por exemplo – automaticamente, os preços sobem. Atualmente, uma bateria de iões de lítio que é usada na maioria dos carros elétricos necessita de cerca de 13kg de lítio, 27kg de cobalto e também níquel, cobre, grafite, aço e alumínio[4]. O exemplo perfeito de “sete cães a um osso”, se os cães tivessem de pagar pelo osso e esse osso fosse a única fonte de alimentação num raio de centenas de quilómetros.
Além disso, alguns dos materiais são metais raros no planeta e estão apenas concentrados em um ou dois países, juntando assim às já muitas complicações de mineração mais um problema: questões geopolíticas.
De forma ainda mais recente, a guerra na Ucrânia tem afetado profundamente a inflação de matérias-primas; temos como exemplo o aumento sem precedentes no preço do níquel, um metal fundamental para construção de baterias e turbinas eólicas, e cuja Rússia é um dos maiores fornecedores do mundo. A 31 de março, o preço por tonelada ultrapassou pela primeira vez os 100 mil dólares[5].
Os produtores de metais também estão mais focados em reduzir a sua pegada carbónica atual do que em aumentar a oferta; o investimento é destinado à descarbonização das atuais cadeias de produção de forma a atingir metas cada vez mais difíceis, o que, regra geral, entra em choque direto com a possibilidade de aumentar a produção de metais criticamente necessários para a energia verde. A China é um exemplo perfeito; o compromisso para com as metas climáticas está a ter um grande impacto negativo no investimento em áreas como fundição de alumínio (que já percebemos que é um material necessário para a transição energética).
No Chile e no Peru, por exemplo, o Financial Times informa que os projetos de mineração de cobre (que fornecem 40% do cobre do mundo) estão a demorar o dobro do tempo para serem concluídos. No passado, víamos empresas de mineração a iniciar um projeto e começar a fornecer cobre passados cinco anos; hoje, com uma maior preocupação em relação ao impacto ambiental da mineração, os projetos levam mais de dez anos para fornecerem o mesmo material. Com a necessidade de utilização de mais cobre, é necessária mais oferta – mas ninguém sabe de onde irá surgir.
Em resumo, há um impulso para adotar tecnologias verdes, mas isso entra em tensão com outras prioridades ambientais – como inibir práticas de mineração perigosas para o meio ambiente. E à medida que as indústrias tentam mudar para tecnologias de baixa emissão, enfrentam um problema de restrições de fornecimento dos minerais e metais de que precisam.
O QUE PODEMOS ESPERAR NO FUTURO?
Muitas vezes optamos por ver as questões de transição energética a preto e branco, mas a verdade é que quase tudo é cinzento. Não existe uma solução perfeita nos dias que correm, e é muito possível que, a curto prazo, seja necessário desacelerar os planos de descarbonização energética (mantendo centrais elétricas a carvão a funcionar durante mais tempo do que inicialmente planeado, por exemplo) de forma a reduzir os riscos de afetar profundamente os mercados de energia. Era ótimo se não tivéssemos de o fazer, mas não podemos esquecer que a sustentabilidade tem sempre de se aliar a uma economia segura e estável – caso contrário, serão os cidadãos comuns a pagar uma conta elevada (de forma literal e figurativa).
No final do dia, a inflação verde causa um problema que vai muito além de um simples aumento de preços; esta crise leva os países a repensarem as suas estratégias de sustentabilidade energética. Acelerar a transição energética é um tema que está na mesa da maioria das capitais do mundo, mas fazê-lo apenas irá colocar mais pressão no mercado e contribuir para um disparo nos preços das principais matérias-primas.
Isabel Schnabel, do Banco Central Europeu, disse recentemente: “Enquanto no passado os preços da energia geralmente caíam tão rapidamente quanto subiam, a necessidade de intensificar a luta contra as mudanças climáticas pode implicar que os preços dos combustíveis fósseis agora terão de permanecer elevados e continuar a subir se quisermos cumprir os objetivos do Acordo Climático de Paris.... A combinação de capacidade insuficiente de produção de energias renováveis a curto prazo, investimentos moderados em combustíveis fósseis e aumento dos preços do carbono significa que corremos o risco de enfrentar um período de transição possivelmente prolongado durante o qual a conta de energia estará sempre a subir."
Gostava de poder terminar numa nota positiva, mas, de forma real, não se avistam tempos fáceis para uma indústria que não se pode dar ao luxo de ser volátil. É necessário manter os pés na terra, e perceber que as alterações são necessárias, e urgentes, mas que o caminho para lá chegar não está coberto de rosas.
Fontes:
https://www.ecb.europa.eu/press/key/date/2022/html/ecb.sp220317_2~dbb3582f0a.en.html
[1] Fonte: https://www.collinsdictionary.com/submission/24485/greenflation
[2] Fonte: https://tradingeconomics.com/commodity/lithium
[3] Fonte: https://www.cmegroup.com/openmarkets/metals/2022/Five-Reasons-Copper-Prices-Have-Risen.html
[4] Nota: o tamanho da bateria influencia a quantidade necessária de matérias-primas. Estes valores aplicam-se a uma bateria de aproximadamente 450kg.
[5] Fonte: https://expresso.pt/economia/2022-03-08-preco-do-niquel-dispara-para-maximo-historico-em-londres
Comentários