O que é Coliving, o novo conceito de habitação partilhada?

O que é Coliving, o novo conceito de habitação partilhada?

 

Nos dias que correm, há uma grande probabilidade que já tenhas ouvido falar dos termos cohousing e coliving. Apesar de não serem totalmente sinónimos, ambos nos remetem para uma nova experiência de quotidiano: viver em comunidade através da partilha de espaços, ferramentas e competências.

Existem vários motivos pelos quais a experiência de coliving passou a ser mais desejada, especialmente por jovens adultos e por pessoas mais idosas. O combate à solidão, as vidas aceleradas e sem tempo para socializar e a procura por formas de (con)viver que sejam mais sustentáveis são algumas das questões mais apresentadas no momento de validar este novo estilo de vida.

A verdade é que a vontade de viver em comunidade, ao invés de viver sozinho ou apenas com família próxima, é algo que vem desde há muitos milhões de anos, com o aparecimento das primeiras espécies do género Homo. Nessa altura, mais do que uma vontade, era uma necessidade para manter a espécie viva. Mas antes de nos aventurarmos na história da vida em comuna, vamos começar por perceber: afinal, o que é o termo coliving e de onde apareceu?

 

VIVER EM COMUNIDADE - COLIVING

Mesmo que nunca tenhas ouvido falar em coliving, talvez já tenhas ouvido falar no seu primo – o coworking. Esta prática, que é cada vez mais comum (até nós, Pegada Verde, tivemos o nosso escritório no espaço Cowork Torres Vedras até há bem pouco tempo!), assenta na partilha de espaços físicos de trabalho entre freelancers e empresas, para facilitar a combinação de sinergias e para criar novas ideias e oportunidades de negócio. Na maioria dos casos, é também uma solução mais económica do que alugar um escritório para uma única empresa.

Ora, a partir daqui, é fácil perceber o conceito de coliving. Trata-se de um sistema de habitação que dá prioridade aos espaços partilhados e ao uso comum de determinados serviços. Quer-se com este sistema favorecer a troca de experiências entre os residentes, ao mesmo tempo que se otimiza a utilização de recursos.

Grandes cidades, como Nova Iorque, Tóquio, Londres ou Amesterdão, têm implementado cada vez mais projetos ligados a este conceito. Mas, infelizmente, a Covid-19 veio trazer às vivências em conjunto uma pequena paragem, e obrigou-nos a estar mais afastados – isso nota-se claramente uma vez que, depois de uma subida a pico na procura por partilhas de coliving em 2019, houve uma queda nessa mesma pesquisa durante o ano de 2020.

 

GRÁFICO 1. Evolução do termo de pesquisa “coliving” entre 2014 e 2022 no motor de busca Google. Os pontos mais elevados são momentos em que o termo foi mais pesquisado.

 

A partir de meados de 2021 verificou-se novamente uma subida nesta procura, numa altura em que as pessoas procuram, mais do que nunca, experiências em conjunto para compensar os longos meses de ‘solidão’. Afinal, a nossa necessidade de socialização é quase um instinto primitivo, que nos move há milhares de anos.

 

OS NOSSOS ANTEPASSADOS

Nos primórdios da humanidade, os nossos antepassados não eram mais do que “caçadores-coletores”, que viviam em grandes acampamentos e sobreviviam da caça e colheita de alimentos (vegetação, mel, etc.). Nestes acampamentos, todas as pessoas dependiam umas das outras para tudo, desde comida e a proteção.

Mas, uma vez que estes caçadores não dependiam ainda da agricultura, o seu estilo de vida exigia acesso a grandes áreas de terra. Isso tornava impossível que ‘assentassem’ a longo prazo, e por isso, estas grupos eram totalmente nómadas. Só há cerca de 12 mil anos, com a Revolução Neolítica (também conhecida por Revolução Agrícola), é que os nossos antepassados iniciaram a criação de ‘civilizações’ e cidades mais semelhantes ao que conhecemos hoje.

Com a introdução da agricultura, os povos neolíticos não precisavam uns dos outros para sobreviver (ao contrário dos povos paleolíticos), mas, ainda assim, optavam por viver juntos em grandes comunas. Isto porque os seres humanos funcionam melhor em comunidade, e vários estudos de biologia, neurociência e psicologia mostram que os nossos corpos funcionam melhor quando não estamos isolados. Além disso, todos beneficiamos da partilha de informação, do agrupar de recursos alimentares e das conexões sociais.

 

PORQUE É QUE O COLIVING É UMA SOLUÇÃO CADA VEZ MAIS PROCURADA?

Na maioria das vezes, as soluções de coliving são procuradas por jovens adultos (entre os 18 e os 30 anos) e por pessoas após a idade de reforma. Apesar de serem pessoas em idades e fases da vida muito diferentes, algumas das razões que os levam a procurar estas soluções são semelhantes.

O combate à solidão é um dos motivos que mais leva diferentes pessoas a procurar soluções de coliving. Nos dias que correm, pode tornar-se difícil para os jovens adultos criarem ligações emocionais satisfatórias entre a correria do trabalho e a vida agitada nos grandes centros urbanos. Já as pessoas em idade de reforma encontram muitas vezes a solidão depois de as suas famílias se deslocarem para outros locais.

Aliás, estudos têm mostrado que “pessoas solitárias têm 50% mais chances de morrer prematuramente do que aquelas com relacionamentos sociais saudáveis”.[1] Já ‘Venn’, uma operadora israelita de coliving em Israel, Alemanha e Estados Unidos, descobriu que "os níveis de solidão caem 50% em apenas 6 meses após entrar para a Venn" e "100% dos membros sentem que são socialmente apoiados". Ou seja, o coliving acaba por, através das áreas comuns partilhadas, oferecer uma experiência de maior conexão emocional com outras pessoas, que noutras ocasiões não passariam de meros estranhos.

Mas existem também outros benefícios individuais que são procurados ao embarcar numa experiência de coliving.

 

            ECONOMIA DE CUSTOS

 Numa economia em que muitos jovens sentem cada vez mais dificuldades em ter acesso fácil a arrendar ou comprar casa, o coliving torna-se numa opção bem mais acessível do que os ambientes tradicionais. Em vez de pagar contas separadas de internet, água, luz, ginásio, serviços de limpeza, etc., nas soluções de coliving estes valores estão já incluídos numa mensalidade, uma vez que são disponibilizados de forma igual a todos os moradores.

 

            FLEXIBILIDADE E CONFORTO

Na maioria dos casos, as soluções de coliving são uma forma de habitação mais flexível e confortável. Os contratos de arrendamento podem ser mais curtos (três meses, seis meses, conforme a necessidade dos moradores), não existe uma preocupação constante na procura de serviços (serviços de limpeza, comunicações, ginásio) pois os mesmos são oferecidos de antemão pela empresa gestora do espaço e não existe um compromisso tão grande quanto comprar uma casa. Quando precisares de sair para passar algum tempo noutro país, ou até quando mudares de emprego, não tens quaisquer preocupações extra de avisar os colegas de casa, falar com o proprietário ou vender a casa.

           

            SUSTENTABILIDADEE

Um estudo efetuado sobre uma estratégia de coliving adotada em Estocolmo[2] indicou que o modelo de coliving afeta positivamente a sustentabilidade em ambientes urbanos, incentivando a redução do consumo por meio da partilha e acesso ao capital social, diminuindo as emissões de carbono resultantes de adensamento populacional e proporcionando um sentimento de pertença social.

“Os benefícios ambientais do coliving estão enraizados principalmente na densificação do espaço que ocorre quando as pessoas reduzem o seu espaço individual em troca de espaços comuns maiores. O número reduzido de máquinas de lavar, casas de banho e utensílios de cozinha necessários causa reduções instantâneas de emissões”, reporta ainda o mesmo estudo.

 

DIFERENÇAS ENTRE COLIVING E COHOUSING

Apesar de serem termos bastante semelhantes, não são exatamente o mesmo conceito.

Cohousing: cada indivíduo tem a sua própria residência completa (casa com cozinha, casa de banho, sala de jantar) mas partilha áreas comuns, como jardins, lavandarias e espaços de reunião.

Coliving: cada pessoa tem o seu próprio quarto e, por vezes, casa de banho, mas partilha todas as outras áreas da residência – cozinha, sala de jantar, áreas de trabalho, etc.

O cohousing poderá ser um formato de partilha de espaços mais adequado para pessoas que sejam novas para este tipo de conceito e que nunca tenham tido uma experiência de partilha de espaços anteriormente, uma vez que nem todos nos sentimos totalmente confortáveis para passar de imediato a um formato de partilha de todos os espaços da nossa habitação.

 

EXEMPLOS DE SUCESSO

Talvez possas não acreditar, mas o primeiro exemplo de um espaço de coliving de sucesso aconteceu em Palo Alto com Mark Zuckerberg, o criador da rede social Facebook, e a sua equipa. Em 2004, Zuckerberg alugou uma casa de cinco quartos, onde os primeiros funcionários do Facebook construíram a rede social. Esse tipo de espaços tinha o nome de hacker houses, um tipo de comunidade ou residência para jovens empreendedores, em vez de máquinas humanas que criam códigos.

Esse conceito evoluiu até aos dias de hoje, tornando-se agora no conhecido coliving, e já existem pelo mundo vários exemplos de sucesso.

 

Espaço de Coliving em Ubud, Bali

Os moradores alugam quartos com casas de banho privativas e têm acesso a espaços comuns com piscina, cozinha compartilhada, café, área de ioga e churrasqueira.

The Collective Old Oak, Londres

Anunciado como o maior empreendimento de co-living do mundo, com mais de 550 quartos, o The Collective Old Oak Common foi desenhado para oferecer aos moradores tantas comodidades que eles nem iriam precisar de sair do prédio. Além de apartamentos com áreas comuns partilhadas, o empreendimento abriga um espaço de coworking, restaurante, ginásio, cinema, spa e lavandaria.

 

Com uma procura cada vez maior por espaços partilhados, uma vivência em comunidade e soluções de habitação mais sustentáveis, acreditamos que o sistema de coliving possa ser uma solução simples e que vai ser cada vez mais uma opção para todas as pessoas.

 

[1] Fonte: https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1000316

[2] Fonte: https://www.researchgate.net/publication/348755566_Coliving_in_the_Sustainable_City_-_A_study_of_coliving_as_a_sustainable_urban_housing_strategy_in_Stockholm